"É feia. Mas é uma flor. Furou o branco, o tédio, o nojo e o ódio." - Carlos Drummond de Andrade
Presa à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pelo corredor cinzento.
Melancolias, protocolos, histórias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio de punho:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o médico pobre
fundem-se no mesmo impasse
Em vão me tento explicar, os colegas são surdos.
Sob a pele das palavras há manejos e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a medicina.
Vinte e seis anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma prescrição seguida nem engolida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam o receituário
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Farmacêuticas da terra, como perdoá-las?
Tomei parte em muitos, outras escondi.
Alguns achei interessantes, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam (ou não) a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
As ferozes metforminas do mal.
As ferozes bombinhas do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
À menina de 2000 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor na medicina!
Passem de longe, professores, colegas, burocratas.
Uma flor ainda desbotada
ilude o corpo docente, rompe o branco.
Façam completo silêncio, paralisem a secretaria,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão do saguão da universidade às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado da atlética, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos na entrada, medicina em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o branco, o tédio, o nojo e o ódio.