Mostrando postagens com marcador poesia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador poesia. Mostrar todas as postagens

24 abril 2020

SOU UM SONHO

Tatuagem de parede, Recife, 2019.

Ernande Valentin do Prado
Quando acordou
lembrou-se 
do sonho

De novo
foi o mesmo

Na rua
viu brevemente
o suficiente
para
sentir
uma
pontada
no
coração

Durante o dia
Ficou relembrando
Cada detalhe

Incluiu
por conta própria
novos detalhes não sonhados

Para preencher lacunas
para dar sentido

Um olhar
um sorriso
um aceno

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

16 outubro 2019

(im)paciente

Fashion Link: Vadis Turner
Quadro em fita de Vadis Turner


Nesse tecido que sai da tua boca
Na pele das palavras
Eu toco, afundo, mergulho
Escuto com o estômago
Desço até dentro de mim
E depois começo a nadar
a remar, 
puxo o ar
Às vezes não chego na superfície
Fico submersa
Amarrada na lã da história
Nem desisto, nem prossigo
Apenas procuro fôlego
Às vezes não encontro nem ar.
Nem resposta. Permaneço.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

29 dezembro 2018

ESPERANÇANDO SEM PEIA

Imagem capturada na internet. 2018.


Estela Marcia Rondina Scandola



O esperançar é de caminhantes
De corpos históricos que esperanceiam
Esculpidos nos trieiros que fizeram caminhos difíceis e compridos
O esperançamento  caminha
Sem esperar a aurora
É das noites escuras o apurar dos sons, cheiros e tateios
É das noites claro-escuras que se afinam o olhar que vê
E das noites claras, em sonhos lindos, que o cuidado urge e se mantém
Os caminhos esperantes e os desenhados fizemos até agora
Estão nos espíritos memóricos
Que vão se enteiando, bordando, rendando... tecendo o viver
Nesse borramento  entre um ano e outro
Todas as possibilidades de (con)viver estão no solo feito barro
E a esperança caminhada, caminhante seguirá
A chegada à vista está no horizonte
Metamorfoseada de cores e formas
Os escreventes e os delirantes musicais nos embalam
Na dança que enlaça todos que não esperam
E seguem esperançando,
Com dores que vem dos ares frios do viver em tempestades,
Alegria solta das certezas de estar do lado que vive a liberdade
Dos nossos subires de cachoeira em piracema
Sem peia no esperançar.

EMRS, 20 de dezembro de 2018.

Convidados publicam no Rua Balsa das 10 aos sábados e domingos

02 junho 2017

TRILOGIA DA DESPEDIDA

Imagem capturada na internet, 2017.

Ernande Valentin do Prado

O fim

Você pode me sentir?
Perguntou ele
desta vez já sem forças

Depois calou-se
só por um instante
para ouvi ela dizer

eu posso te sentir
como sempre
como sempre senti

Ela percebeu
que desta vez
ele estava diferente

e que poderiam se perder de vez
e para isso
se perder de vez

não estava preparada
Será que algum dia estaria?
Não deu tempo de se perguntar

Quando o fim começa
de verdade
é muito difícil parar

Eu não sei mais o que devo fazer
Enfim disse ele
finalmente entendendo

Ela respondeu
sem pensar no efeito de suas palavras
não faça nada

Nada
Nada mesmo
nada

Mais de vinte anos se passaram
até que um deles falasse
(de novo)

Morro
todo dia
de saudades da gente

Acaba assim

Deixamos
enfim
o que sentimos

um
pelo
outro

se afundar
num mar de mágoas
de esquecimentos?

No último minuto

Não faço nada?
Não.
Não faça nada

E deixou tudo se apagar?
se perder
num mar de esquecimentos?

É
é
é?

Você vai esquecer
seguir sua vida
apagar nós dois?

É.
É o melhor a fazer
não é?

Você sabe
não consigo esquecer
Você sabe

Cada palavra
cada coisa dita
cada coisa que fizemos

Deus
do
céu

cada foto
cada fragmento
cada orgasmo

Tudo vai ficar gravado
Martelando no tempo
tá tá tá

martelando
martelando
martelando

até perceber o erro
até perceber que isso
o nosso amor

(talvez)
não tenha fim
jamais

Não sei mais o que dizer
Então é melhor não dizer nada

Sabe que te amo?
Sei.
Sabe?

Mas sei também
que agora
isso não ajuda  

Sabe que dizendo isso
que me ama
só piora a situação?

Sei.
Sei sim.
Mas quem disse que quero facilitar?

Não
não mesmo
Não vou facilitar

Não vou te esquecer
Jamais
mesmo com o tempo

Você já me esqueceu outras vezes
Sabe disso
Não sabe?

Vai negar
sei que sempre nega
mas sabe.

Sempre soube quem sou eu
(é verdade)
mas nem sempre lembra do que vivemos juntos

Vai esquecer de novo
não vai se lembrar que rimos juntos
que choramos juntos

que conversamos sobre as dificuldades dessa vida
muitas vezes
repetidas vezes

Será que vai se lembrar
da mesa
do sofá
da cama
do banco da praça
das sombras das arvores
das promessas que fizemos de juras eternas de amor eterno

Tudo
Tudo vai se perder
como lágrimas na chuva

Eu falo demais
desculpe
Quer dizer alguma coisa?

Sim
você fala demais
mas adoro te ouvir falar

Não estou sabendo viver
Eu sei (que você sabe)
que não estou sabendo viver assim

Tenho medo
medo
medo

Eu
xiiiiiii
minha vez

Tenha
paciência
comigo


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

08 março 2017

A Flor e a Náusea

"É feia. Mas é uma flor. Furou o branco, o tédio, o nojo e o ódio." - Carlos Drummond de Andrade

 Presa à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pelo corredor cinzento.
Melancolias, protocolos, histórias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio de punho:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o médico pobre
fundem-se no mesmo impasse

Em vão me tento explicar, os colegas são surdos.
Sob a pele das palavras há manejos e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar este tédio sobre a medicina.

Vinte e seis anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma prescrição seguida nem engolida.
Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam o receituário
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Farmacêuticas da terra, como perdoá-las?
Tomei parte em muitos, outras escondi.

Alguns achei interessantes, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam (ou não) a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
As ferozes metforminas do mal.
As ferozes bombinhas do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
À menina de 2000 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor na medicina!
Passem de longe, professores, colegas, burocratas.
Uma flor ainda desbotada
ilude o corpo docente, rompe o branco.
Façam completo silêncio, paralisem a secretaria,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão do saguão da universidade às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado da atlética, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos na entrada, medicina em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o branco, o tédio, o nojo e o ódio.

21 dezembro 2016

Competência cultural




Dizem que certo dia
O paciente entrou
Com uma mala no consultório
O médico puxou também sua valise
Bem em cima da mesa
Cada um tirou um pouquinho
Meias, calças, cuecas, calcinhas,
Camisas, camisetas, shorts
Sandálias, havaianas, sapatos
O que o sr. acha desse par de meias?
E o que você acha dessas luvas?
Ou melhor e esse vestido?
E assim, trocando as peças
Seguiu a consulta
Cada um com um pouquinho
De sabedoria e aprendizado
Fecharam o zíper das suas bagagens
E guardaram até a próxima viagem.

Mayara Floss

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog