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29 dezembro 2018

ESPERANÇANDO SEM PEIA

Imagem capturada na internet. 2018.


Estela Marcia Rondina Scandola



O esperançar é de caminhantes
De corpos históricos que esperanceiam
Esculpidos nos trieiros que fizeram caminhos difíceis e compridos
O esperançamento  caminha
Sem esperar a aurora
É das noites escuras o apurar dos sons, cheiros e tateios
É das noites claro-escuras que se afinam o olhar que vê
E das noites claras, em sonhos lindos, que o cuidado urge e se mantém
Os caminhos esperantes e os desenhados fizemos até agora
Estão nos espíritos memóricos
Que vão se enteiando, bordando, rendando... tecendo o viver
Nesse borramento  entre um ano e outro
Todas as possibilidades de (con)viver estão no solo feito barro
E a esperança caminhada, caminhante seguirá
A chegada à vista está no horizonte
Metamorfoseada de cores e formas
Os escreventes e os delirantes musicais nos embalam
Na dança que enlaça todos que não esperam
E seguem esperançando,
Com dores que vem dos ares frios do viver em tempestades,
Alegria solta das certezas de estar do lado que vive a liberdade
Dos nossos subires de cachoeira em piracema
Sem peia no esperançar.

EMRS, 20 de dezembro de 2018.

Convidados publicam no Rua Balsa das 10 aos sábados e domingos

19 janeiro 2014

ONTEM, OLHEI E VI UMA MULHER (um texto de Estela Scandola)

Estela Márcia Rondina Scandola

                 Foto: Ernande (Guarda-Chuvas)

Ao chegar no quarto 218 da clínica Campo Grande, hospital que atende somente planos de saúde e particular,  deparei-me com dois homens entre 50-60 anos, ambos completamente dependentes dos equipamentos tecnológicos para sobrevida e dos cuidados de mulheres, aquelas de Atenas, que ouço sempre na voz do conterrâneo Ney.
Uma especialmente fiquei a conversar, nunca a tinha encontrado. Em torno de 35 anos, 13 de casada com um aeronáutico de 53 anos. Mecânico dos bons, 3 filhos de dois casamentos anteriores, era mentor das montagens de hangares de empresas aéreas aqui na cidade. 
Há um ano e meio descobriu um câncer no cérebro e iniciou a peleja. Dentre as mais difíceis, a guerra na família para saber quem "cuidava dos bens". Não foi uma discussão nova na família de mãe e irmãos dele. Vinham de outras brigas por casas, pensões, aluguéis. Quando viu-se enfraquecido em tomar grandes decisões, optou por pedir à esposa que fosse sua curadora. Assinou os documentos, todos em meio a choro - não entendi qual era a dor maior, da doença ou da briga na família - e tornou-se incapaz judicialmente. 
A esposa, de posse do documento, retirou o seguro, quitou a casa, saiu do serviço e passou a ser cuidadora 24 horas por dia. A pensão do INSS não permitia custear cuidadores, contava com um aqui outro acolá para uma tarde ou pedaço da noite ficar com ele. Mudava-se com ele aonde ia - hospital ou casa. Há 20 dias morava no hospital. Saiu duas vezes para tirar dinheiro e comprar coisas. 
Na minha 1 hora com ela, foi duas vezes à recepção da enfermagem. Tinha medo que o remédio da dor acabasse e as dores voltassem. Os gritos dele lhe doíam muito. A troca de plantão na enfermagem adiava todos os procedimentos e a quantia de profissionais que tinha não atendia a ala de tanta gente necessitada de atendimento emergencial, rápido, resolutivo de dores. 
Quando a técnica de enfermagem entrou para ver o medicamento para dor, logo falou: você não vai sumir, né? As outras que vem aqui, falam que vão voltar e demoram uma hora. Ele vai começar a gritar de dor. O que faltou dessa vez para ministrar o medicamento foi um adaptador para colocar 3 tomadas. 30 minutos depois chegou a técnica e o T de 3 para fazer a aparelhagem rodar. Ela relaxou e voltar a sentar na escada, feita de banco.
Conversamos frases curtas até que toca o telefone dela. Novamente busca de tomada para carregar o telefone. Começa a atender e vai logo dizendo: o quarto é ruim, tá pintado de novo, mas fica no fim do corredor e toda hora tem que chamar o pessoal. As cortinas são novas, mas a janela não dá prá lugar nenhum, não vejo nem a rua. Saiu e foi atender no corredor com a pouca carga de bateria que tinha conseguido. Voltou e falou que um amigo do marido tinha se disposto a dormir um dia com ele. Pensava em aceitar, mas tinha medo de dormir sozinha em casa. Não sabia mais como fazer isso. 
De repente, levantou-se ligeira e disse "vou ser chata" e saiu da sala. Quando voltou com a enfermagem novamente arrastava uma cadeira que regulava assento, tinha o escora-braços almofadado e era macia. Falou: " nossa, falei pro pessoal ´me ajuda, vai´. Eu to muito cansada. Eu não aguento mais aquelas cadeiras lá!" Arrasta daqui, tira mesa de lá, puxa escada prá cá e prá lá, instalou a cadeira aos pés da cama do marido. Nada comentou sobre o estofamento com pequenos rasgos e pés de ferro descascados. Verificou a regulagem e disse: vamos pegar a outra que está no quarto de lá e trazer prá vocês. 
As mulheres saíram, arrastaram, arrastaram mesas e armários e trocaram as cadeiras de quarto. Comentaram: bom, quem chegar novo aqui, fica na cadeira dura. Nós que já estamos há um tempo, ficamos com as macias.
Falava à mulher minha amiga: você tem que pegar a curatela dele, senão até prá enterrar você vai ter problema. Ninguém vem aqui cuidar, mas quando morrer, é problema na certa. Eu fiz tudo, eu tenho os documentos todos. Quando ele morrer, o difícil vai ser aguentar a família que ainda vai me processar, mas eu estou com os papeis... 
Fui saindo para jantar as 20h30 com minha amiga, olhei prá ela e disse: que as deusas lhe deem sabedoria para seguir. Ela estava sentada comodamente e o marido gemia baixo, os remédios de dor tinham resolvido.
Acordei hoje e soube: à meia noite, quando ela dormiu, ele parou de respirar. 

Estela Márcia Rondina Scandola
51 anos de aprendiz
[convidados escrevem no Rua Balsa das 10 aos sábados e domingos]

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