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29 junho 2016

Diários do estágio

Uma parte da colcha de retalhos construída na oficina da Liga de Educação em Saúde na 22ª Conferência Mundial de Promoção da Saúde (IUHPE) em Curitiba
 
Num dia desses.
- Mayara escolhi uma paciente para você... - eu fico aguardando instruções, o preceptor segue - uma paciente, sabe, complicada, dessas que você gosta de ficar conversando... -.
Penso que não é gostar de conversar, e ter paciência para ouvir e costurar histórias.

Voam abraços,
Mayara Floss

13 abril 2016

Noite Feliz


The Starry Night - Vicent Van Gogh

“Noite feliz! Noite feliz!
Oh, Senhor, Deus do amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na Lapa Jesus nosso bem
Dorme em paz, oh, Jesus
Dorme em paz, oh, Jesus (...)”



- Como a senhora está?

- Estou bem, só quero ir para casa, logo é natal e temos que ensaiar para o Natal.

- É mesmo D. L. ...

- Sim, eu canto no coral e ela também – apontando para a acompanhante.

- Quais músicas vocês cantam?

- Ah várias...

- Cantam noite feliz?

- Sim...

E começamos a cantar na enfermaria do hospital por volta das 21 horas um mês antes do Natal Noite Feliz. Ela estava sem levantar da cama há dias, com o oxigênio e começou a cantar em alto e bom som Noite Feliz.

Na enfermaria cheia, com os cinco pacientes em seus leitos, seus acompanhantes, todos cantaram Noite Feliz sorrindo, dona L. era a maestra da noite com sua voz rouca e afinada.

Quando terminamos eu estava com os olhos cheios d’água e ela bateu na minha bochecha com um sorriso e uma vibração contagiante, como quem diz: “ensaiei para o Natal”. A acompanhante dela saiu do quarto emocionada para me abraçar.

Quando fui visitá-la no dia seguinte ela estava em um sono tranquilo, seguiu assim pelos próximos três meses, até que se foi como um sopro e uma canção.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

06 abril 2016

Pedacinhos



Lá em uma enfermaria lotada, cheia de pessoas no corredor no meio do caos. Eu de jaleco branco com calor. Ela me explica quando pergunto como está:

- Cada um tem que passar os seus pedacinhos. –

Cada um tem que viver seus pedacinhos. Alguns pedacinhos difíceis outros pedacinhos fáceis. E aí, nas palavras dela, vamos vivendo de pedacinhos.

Voam abraços,
Mayara Floss

16 março 2016

Conversa em quadrinhos [Mayara]

Para Júlio

A evolução clínica foi sobre quadrinhos,. Mas nada de quadrinhos Marvel ou grandes quadrinhos de super heróis. Foi Mickey, Tio Patinhas, Tex e Turma da Mônica. Entrei no quarto e vi a revistinha do Mickey, prato cheio para conversa. No meio da anamnese que parecia mais conversa de clube de gibi perguntava como ele estava.

O que você gosta mais de ler? - ele disse.
Eu gostava de Turma da Mônica, mas meu primo tinha Tex, também li alguns.
Nossa eu adorava Tex! Bang bang tenho as edições antigas em casa.
Tudo certo para engolir?
Tá bem melhor, depois dos caninhos tá bem melhor. Sabe que eu acho as histórias antigas bem melhores? Esse último gibi que comprei tá bem menos emocionante.
Depois de falar dos gibis acabamos completando uma página de palavras cruzadas juntos.
Acho que aqui é “rinoceronte”.
 Você é boa nisso.
E com está para ir aos pés?
 Tá bem doutora agora que estou comendo está melhor.
Deixa eu ver aqui acho que é “esverdeado”, isso!
Agora ficou difícil.
Posso examinar o senhor?
Claro. Você gosta mais de palavras cruzadas ou caça palavras?
Palavras cruzadas.
Olha aqui (me apontando a revista) eu adoro também jogo dos 7 erros.
É muito bom.  Respira fundo e solta o ar pela boca.
Sempre vem pouco jogo dos 7 erros nas revistas, eu também gosto.
Dormiu bem?
Sim, tudo tranquilo quero ir para casa, logo vai faltar revista.
Entendo, eu te empresto mais se precisar.
Vai ser ótimo, mas me manda para casa.
Tudo bem, vou ver mas eu não mando nada.

Manda bem nas cruzadinhas doutora. 

Voam abraços,
Mayara


09 março 2016

Mandala [Mayara]


Da série internato

Olá, bom dia! Como estamos?
Indo.
Eu só vim visitar... Te dar um abraço... não estou mais acompanhando o caso.
Mayara, adoro quando você vem me visitar.
O que você tem feito?
Estou cansada do Hospital, mas comecei a pintar para me ajudar a passar a dor. A psiquiatra, não, não é psiquiatra, como é mesmo?
A psicóloga?
Isso. Ela vem me visitar e traz esses desenhos, estou pintando.
Está gostando?
Sim, me ajuda a não pensar na dor. Quer ver minhas pinturas?
Claro.
(Sento na cama para olhar os desenhos)
Esse aqui é bem bonito... Gosto desse também.. Esse eu teria que ter mais cores...
Estão todos lindos!
Esse é mais delicado, tem esse amarelo aqui, eu gostei dele. Esses detalhes...
Ficou muito bonito mesmo.
Esse é para você. Quer?
Claro. Tem certeza?

É como você, leva. 

Voam abraços,
Mayara Floss

10 fevereiro 2016

Incompatibilidade de signos

Orloj - o antigo relógio de Praga

Da série Internato

- Doutora, qual é o seu nome?
- Mayara.
- Nome indígena né?
- Sim, é indígena.
- Doutora, qual é o seu signo?
- Câncer.
- Mas assim a gente tem incompatibilidade.
- Pois é... Qual é o seu?
- Capricórnio, signo de fogo.
- E o seu ascendente?
- Eu acho que é a lua.
- A doutora nem sabe o ascendente. Vocês sabem do corpo, assim, eu quero dizer do funcionamento. Mas do espirito e dos signos a gente sabe.
- Que bom – e um sorriso.
- Você cuida do corpo, e eu cuido do mapa astral, talvez a gente dê certo. Assim né, médico paciente.

- Tudo bem, você alinha os signos, eu alinho o corpo. 
- Assim fica ótimo!


Voam abraços,
Mayara Floss

21 janeiro 2016

Feeling good



Conheci os olhos amarelos dela. O fundo amarelo, o castanho azulado. Ia fazer a nota de internação: usa algum medicamento? Não! Nunca fui ao médico! Mas e quantos anos a senhora tem mesmo? 78 e estufa o peito batendo a mão. Estava amarela “como um canarinho, ela mesma me disse”. Ela ainda dizia: não gosto de hospital, não que não goste de você, mas médicos essas coisas não é para mim não. Tudo bem, eu dizia, não sou a maior fã também. Ríamos juntas. Todos os dias, passou um mês, passaram-se dois. Quando podia, mesmo não estando mais responsável por cuidar ela, ia dar um abraço, um sorriso, uma visita sem a pretensão de examinar. O amarelo não saía. Ela que queria arrumar a casa, passava o natal e o ano novo no hospital. A família toda me conhecia, pedia informações, e muitas vezes um abraço. Quase impossível de fugir da curva de morbi-mortalidade com os diagnósticos, eu ia “só” visitá-la. Contar do meu dia, ouvir alguma história. Nunca existia tempo ruim. Mesmo um dia depois do outro ela ir ficando mais sem ar, de repente não conseguia mais caminhar, os médicos dizendo “manejo”. Dizia que ela era meu canarinho, e ela sorria. Está tudo bem? Eu perguntava e ela sempre me dizia que sim. Ontem ela segurou o meu rosto e me deu um beijo na testa e disse, continue sendo assim. Hoje ela estava sem ar, e ela me olhou segurou a minha mão e disse “tudo bem” entre uma respiração profunda e outra. Deixei a família cuidando, segurando a sua dela. Hora de partir. Nos despedimos. Quando estava no meio do corredor com o coração apertado, volto a um costume antigo de desassossego e começo a assobiar a melodia: “Birds flying high you know how I feel/ Sun in the sky you know how I feel / Reeds drifting on by you know how I feel / Its a new dawn it's a new day its a new life for me / And I'm feeling good (...)”.

Voam abraços,
Mayara Floss

06 janeiro 2016

Natal


Primeiro Natal no hospital, decidi comprar enfeites de Natal de madeira pintadinhos - anjos, papais-noéis no trenó, estrelinhas e sinos - para dar junto com um abraço de Feliz Natal para os pacientes internados. Atéo hospital parece entrar em clima de natal, quando você escuta alguém assobiando "bate o sino" no corredor distante. 

As dores, o telefone, as queixas entram em clima natalino. E por alguns instantes as paredes do hospital ficam menos brancas com os enfeites colados perto do elevador. Decidi vistar cada um dos meus pacientes. Dar um abraço, fazer uma visita que não quer saber quantas vezes o paciente foi ao banheiro, se está sentindo dor ou realizar um exame físico. Fui até os quartos de toca de natal e com uma caixinha com os enfeites. 

Alguns queriam pegar mais de um enfeite, outros tinham vergonha de escolher. Abracei a paciente que toda a equipe reclamava conhecida como "pouco colaborativa", "chata" e outros adjetivos - ela chorou e me abraçou. Um abraço desses demorados. Eu disse: "Dessa vez não quero pedir nada, só quero desejar um Feliz Natal". A mãe pediu um enfeite para o filho que não pode passar o natal com ela. O senhor que não tinha acompanhante fechou na palma da mão com força o enfeite de natal e com os olhos cheios de água disse: "essa médica é humana". Complementou dizendo que iria pendurar o enfeite no caminhão dele: "vai viajar comigo". Um senhor colocou os óculos e disse: "quero este Papai Noel de trenó". Outra escolheu os cavalos para lembrar da "campanha". O paciente com falta de ar escolheu um anjo para poder fazer ele voar. Outro paciente que não pode falar, "falou" gesticulando e com os olhos cheios de água que eu dei o único abraço de natal dele neste ano. Olhos cheios de água, natais menos solitários, abraços. 

Os meus olhos eram fios que me ligavam a aquelas histórias. Um familiar me disse: "hoje você foi nossa família" e também me abraçou.  O silêncio da escadaria me deu uma brecha para respirar enquanto lembrava da paciente que pendurou os enfeites de natal no suporte de soro: "está é minha árvore de natal". 

Voam abraços,
Mayara

03 julho 2015

CONTANDO HISTÓRIA (EM SALA DE AULA E NA VIDA REAL)

Ernande Valentin do Prado

Para meu amigo "Bene", exímio contador de histórias.

Conscientemente nunca quis ser professor, (achava que não teria paciência) talvez porque nunca tenha sido um bom aluno. Lembro como se fosse hoje o dia em que a Professora, ainda na primeira semana do curso, disse que o Enfermeiro não podia se envolver com os “pacientes”. Lembro também da minha reação de indignação, de desconfiança dos “saberes” daquela professora.
- Se não for para se envolver não vale a pena.
Carlos Brandão disse, em um dos livros lindos que escreveu, que só se conhece de fato alguma coisa da vida da sociedade com algum grau de envolvimento. No filme O nome do cuidado, o personagem principal diz que só se cuida de quem se conhece. Digo que só se faz o trabalho da Enfermagem, que é cuidar, com envolvimento entre o ser que cuida e o que é cuidado, que de fato são as mesmas pessoas, basta olhar sem desconfiança.
Nunca consegui aprender muitas das coisas que tentaram me ensinar na faculdade, e quando digo isso não estou me referindo apenas a bioestatística ou a regular um respirador no leito da UTI.
Por uma dessas coisas da vida acabei sendo professor. Isso aconteceu quando fui demitido de meu emprego em Rio Negro, Mato Grosso do Sul (que adorava). Minha indignação foi tão grande por ser substituído pela sobrinha do prefeito (A revolta foi com ele, não com ela. Fui demitido principalmente por não ter feito campanha pela reeleição), que jurei nunca mais trabalhar novamente com vínculo precário. Sai do Mato grosso do Sul e fui para cidade de Paripiranga, Bahia, com vínculo CLT (antes dei uma parada na cidade de Pedro Gomes, norte do estado). Trabalhei por quatro anos na graduação em Enfermagem de uma Instituição de Ensino Superior (IES) particular e um ano na Universidade Federal de Sergipe, campus de Lagarto, mas não consegui manter-me apenas em sala de aula. A prática, a vivencia, a vontade de ser Enfermeiro foi tão grande que acabei voltando atrás em minha promessa.
Entre as várias experiências em sala de aula, conto uma (entre várias que tentei para explicar o que é, como se faz e qual a diferença entre promoção de saúde e prevenção e doenças). Ela foi muito significativa pelo fato de que quando aconteceu não percebi de fato o que queria dizer e isso porque não foi planejada. Estava substituir uma colega em sua disciplina. Ela deixou tudo preparado: o objetivo era a construção de um projeto para enfrentamento de problemas ligado a hipertensão. As disciplinas envolvidas: Atenção Primária à Saúde e Processos Pedagógicos.
Iniciamos discutindo a intenção do projeto que deveria ser construído. O primeiro problema: o projeto deveria ser de promoção de saúde ou de prevenção de doenças?
A maioria dos profissionais não conseguem perceber a diferença entre promoção de saúde e prevenção de doenças, pensam a promoção como sendo parte da prevenção, como descrito por Leavell & Clark (em outro século). Não percebem, geralmente, a sutileza entre prevenir uma doença e promover saúde.
Para tentar explicar, de forma rápida a diferença entre Promover saúde e prevenir doenças, pois este não era exatamente o foco da discussão, recorri a uma vivência na cidade de Pedro Gomes, onde trabalhei uns três meses, mas onde vivi coisas muito fortes.
Estava há pouco tempo na equipe. Uma Agente Comunitária de Saúde (vamos chama-la de Ana[i]), disse que tinha um senhor em sua área que exigia cuidados. Era muito séria a questão, enfatizou ela. O senhor Edmundo[ii] tinha uma ferida no pé esquerdo. Fazia muito tempo e não fechava. Segundo Ana, porque ele não seguia as orientações da Enfermeira, do Médico e nem as dela. O senhor Edmundo fumava e bebia e isso explicava porque a ferida não fechava, por mais que ela lhe vigiasse. Além disso, ele tinha hipertensão e diabetes.
Ana sentia-se responsável por fechar aquela ferida e por não conseguir modificar o comportamento de Seu Edmundo, culpava-se. Um dia fomos visita-lo. Ele morava perto da unidade de saúde. Era magrinho, falante e hospitaleiro. A casa tinha pouco mais de quatro ou cinco metros quadrados. Não havia forro, banheiro ou cozinha. Era apenas um cômodo, sem água encanada e sem móveis, além da cama. O único luxo: eletricidade, que usada para acender uma lâmpada diretamente no bocal. As necessidades fisiológicas eram realizadas em um balde e depois jogadas em uma fossa no fundo do quintal.
Seu Edmundo tinha 86 anos. Nenhum parente vivo no mundo. Sem profissão e sem aposentadoria. Vivia de assistência social e de juntar lavagem que entregava para criadores de porcos. Sua única “estripulia”, contou com vergonha, era fumar um cachimbo no fim do dia e tomar uma cachacinha nos fins de semana.
A ferida no pé nem era tão feia assim. Na verdade, naquele dia não passava de uma descamação superficial, úmida e rosada.
Fiquei ali (pareceu muito tempo) sentado em um toco de arvore conversando com Seu Edmundo e pensando em que poderia realmente ajudar aquele homem. O mais certo era que quase nada podia para realmente melhorar a vida dele (promover saúde).
Antes de ir lhe perguntei:
- O posto está lhe ajudando em alguma coisa, Seu Edmundo?
Ele respondeu que sim, que Ana lhe visitava todo mês, que conversava com ele e ainda podia pegar curativos e as medicações de pressão e diabetes.
- O que o senhor acha que a gente pode fazer mais, Seu Edmundo?
Ele olhou para o alto, como se tentasse enxergar uma lembrança qualquer dentro da cabeça, depois lentamente olhou para mim e disse:
- Não sei, acho que tá bom.
Fomos embora e Ana questionou por que não tinha falado nada do cigarro e da cachaça. Pensei, sem falar nada: você não percebeu? E disse apenas:
- Será que proibir Seu Edmundo de fumar e beber vai melhorar a vida dele?
Ela ficou pensando! Caminhamos metade do caminho até a unidade de saúde em silencia. Pouco antes de chegar, inconformada, disse:
- Mas alguma coisa a gente tem que fazer.
- Mas o que podemos fazer para ajudar de verdade?
Ela não soube responder. Ficou em silencia o resto do caminho. Mas ainda disse, visivelmente contrariada:
- Não pode ser assim, não aceito que nada podemos fazer.
Concordo contigo, disse eu, só que ainda não sei o que podemos fazer. O que sei é que proibi-lo de fumar ou convencê-lo a parar por conta própria não vai melhorar em nada a vida dele. Acho até que pode piorar. (Nem só de pão vive o homem, pensei, mas não provoquei).
Ana disse que conhecia uma pessoa que talvez pudesse nos ajudar a ao menos construir um banheiro na casa de Seu Edmundo.
- Então vamos procurar essa pessoa logo. Enquanto isso não deixe de visita-lo, de conversar, pedir que lave os pés e que venha à unidade de saúde sempre que quiser.
Acredito que essa história exemplificou um pouco do que entendo ser a diferença entre promover saúde e prevenir doenças. Não sei se ficou claro para os estudantes, mas já havia explicado de outras formas e também não funcionou para todos. Promoção de saúde é um destes conceitos difíceis de ser entendidos e principalmente praticados, pois não diz respeito exatamente ao que se faz, mas como faz, quando, com qual intencionalidade e, (neste caso), pelo que se deixa de fazer.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



[i] Nome fictício, mas situação real.

[ii] Nome fictício, mas situação real.

08 abril 2015

Novena

 
Quando eu estava no auge dos meus nove para dez anos, minha avó decidiu me explicar sobre a novena. Afinal, ela ficava à noite rezando e ninguém podia interrompê-la. Silêncio absoluto e eu ficava sentada no sofá vermelho com flores pretas e brancas com cheiro de casa de vó assistindo. Então ela me sentou na sala e explicou sobre a novena das três Ave-Marias, como rezar o terço – bolinhas grandes, bolinhas pequenas.

Nunca fui boa em decorar as orações. Trocava a ordem do credo e no Santo Anjo eu criava minhas próprias palavras porque não entendia o que eles estavam falando. Mas minha avó falou do poder da novena, nove dias rezando, vários Pai-Nossos e várias Ave-Marias – ajoelhada no chão que era importante o sofrimento! Eu ouvi com muita atenção e ela falou que se eu desejasse com muita fé, mas muita fé, iria se realizar. Seu eu orasse com todo o meu coração e devoção, toda a minha fé de nove anos de idade eu iria ter meus desejos atendidos.

Então ela anotou em um papel a novena e explicou que até gente muito doente tinha se curado com a novena, que quem estava mal na escola tinha passado de ano, entre tantos outros milagres. Eu fiquei maravilhada com o poder de rezar. Ela me explicou que eu poderia fazer três desejos como: passar de ano, tirar uma boa nota, entre outros. Mas em geral eu era uma boa aluna, não tinha ninguém doente em casa, parecia que tudo ia bem. E a advertência era clara: “não podia contar para ninguém o que eu tinha desejado. Se não, não acontecia”.

Então fiz meus três desejos por ordem de importância, os dois menos importantes eu não lembro. Mas o mais importante de todos eu lembro! Rezei por 9 dias ajoelhada no chão com a minha avó, e alguns dias sozinha no meu quarto, com toda a fé do meu coração, ficava ajoelhada até os meus joelhos ficarem vermelhos e com a marca do assoalho do chão, considerei até jogar milho no chão como tinha visto na novela. Mas achei que minha fé era boa para não precisar, porque perguntei para a minha avó e ela disse que rezar com milho no chão  era só para quem tinha feito algo muito ruim.

O meu desejo, acho que agora posso revelar sem medo se vai acontecer ou não, era, pasmem, que os Pokémons existissem!  Rezei com toda a minha fé de 9 para 10 anos de idade para que eu acordasse depois dos nove dias de reza intensa e encontrasse as pokebolas no meu quarto, ou para que o Professor Carvalho (personagem do desenho Pokémon) me enviasse uma mensagem e eu tivesse que escolher entre uma das criaturinhas para começar a minha jornada de treinadora de Pokémon.

Não preciso contar a minha decepção ao acordar depois dos nove dias e ficar esperando os Pokémons aparecerem. Já estava imaginando como seria na escola, eu não ia contar para ninguém, mas saberia que eu que tinha trazido os Pokémons para o mundo. Já tinha até um plano B se o professor Carvalho não me chamasse para ser uma treinadora, eu iria capturar um Pokémon selvagem!  Esperei para encontrar a minha avó e pedi para ela quando que o desejo acontecia, ela disse que “às vezes toma tempo” e advertiu que era preciso muita fé. Fiquei decepcionada e perplexa com a minha fé assistindo jornal e esperando que a manchete na televisão dissesse que os Pokémons eram de verdade e que estava recrutando novas crianças para treinar. 

Depois eu quis as corujas do Harry Potter, ou um armário para Nárnia e até fiquei sabendo que teve criança que desejou raio lazer verde como um dos três desejos da pulseira que arrebenta com o tempo do Padre Cícero. O tempo passou, não tive a minha Pokeagenda, mas sentei e tive uma conversa muito séria com um garoto que entrou com um boné do personagem principal do Pokémon. Não precisei nem de um segundo para reconhecer e perguntar para ele onde estavam as pokébolas, entre exame físico e conversas com o pai discutimos sobre qual Pokémon ele escolheria para iniciar a vida de treinador Pokémon, quais ele captaria e como cuidaria deles. Ele sorriu e até ficou um pouco melhor da amigdalite.

"Pelo mundo viajarei tentando encontrar. Um Pokémon e com o seu poder tudo transformar..."

Voam abraços,

Mayara Floss

03 outubro 2014

ACEITAR NÃO É (NECESSARIAMENTE) CONCORDAR [Ernande Valentin do Prado]

Ernande Valentin do Prado

Marcelo era machista, metido a garanhão e tratava as mulheres como objeto. Costumava dar notas para cada uma segundo seus atributos físicos.
Beto não concordava com nenhuma de minhas propostas nas reuniões do grêmio escolar. Costumávamos quebrar o pau nas reuniões, quando lhe dizia que não adiantava puxar o saco dos professores.
Orlando era populista (além de mulherengo). Na rua mexia com todas as mulheres, o que me obrigava a andar do outro lado da calçada. Nos debates no diretório municipal do Partido dos Trabalhadores (PT), sempre concordava com os argumentos de todas as posições.
Paulo era erudito, tinha memória fotográfica, sempre sabia mais do que os professores e via na literatura um valor supremo e um fim em si mesma.
Adilson sempre via uma razão divina para os acontecimentos terrestres e orava por mim em sua igreja. No meu primeiro emprego foi me visitar. Passou mais de 18 horas no ônibus e encarou 40 graus de temperatura. Na época nem geladeira tinha na minha casa.
Altair ia para aula com camiseta rasgada do Iron Maiden. Comia mais do que todo mundo e era mais magro que todos.
Adriano sempre deixava comida no prato, nos restaurantes onde a gente dividia a mesa. Quando pegava em um microfone não parava de falar.
Ademar era o sujeito mais completo que eu conheci. Sempre apontava contradições no meu discurso. É um dos padrinhos de Alice.
Ronaldo descobriu que adora ser Policial Militar (PM). É outro padrinho de Alice.
Junior era humilde demais, generoso demais, solidário demais. E às vezes também era debochado e irônico demais. É o terceiro padrinho de Alice.
Herivelton não discutia, contava histórias e ia ao “bailão gauchesco” três vezes na semana.
Mirian usava roupas que me deixava constrangido.
Adalberto mentia de forma descarada. Apesar de diplomado em Universidade Federal, não sabia escrever um bilhete com coerência.
Helena achava Florence uma heroína que só tinha virtudes, mesmo tendo ajudado o império Inglês a legitimar a guerra.
Sirley me ligava tarde da noite em casa sem motivo nenhum, a não ser para saber onde eu estava.
Cecília queria ganhar muito dinheiro para comprar tudo que tivesse vontade. Seu maior sonho era arrumar um marido rico para lhe sustentar.
Paula achava o cúmulo do ridículo a professora não conseguir pronunciar o plural nas frases ou errar a concordância verbal. Ficava zombando, desqualificando e ignorando todas as outras qualidades que a professora tinha.
Luciana ia de carro importado para a aula. Chegava sempre atrasada. Tinha apartamento no centro de Curitiba, duas empregadas e na escola nunca entregava um trabalho dentro do prazo.
Gustavo chegava atrasado a todos os plantões.
Maria não podia ver trabalho que se escondia.
Fábio tentou me contratar para fazer uma monografia sobre saúde do trabalhador para ele.
Mário só assistia filmes de ação e achava Deus e o Diabo na terra do sol um filme idiota e mal feito.
Eduardo achava que as músicas que eu escutava eram de mau gosto ou bregas.
Soraya achava que todos os homens eram iguais e não prestavam.
Fabiola era filha da orientadora pedagógica da escola. Não notava que eu era apaixonado por ela, mas dançava comigo nos bailinhos da quarta série na escola Roberto Brezenzinsk em Campina da Lagoa. Hoje é reporter da TV globo no Paraná.
Barbara gostava de cheirar cola, mas já havia experimentado cocaína, maconha e crack.
Seiko era muito organizada e metódica.
Tamara queria sempre levar vantagem em tudo e sobre todos.
Sheila queria escolher as camisas que eu deveria usar.
Marcia era uma gênia, mas nunca soube ganhar dinheiro.
Seu José sempre defendia os capitalistas, fazendeiros e políticos de direita.
Cristiane era possessiva. Não tolerava disputar minha atenção com outras pessoas.
Guilherme batia na namorada, algumas vezes apanhava também.
Toninho vivia me dizendo para fazer faculdade e se desesperava com meu descaso intelectual.
Ednei (todo sábado) me convidava para tomar cerveja, comer batata frita com queijo e falar mal da Sirley, de Jaime ou de qualquer outra pessoa.
Marilus fumava demais e jogava fumaça na minha cara.
Gilmar dizia que só idiotas gostavam de Mamonas Assassinas, mas ouvia escondido em casa.
Rafael ficava com o cabeço em pé cada vez que eu dizia as minhas verdades.  
Jaldemir tolerou-me enquanto pôde e despediu-se sem mágoas. 
A minha convivência com todos eles foi boa e duradoura. Acredito que porque nunca tive que me anular, nunca tive que deixar de ser eu mesmo ou concordar com todas as ideias diferentes deles e eles com as minhas.

Alguns nomes (mas nem todos) foram alterados para evitar identificar pessoas vivas.
           
                                     [Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 todas às 6tas]




25 março 2014

Lá...


Lá onde a luz brilha,
Lá onde o amor vai
nós achamos a trilha
de uma estrela que cai.
— A Turma do Balão Mágico

    Um dia nos planejamos para o batizado, o aniversário, a primeira comunhão, a formatura, o noivado, o casamento, o chá de panela, a despedida de solteiro, o primeiro dia de aula, o último dia do ano, o velório, a missa... Planos de tempos esperados, desejados, festejados ou sofridos, temidos... Histórias que nossos pais e os pais de nossos pais escreveram e registraram em fotos que enfeitam as paredes, os álbuns, os baús de memórias de família.

    De todos os planos, todos os encontros, a nossa necessidade ancestral do rito. Algo que marque nossa passagem, tal qual um portal que nos atravessa para um outro mundo: o mundo dos adultos, dos formados, dos casados e dos órfãos... Em uma série de atos que, geralmente têm uma ordem estabelecida, uma sequência lógica, nós nos despedimos de um momento e inauguramos outro.

    Mas de toda essa vida de esperas e planos, há o real da vida vivida sem estreias com data marcada. Sim, em um dia não riscado com um círculo vermelho em volta, damos um passo a mais, um sorriso a menos, uma palavra nova ou antiga dita de outro jeito, um desejo que não contemos e pronto, nos tornamos alguém que não éramos antes. Nem sempre percebemos. Não há ritual claro, não há aviso, não há vestido novo, nem valsa especial, não há hino ou hastear de bandeira, nem cortar de fitas ou troca de alianças... Simplesmente vamos, somos, nos tornamos e seguimos vida afora, sonhando com um dia novo.

    É verdade que todos os dias, em todos os encontros e desencontros, em todas as palavras e silêncios, há a chance de inaugurarmos e estrearmos, mas falo de coisas mais profundas, dessas que deixam marcas, dessas que deixam cores, cheiros, que deixam raízes onde nos sustentamos e nos alimentamos. Coisas que nos refazem, que ressignificam nossa história e que, de alguma forma até, acredito, mudam a rotação do mundo, a translação, a lua, as estações do ano e as marés. Coisas encantadas.

    Tenho prestado atenção nessas estreias sem aviso. Nessas passagens sem festa. E ainda, afirmo que, mesmo sem perceber, de forma tênue, mas muito especial e concreta, esses momentos têm sim, uma espécie de ritual mágico, escondido, tímido, quase uma névoa, uma neblina no dia claro. Tipo aquelas gotinhas de nada que se escondem no nevoeiro da primeira hora da manhã. Pois está lá, bem lá... E mais! Pode ser mais importante, mais revolucionária, mais significativa que qualquer corte de fita, qualquer assinatura de certidão, qualquer marcha nupcial ou soco no ar ao segurar o diploma. Porque o momento não é percebido no durante como todos esses outros. Ele é percebido depois. E nessa percepção é que nos dizemos em silêncio: “foi lá...”

    Que nem a musiquinha do Balão Mágico que fez parte da minha infância: “lá onde a luz brilha”. Sim, lá onde uma luz brilhou e, nem sempre percebemos. Lá achamos a trilha pra estrela que caiu, o sol que nasceu, para a chuva repentina, para o dia que mudou, para nós mesmos que nos tornamos outros, renascemos, descobrimos...

    15 anos faço de formada em julho. Desde o primeiro semestre a turma se preparava para a formatura. Festas, bingos, planos, reuniões, estratégias de conseguir dinheiro. Depois, empresas, fotos, convites, clube, baile, cerimonial, discursos, oradores, homenageados, músicas, entrada triunfal, togas, diplomas. Tudo sonhado em 6 anos e durou menos que 6 horas. Mas vale e valeu muito: lágrimas, orgulho, gratidão, alegria, sensação de alívio, liberdade e dever cumprido. Mas tenho certeza de que o momento em que a luz brilhou, o momento da minha festa de formatura foi antes, bem antes...

    Era o ano de 1998 e fui para Anguera, sertão baiano, pelo Programa Universidade Solidária. Algo semelhante ao antigo Projeto Rondon: estudantes de diversas áreas atuando em regiões vulneráveis, trocando, aprendendo e ensinando. Meu grupo passou um mês vivendo na pequena cidade. Dias intensos de descobertas, momentos de muita angústia e muita esperança, muita indignação e muita luta. Os dias e noites, todas, passaram tão rápido e tão densos que chegamos ao fim com a surpresa e o cansaço dos que correm, correm, correm e nem sabem para onde. E nem sabíamos mesmo que caminhávamos para uma maturidade e uma experiência que valia por semestres e semestres de salas de aula, laboratórios e provas finais...

    Em Anguera, fizemos um grupo de gestantes e nos mobilizamos, junto com a comunidade, para garantir a assistência pré-natal. Foi uma briga boa. Fiz muitos atendimentos, muitas visitas, muitos grupos de educação em saúde nos lugares mais diversos e até, debaixo de uma mangueira. Um dia, chegamos em uma escola para fazer um grupo e, juntos, nosso grupo e moradores, varremos a sala e limpamos as cadeiras. Descobri uma outra medicina e, naquelas tardes quentes do sertão, naquelas noites enluaradas de festas nas ruas, com as crianças e adolescentes, entendi que seguiria pelo caminho da medicina preventiva e social.

    Na última noite em que passamos em Anguera, a comunidade liderada pelas meninas da Pastoral da Criança organizaram uma serenata de despedida. Na madrugada fomos todos acordados por canções de adeus e agradecimento. Todos fomos chamados pelos nomes e recebemos rosas. O sol foi nascendo e a manhã do dia seguinte, o dia da nossa partida, foi chegando devagarinho, enquanto o forró tocava na calçada, na rua e a gente dançava, todos, tudo junto e misturado... Era fim e era começo...

    Foi lá...

    Lá onde a luz brilha, brilhou... Onde comecei a me tornar a médica que sou hoje. Onde achei a trilha de muitas estrelas que passaram e passam na minha vida. A minha foto junto com as meninas da pastoral, as meninas que me acompanharam em grupos e lutas, festas e orações é a foto da minha formatura. A serenata feita por elas foi a minha música de entrada. A rosa que me deram, foi meu diploma. Mais de um ano antes de me formar oficialmente, dancei a minha valsa de formatura: forró, com o sol nascendo e a alma e o coração recém aprendendo a juntar estrelas. Saindo da meninice da universidade e virando médica, de pés descalços na rua amanhecida e encantada de Anguera.



[Maria Amélia Mano publica na Rua Balsa das 10 às 3as-feiras]

19 fevereiro 2014

Quando eu desacreditei na medicina...

     Sim, isso aconteceu. No auge dos meus 15 anos, uma época reconhecidamente difícil para em geral todas as pessoas. Eu iniciei com uns vulgo “calombos” nos meus braços sem explicação aparente (afora o fato de eu tocar violão e guitarra umas cinco ou seis horas por dia além do colégio). Fui no médico e ele disse “nada de tocar violão por 20 dias”. Obedeci. Os “caroços” que insistentemente eu apertava para tentar fazer voltar para o lugar de onde vieram começaram no braço direito. E bem 20 dias aumentaram a dor e não alteraram nada o quadro inicial, mais repouso para a adolescente.

    Depois de alguns meses repousando muito e tentando fazer alongamentos, começou a fisioterapia, calor local, fortalecimento. Tudo parecia piorar, e eu que tentei inverter as cordas do violão para tocá-lo “virado” e parar de lesionar a mão direita logo desenvolvi o mesmo problema na mão esquerda. Começaram os exames: raios-x, ressonâncias, ultrassons, marcadores. Até uma conclusão insatisfeita do meu médico de que “isso aí é raro: bruxaria”. Começaram os medicamentos, doses cavalares para dor, pílulas, antidepressivos e tudo que poderia descer pela minha garganta. Eu não gostava do médico não lembrar do meu nome, ter que ler o prontuário toda a vez, não examinar meus “calombos”, e pior ser “a menina sem solução” com um olhar com um misto de pena e curiosidade. Não foi um, foram vários. Meus marcadores eram surpreendente sempre bons, negativos – as notícias eram desanimadoras, minha adolescência era desanimadora. Além da dor de ter que parar de tanger as cordas do violão.

Comprimidos. Fonte: Google imagens

    Foi mais ou menos um ano assim, de médico em médico, especialista para super-especialista, psicólogo, fisioterapeuta, hospital, laboratório, punções, e de volta para o especialista. Esgotada depois de um ano tomando e seguindo os repousos, exercícios e o que podia fazer cheguei em casa e falei: “não vou mais tomar remédio nenhum”. Cansei, suspendi sozinha tudo. Era melhor suportar a dor do que os efeitos colaterais dos remédios e dos tratamentos. Meu pragmatismo médico acabou ali. Desacreditei. Decidi tomar as rédeas do meu tratamento.

    E parti para uma nova jornada da minha vida e tratamento: seguir o que as pessoas me diziam. Primeiro fui me benzer, porque já que era “bruxaria” deveria tentar resolver isso. Fui em um benzedor, uma benzedeira, outro benzedor. Perdi a conta, mas me benzi, retornei, me benzi de novo. Tinha mudado a política de cuidado, iria tentar tudo e tudo iria me tentar. Fiz regressão, hipnose, e tomei passes. Terapia holística, cromoterapia, aromaterapia, acupuntura. Fui em um padre que dava “gotinhas”. Fiz tratamento espiritual, cirurgia espiritual, a procura do que a minha alma precisava. Tomei centenas de banhos de sal grosso e com outras ervas. Parei de comer carne, glúten, e até por um tempo tomei cinco litros de água por dia.

    Acredito que o mais difícil de todos foi tomar babosa por seis meses todos os dias, todas as manhãs. Usava suco de laranja para amenizar. Fiz homeopatia. Fui em muitos massagistas, fiz alongamento, parei de fazer alongamento. Tomei chás, de todos os tipos. Usei arnica, erva de baleeira, e misturas que me deram ou eu comprei. Li livros. Fiz, refiz e desfiz amizades. Lavei a minha alma chorando. Estudei anatomia, filosofia, antropologia, meditação. Chegou um tempo em que me perdi, não sabia mais no que acreditar. Mas me (re)construí, abri a minha mente. Estava constantemente acompanhada pela dor. Parei de tocar e comecei a escrever – minha alma inquieta não aguentava o silêncio das cordas, procurei amparo nas palavras.
A famosa babosa. Fonte: Google imagens


    Segui visitando os médicos, não tão certa. A medicina não me dava respostas, mas como em tudo que estava acreditando segui na crença em mim. Propostas de cirurgias, novos medicamentos, novos exames, novos diagnósticos para meu corpo cansado de dezesseis-dezessete anos. Mas com o tempo fui me modificando, encontrando os pontos de equilíbrio. Descobri que a acupuntura me fazia bem, que a meditação me ajudava a controlar a dor. E não tão contente e nem tão descontente fui me conhecendo, buscando a minha alma, crescendo. Equilibrando.

    Fui reconhecendo o que de fato me cuidava e me aproximei mais. Já com dezenove anos, depois de muito rodar voltei a tocar violão, e para fazer “um movimento diferente com os dedos” comecei a tocar bateria. Já sabia que não poderia seguir na carreira musical (aquela velha história: você pensa que sai da música, mas a música nunca sai de você), desenvolvi mais a minha escrita. E (re)construí no meio da minha descrença a vontade de cursar medicina. Reconstruí porque era sonho antigo, desses que ficam guardados da infância. Descobri antes de entrar na faculdade que queria abraçar meus pacientes, reformular o que eu passei, conhecer eles além da anamnese. Saber os nomes, conhecer as histórias e saber que a medicina por si só era limitada.

    O diagnóstico mesmo, veio muito tempo depois quando já estava na faculdade de medicina. Hoje não digo que desacreditei na medicina, mas passar por essa miscelânea de vivências me fez acreditar em outros cuidados que vão além dela.

[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 às 4as-feiras]

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