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Imagem captada via Google. |
Ernande Valentin do
Prado
“Eu despedi o meu patrão
Desde o meu primeiro emprego
...
Ele roubava o que eu mais valia
e eu não gosto de ladrão”.
Zeca Baleiro
Verdade,
meu amigo, existem patrões (que parecem) bons, como você diz. Dignos, que pensam
fazer tudo que podem para ajudar o seu empregado. No entanto a função “patrão”
não é digna. É uma falácia dizer que o empregado precisa do patrão mais do que
este do empregado, como os empresários gostam de encher a boca.
Imagina,
por mais absurdo e irreal que lhe pareça: se hoje todos os trabalhadores do
mundo, com ou sem carteira de trabalho, com remuneração que dá para sobreviver
ou não, resolvessem cruzar os braços (inclusive as forças militares que
poderiam acorrentar e obrigar os empregados a continuar produzindo para os
proprietários dos meios de produção), o que aconteceria?
Uma
greve impensável, com adesão de todos e todas que não são proprietários dos
meios, nem das terras produtivas, causaria o que na economia mundial?
Uma greve, não por um dia, não por uma semana,
não por um mês, não por um ano mas por toda vida. O que os patrões poderiam
fazer? Como iriam se alimentar? Como iriam por seus filhos em escolas caras,
sem ter as professoras mal remuneradas para lhes ensinar? Como iriam cozinhar,
lavar ou abastecer seus carros, defender seus patrimônios contra os que nada
têm? Sem ninguém para fabricar, abastecer, trocar os pneus furados de seus
carrões, como iriam se deslocar de um canto para o outro? Como iriam comer sem ninguém para cozinhar,
para lhe mostrar onde fica a cozinha, como ligar o gás? Quem iria limpar a
bunda de seus filhos, quem iria passear com seus cachorros?
Se
acontecesse essa greve e o dinheiro sujo do patrão perdesse o valor, quem iria
definhar até morrer de fome e quem sobreviveria, mesmo que fosse comendo o que
planta?
A
relação patrão/empregado, segundo Maturana não pode ser considerada uma relação
social, assim como a relação entre militares. Reconhecer a existência de “bons
patrões” seria mais ou menos como dizer que existe ladrão bom, traficante que é
bom por distribuir parte do que ganha com a comunidade, que assassinos são bons
por matar quem a gente não gosta. Um assassino que mate deputados, que mate
corruptos, que mate estupradores e pedófilos continuaria sendo assassino, por
mais que uns e outros ou até ampla parcela da sociedade o considere um
benfeitor. Concorda?
O
patrão precisa extrair a mais valia do empregado e faz isso com prazer sádico,
de uma forma que hoje, oito pessoas no mundo têm o mesmo patrimônio que os
outros 50% da humanidade, segundo a ONG britânica Oxfam. 99% dos seres que Deus colocou na terra vivem para
sustentar os outros 1% com luxos que nem consigo imaginar. Esses números que
anunciam o fim do mundo não são produzidos pela esquerda, são de instituições
capitalistas, o que quer dizer que a situação pode ser ainda mais detestável.
O
mundo caminha para o apocalipse zumbi (se é que já não começou). E quem dirige
um carrinho modesto de R$ 110, 180 mil reais, destes que inundam as ruas de
João Pessoa (as mesmas que estão ficando encharcadas de pedintes, enquanto os
bem nascidos comemoram que já podem encontrar empregadas domésticas para dormir
no trabalho por menos de salários mínimo) não se dão conta, não podem admitir que
são escravos. A classe média, tão necessária para acumulação de capital nas
mãos da alta burguesia, vive situação de subalternidade tanto quantos os que
estão abaixo dela, embora com conforto material e espiritual muito superiores.
Não podem admitir que são serviçais, tanto quanto qualquer um de nós. A classe
média não pode reconhecer que faz o papel do pelego que amacia as costas do
trabalhador para que o patrão possa descansar suas bundas brancas – e vamos ser
sinceros, a bunda dos patrões são quase sempre bancas.
A
diferença substancial entre um trabalhador que ganha 500 reais mensais e um que
ganha 15, 25 mil, por mais que determine vidas completamente diferentes, com
possibilidades muito distintas, não é tão radicalmente distinta quando se pensa
na vida que leva a alta burguesia. Se a classe média admitisse a própria
servidão poderia haver suicídio em massa, o que é absurdo demais. Melhor viver
na ilusão de que desfrutam da estima e dos privilégios dos que habitam o lugar
onde querem e acreditam que vão chegar.
Se
ainda vivemos na época clássica da servidão no Brasil, a comparação seria mais
ou menos assim, por mais imprecisa e ridícula que seja (e reconheço que é): o
escravo que cortava cana vivia na senzala e o escravo que fazia trabalhos
domésticos dormia no quartinho anexo da casa, para melhor servir os desejos do
dono, na hora que esses desejassem. Comiam melhor, vestiam-se melhor, tinham um
trabalho menos pesado, é verdade. Por outro lado tinha muito menos consciente
de sua condição, menos coragem de se rebelar e fugir para os quilombos.
O
patrão, por mais humano que possa ser, extrai a mais valia do empregado. Essa é
a principal função da “instituição patrão”. Enquanto pessoas, meu amigo, concordo
contigo, o patrão pode ser bom (dentro do conceito de bom dos privilegiados). Penso
a mesma coisa de militares, de deputados, de vereadores e até de ladrões e
assassinos. Tem quem presta, tem os dignos, honestos (mesmo que não pareça,
mesmo que não concorde com seus modos). O problema é que a instituição, a
função social deles está errada, não deveria existir. A sociedade deveria se
organizar de outra forma, não deveria existir deputados, vereadores, militares,
assassinos, ladrões e não deveria existir patrão.
Estou
falando de ideias. Também não sei dizer como iriamos nos organizar sem essas
instituições, o que sei é que existem formas mais justas de se viver neste mundo
e é papel nosso descobri-las e, se for o caso, inventá-las. Enquanto não
fazemos isso ao menos podemos nos indignar, já é algo mais do que a indiferença
sádica e sínica em que vive a maioria.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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