Ilustração: Pawel Kuczynski
Os pais sentam no escritório, o médico está por vir , a mãe segura o bebê recém nascido com força enquanto embala num ritmo que é mais para tranquiliza-la do que para tranquilizar o bebê, não fazem nem 48hs que ele nasceu. Eles postergaram ao máximo essa decisão. No hospital tudo parece áspero, as paredes azul claro, as janelas para um mundo quente e impossível de um ano quase impossível: 2084. A mesa branca áspera separa a cadeira dos pais e a cadeira do médico. Tudo precede a decisão que ainda não foi tomada.
O médico abre a porta dos fundos do consultório sem bater nem avisar, tem certas coisas que nem o tempo resolve, o que faz o homem e a mulher darem um sobressalto, por sorte o bebê não acordou, mas os olhos da mulher já usaram esse pressuposto para encherem de água. O médico de camisa sem botões, a mais nova modernidade desta era e uma calça super slim também da mais última moda. Ele tem um sorriso grande olha com comoção para os pais falando:
- Senhor e senhora Silva, bom quase já não acontece mais nos dias de hoje, mas vejo que vocês estão em duvida em relação ao termo de consentimento livre e esclarecido e colocam em risco o futuro do filho de vocês.
O pai tenta falar mas falha a voz:
- É-é-é que não estamos certos se a colocação do implante é uma boa ideia.
O médico olha para eles:
- Qual é o medo de vocês?
A mãe fala:
- O implante parece ser seguro, mas temos medo que o nosso filho possa também ser controlado por ele.
O médico então segue:
- Em relação ao procedimento é extremamente seguro, cerca de 45 minutos e o, como é mesmo o nome dele? - e olha os formulários - Ah sim o Gabriel, poderá desfrutar de uma vida normal com acesso a informação direto no telencéfalo dele, basta pensar para fazer as conexões. A grande vantagem é que quanto menor a pessoa mais facilmente se adapta a transformação. Eu por exemplo coloquei o implante com três anos apenas e precisei de pelo menos toda a minha infância para lidar bem com ele. - os pais assentem com a cabeça, o médico faz mais uma observação: Vejo que vocês decidiram por não usar o implante.
O pai diz ajustando o óculos tecnológico que busca informações e interage com a lente em sua Iris enquanto escuta o médico:
- Não, na nossa época o governo não fornecia gratuitamente como agora. Nos mantivemos como Androids tipo 1.
O médico diz:
- Ah sim, certamente, mas então seguindo a grande vantagem é que todas as crianças agora serão muito mais competitivas e o filho de vocês não conseguirá acompanhar o nível educacional se não colocar o implante. Vocês poderão dar um futuro para o filho de vocês. Se não ele será um excluido digital, como já existem muitas crianças em países menos desenvolvidos.
A mãe diz:
- Sim, estamos acompanhando as propagandas na nossa retina.
O médico segue:
- Ele poderá ter acesso às informações instantaneamente, e irá processa-las muito mais rapidamente, com a energia do cérebro dele e irá desenvolver-se muito bem.
O pai pergunta:
- E qual a sua opinião sobre a Síndrome de Excesso de informação?
O médico diz:
- Aguarde um segundo vamos conectar nossos dispositivos e vou mostrar algo para vocês.
Uma sequência de imagens envolvendo os pais e a criança começa a aparecer na retina dos pais e do médico, e os implantes cocleares começam a vibrar com as informações sobre o futuro da criança, cuidados para evitar a síndrome do excesso de informação e claro, no final, eles aparecem abraçados e felizes com um possível Gabriel já crescido, que já muito se assemelha ao que será o real Gabriel, pois todos os bebês agora tem leitura de código genético fenotípica prévia. É claro que o logo do laboratório BB aparece no final.
- Perfeito não? - Diz o médico - para vocês concordarem com isso basta assinarem esse termo de consentimento livre e esclarecido digital.
- Está é uma bela demonstração de amostra grátis do laboratório BB - diz o pai. O médico sorri e pega uma caneta digital, um ato simbólico nos dias de hoje, que estava no bolso e estende para a mãe, não sem antes dizer - pelo futuro do seu filho.
Abraços que pousam,
Mayara Floss
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