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11 março 2018

DEU ZEBRA – HISTÓRIAS DE AMAMENTAÇÃO FORA DAS REGRAS

Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Na última consulta com Dr Felisbino, depois dos exames, ele solicitou uma ultrassonografia para checar exatamente como estava o bebê. Como a gravidez já entrava na 38° semana a recomendação é que fosse feita logo, sem esperar agendamento, tipo urgência. Lá fomos nós! Feito exame tornamos a buscar o doutor para apresentar o resultado. Até então eu me sentia super bem, segura e tranquila. Afinal a escolha de um profissional recomendado e que fazia parto normal estava sendo fundamental.
Ao entregar o resultado à atendente na sala de espera para que ele visse no intervalo das consultas fomos encaminhados para uma salinha paralela. Enquanto esperávamos ficamos vendo as fotos de famílias sorridentes num painel de agradecimentos... algumas com máscaras na cara... o que me pareceu estranho, tanto que comentei com o Pedro. Mas nem deu tempo de uma conversa pois o Dr Felisbino veio nos encontrar com uma cara fechada, cenho de preocupação. Na hora tremi nas bases, afinal detectar preocupação num médico não indica nada bom...
E veio a bomba, “como ele suspeitava, o bebê estava com pouco líquido amniótico” e eu precisava de uma cesariana. A boa notícia era que dava para esperar até sábado de manhã.
Saímos do atendimento “zuretas”.. eu me sentia mal... se era risco, como esperar 3 dias? Antes eu estava poderosa e “fagueira”, claro que pesando como uma hipopótama, mas me sentido bem!!! Pedro, de bom companheiro, transformou-se num controlador compulsivo, querendo controlar até minha respiração!! Ligou pra todo mundo falando do risco que eu nem entendia que havia. Confesso que foi demais pra meu ser!!! Devia estar suando adrenalina.... Medo e antecipação me dando taquicardia!! “Paradoxalmente” lembrei de ter lido em algum lugar que a adrenalina em doses equilibradas, junto com a ocitocina favorece o trabalho de parto... e me deu uma vontade louca de rir de tudo isto!! Estado de alerta máximo, medo e final de gravidez!!! Direto para casa preparar mala hospitalar...
Amanheci no outro dia banhada de suor por conta de um pesadelo... Pedro me acalmou, me abraçou e consolou... ele parecia mais pé no chão. Conversamos sobre nosso sonho de parto normal, e ele garantiu que seria feito o melhor para o bebê, que estaria na sala se cirurgia conosco... fiquei mais calma.
O outro dia foi ocupado com ida ao trabalho, mas trabalhar que é bom... não rendi nada!!! A arrumação da mala de noite durou umas 3 horas entre colocar e tirar roupas de maternidade e bebê... chegou a beirar o trágico de tão cômico.... enfim...  coisas da vida. Acho que o dia do Pedro nem foi diferente do meu, por fim acabamos indo dormir tarde sem nem jantarmos. Ao menos realmente dormirmos, barrigão com bebê movendo menos, mas sem muita posição como nos últimos tempos. Manhã quente, trânsito para o trabalho pesado, pés inchados... ao menos consegui render melhor... também, seriam meus últimos dois dias para chegar à licença maternidade. Bola pra frente que este é o país do futebol!!! No final da tarde uma dorzinha nas costas de leve, que não melhorou nem com uma bolsa de água quente. Precisei de uma massagem do Pedro pra conseguir dormir. Só que não deu pra ir pro trabalho... a dor estava incomodando e mais forte, parecia que iam desaparafusando meu quadril!! Leguei pra chefe e pedi dispensa, mesmo parecendo malandragem minha, já que estava previsto pro bebê nascer  no final de semana... Na hora de sair pro trabalho Pedro disse que eu ligasse qualquer coisa e ficou me olhando torto.. Achei que não estava bem, mas, a dor era maior que o carinho, então beijei e fechei a porta pra ter tempo de me poupar. Tentei voltar pra cama e dormir um pouco, fiz alongamento, tomei banho morno e a dor começou a melhorar, mas passou a vir em ondas, e algumas vezes bem forte, chegando ao pé da barriga... Como os pés estavam inchados coloquei as pernas para o alto um instante, mas foi me dando uma inquietação que resolvi sair e caminhar na pracinha. Acho que dei umas 4 voltas devagarinho e senti a calcinha ficar molhada. Pensei comigo, que nem conseguia mais conter xixi e votei caminhando mais depressa pra casa, mas a cada passo uma dor mais forte se instalava na barriga. Liguei da esquina para o Pedro. Daí eu já estava certa que o bebê estava vindo, e tentei inutilmente falar com Dr Felisbino. Deixei recado na secretária do consultório, peguei a carteira do plano de saúde a maleta preparada e um taxi para pegar o Pedro no trabalho e irmos para a Maternidade.
Realmente deu tempo de pegar o Pedro e entrar na primeira maternidade que encontramos pois a bolsa estourou de vez e as contrações estavam com intervalos de 3 minutos, claro que contados pelo Pedro que eu estava concentrada em respirar. O taxista foi super legal e entrou buzinando no lugar das ambulâncias. Veio uma equipe de atendimento e fomos levados para uma salinha de exame. Nem vi o Pedro pagar ao moço. Só sei que uma mulher grandona  se apresentou como Enfermeira obstétrica e me ajudou a tirar a roupa e entrar num banho que me acalmou, mas que não deu refresco nas contrações. Ao voltar para o leito me deu uma vontade de fazer força e ela e Pedro ao meu lado me olhando com carinho foram um alento. Pra encurtar a conversa não demorou muito eu comecei fazer força e a vagir, e ouvi um outro grito saindo de mim... a enfermeira me apoiou e vi o Pedro receber nos braços  Maria... emoção única e uma profunda gratidão por esta mulher maravilhosa estar no meu caminho, por ter parido num leito acolhedor por não haver problema algum conosco.  Aí eu pensei deu zebra!!! Aconteceu o que não estava planejado pelo médico!!! E a Enfermeira disse que o parto havia sido o mais tranquilo possível super dentro do normal, que pouco líquido é o comum no final da gravidez... ZEBRA!!! Então era por o bebê no colo, dar peito e voltar pra casa bem rapidinho que o momento era este.
Ainda na maternidade Maria aprendeu a mamar direitinho e quando mamãe e D. Eloá chegaram para conhecer a neta ficaram orgulhosas, mas desconfiadas, afinal ela tinha nascido numa emergência!!!  A volta pra casa foi cercada de cuidados, que hoje vejo como exagerados. Não pode faze isto, não pode comer assim, tem que amamentar sentada na cadeira de braço com travesseiros, nada de exagerar no colo, nada de livre demanda, nada de beber  líquidos durante a mamada (comer então!!! Crime!), intervalos fixos com chupeta para acalmar, nada de acostumar mal a Maria que vai ficar manhosa, e que precisa aprender que tem que dormir no bercinho que o avô fez no cômodo ao lado do meu quarto... e foram tantas regras que acabei me sentindo impotente, um lixo e deixando que dessem até mamadeira embora meus peitos vazassem leite, mas não sustentavam... os intervalos no peito nem chegavam perto de 2 horas e elas sabiam que bebês mamam de  3/3h!!!
Deprimi, eram tantos “tem que” que acabei me perdendo e deixando que mamãe e D Eloá assumissem minha vida... mas um dia, pela segunda semana, cansei de ficar inerte e tranquei a porta num momento entre a saída de uma e entrada de outra. Pedro riu desta atitude, mas gritei com ele dizendo que era conivente com as duas e que estavam me roubando a chance de assumir a maternidade... briguei, zanguei e parecia um bicho...e aí... me encontrei, como fêmea de algum mamífero kkkk e contra o que parecia determinado passei a seguir o que minha intuição dizia, busquei apoio na enfermeira que fez meu parto, passei a dar só peito joguei as parafernálias fora! E novamente deu zebra! Não que tudo tenha saído de modo tranquilo e fácil... mas fiz do meu modo, torto e capenga em muitos momentos, mas com ajuda do Pedro, e da Maria descobrimos nosso caminho... contra todos que regravam tudo e com apoio de quem acolhia o que vinha e contornava problemas... Zebrão... nem voltei mais ao doutor... acabei sendo acompanhada na maternidade mesmo e a enfermeirona ficou maior ainda, enorme, um grande abraço no meu coração!!

[convidados escrevem no Rua Balsa das 10 aos sábados e domingos]


17 janeiro 2016

Da dor do amor


Ah, doutora, o cansaço melhorou sim. As vezes quando tomo banho e me abaixo pra vestir a cueca ainda canso. Mas quase nada. Tou é ficando bom. Já pode me mandar lá pra enfermaria que aqui eu conheço tudo. É sim, doutora, sou cliente fiel. Já me internei aqui 7 vezes. Lá no Procape foram 24. E no Agamenon mais 3. Meu coração tá fraco. 

Minha esposa foi embora por causa disso. Ela perdeu o gosto de viver com medo de eu morrer antes dela. "Como é que eu vou viver sem tu, meu Nego?" Ela dizia.. Coisa mais linda que eu tinha na vida, doutora.

Faz 7 anos que ela me deixou. Ah, sim! Eu vivi muito tempo com ela. Foram 40 anos de casado e mais 10 de namoro. A gente começou a namorar novinho, na escola. Eu tinha 12 anos. No começo o pai dela não gostava não, mas ai ele viu que eu tinha era amor demais pela filha dele e deixou a gente se casar.

Não, filhos a gente não teve da barriga não. Só um adotado. Ela perdeu bebê três vezes. O médico disse que ela não podia ter filho não. Fazer o que né? Foi assim que a vida quis.

Vou dizer uma coisa pra senhora, ela foi a coisa mais bonita que Deus me deu. Eu amava a minha mãe. Era uma coisa linda eu e minha mãe. Eu deitava no colo dela, ela fazia carinho em mim. Mas com a minha nega, Ave Maria! Eu amava muito mais minha nega. E era um ciúme elas duas, viu? 

A gente morava numa casinha aqui em Paulista. Um dia ela acordou de manhã, antes do Sol nascer. Disse que tava se sentindo mal e que não ia pro terraço hoje, como a gente fazia todo dia pra ver o dia clarear. Disse que eu fosse sozinho e ela ia ficar na cama mais um pouco. Olhe, doutora, meu coração ficou apertado de sentar ali no terraço sem ela. 

Ai fui trabalhar na venda. Mas deu assim a hora do almoço e eu comecei a sentir um nervoso. O rapaz que trabalhava comigo perguntou se eu tava bem. Eu disse que não, que tava era muito mal. Disse a ele que desse um jeito nas coisas que eu ia ver Lau. Fui correndo pra casa. Quando cheguei lá, doutora, meu coração doeu demais. Ver minha nega deitada na cama sem um pingo de sangue no rosto. Corri com ela pro Osvaldo Cruz. Me alterei quando disseram que lá não tinha emergência. Eu falei que não era emergência, era urgência! Eles tinham que salvar minha nega. Ah, a senhora estuda lá? Então, como chama aquele lugar que cuida de câncer? Isso, CEON. Ela tinha câncer, sim, no pâncreas. Se tratava lá.

Ela ficou internada na UTI. Quando eu vi a médica vindo, com a blusinha e a bermudinha que ela tava vestindo e o anel dela eu pensei: pronto, perdi minha velha. Mas não, ela ainda tava viva. Peguei as coisas dela e vim em casa. Me deu uma aflição, doutora. Eu olhava pra prateleira com a foto da gente se abraçando, que a gente tirou no aniversário do irmão dela. Ela que quis tirar, foi. Ela me disse: Nego, vamos tirar uma foto aqui, se eu morrer antes, fica de lembrança pra você. Se você morrer antes, fica de lembrança pra mim.

Não, não tou com a foto dela aqui não, mas amanhã vou pedir pra alguém trazer pra senhora ver.

Eu sei que eu fui dormir e acordei no meio da noite. Abri uma fresta da porta. A irmã dela tava na sala chorando. Ai eu me desesperei. Nunca mais ia ver ela. Ela morreu três dias depois que saiu minha aposentadoria. Eu usei tudo pra ajeitar nossa casinha. Troquei as portas, as janelas. Cada coisa que trocava era lágrima que caia. Trabalhei tanto pra dar isso a ela e ela não aproveitou.

No outro dia já veio a funerária que a gente pagava. Levou o corpinho dela pra enterrar lá em Tabira. Eu sei que eu vi o caixão saindo do carro, depois não vi mais nada. Sei que já acordei no hospital. Infarto agudo, o médico disse. Olhe, doutora vou dizer uma coisa. Doeu demais meu coração nesse dia. Mas a dor que é viver essa vida sem ela do meu lado, ah, essa dor é muito maior!


Maria Olívia Mendonça

Escolhi Maria como convidada especial deste domingo e espero de outros. Ela é estudante de medicina na Universidade de Pernambuco, viajante (CSF Budapeste) e poeta. Incerta nas escolhas mas que se entrega nas palavras e na medicina, publica seus retalhos e experiências na sua página do Facebook. Obrigada Maria por aceitar participar! Voam abraços, Mayara. 

19 janeiro 2014

ONTEM, OLHEI E VI UMA MULHER (um texto de Estela Scandola)

Estela Márcia Rondina Scandola

                 Foto: Ernande (Guarda-Chuvas)

Ao chegar no quarto 218 da clínica Campo Grande, hospital que atende somente planos de saúde e particular,  deparei-me com dois homens entre 50-60 anos, ambos completamente dependentes dos equipamentos tecnológicos para sobrevida e dos cuidados de mulheres, aquelas de Atenas, que ouço sempre na voz do conterrâneo Ney.
Uma especialmente fiquei a conversar, nunca a tinha encontrado. Em torno de 35 anos, 13 de casada com um aeronáutico de 53 anos. Mecânico dos bons, 3 filhos de dois casamentos anteriores, era mentor das montagens de hangares de empresas aéreas aqui na cidade. 
Há um ano e meio descobriu um câncer no cérebro e iniciou a peleja. Dentre as mais difíceis, a guerra na família para saber quem "cuidava dos bens". Não foi uma discussão nova na família de mãe e irmãos dele. Vinham de outras brigas por casas, pensões, aluguéis. Quando viu-se enfraquecido em tomar grandes decisões, optou por pedir à esposa que fosse sua curadora. Assinou os documentos, todos em meio a choro - não entendi qual era a dor maior, da doença ou da briga na família - e tornou-se incapaz judicialmente. 
A esposa, de posse do documento, retirou o seguro, quitou a casa, saiu do serviço e passou a ser cuidadora 24 horas por dia. A pensão do INSS não permitia custear cuidadores, contava com um aqui outro acolá para uma tarde ou pedaço da noite ficar com ele. Mudava-se com ele aonde ia - hospital ou casa. Há 20 dias morava no hospital. Saiu duas vezes para tirar dinheiro e comprar coisas. 
Na minha 1 hora com ela, foi duas vezes à recepção da enfermagem. Tinha medo que o remédio da dor acabasse e as dores voltassem. Os gritos dele lhe doíam muito. A troca de plantão na enfermagem adiava todos os procedimentos e a quantia de profissionais que tinha não atendia a ala de tanta gente necessitada de atendimento emergencial, rápido, resolutivo de dores. 
Quando a técnica de enfermagem entrou para ver o medicamento para dor, logo falou: você não vai sumir, né? As outras que vem aqui, falam que vão voltar e demoram uma hora. Ele vai começar a gritar de dor. O que faltou dessa vez para ministrar o medicamento foi um adaptador para colocar 3 tomadas. 30 minutos depois chegou a técnica e o T de 3 para fazer a aparelhagem rodar. Ela relaxou e voltar a sentar na escada, feita de banco.
Conversamos frases curtas até que toca o telefone dela. Novamente busca de tomada para carregar o telefone. Começa a atender e vai logo dizendo: o quarto é ruim, tá pintado de novo, mas fica no fim do corredor e toda hora tem que chamar o pessoal. As cortinas são novas, mas a janela não dá prá lugar nenhum, não vejo nem a rua. Saiu e foi atender no corredor com a pouca carga de bateria que tinha conseguido. Voltou e falou que um amigo do marido tinha se disposto a dormir um dia com ele. Pensava em aceitar, mas tinha medo de dormir sozinha em casa. Não sabia mais como fazer isso. 
De repente, levantou-se ligeira e disse "vou ser chata" e saiu da sala. Quando voltou com a enfermagem novamente arrastava uma cadeira que regulava assento, tinha o escora-braços almofadado e era macia. Falou: " nossa, falei pro pessoal ´me ajuda, vai´. Eu to muito cansada. Eu não aguento mais aquelas cadeiras lá!" Arrasta daqui, tira mesa de lá, puxa escada prá cá e prá lá, instalou a cadeira aos pés da cama do marido. Nada comentou sobre o estofamento com pequenos rasgos e pés de ferro descascados. Verificou a regulagem e disse: vamos pegar a outra que está no quarto de lá e trazer prá vocês. 
As mulheres saíram, arrastaram, arrastaram mesas e armários e trocaram as cadeiras de quarto. Comentaram: bom, quem chegar novo aqui, fica na cadeira dura. Nós que já estamos há um tempo, ficamos com as macias.
Falava à mulher minha amiga: você tem que pegar a curatela dele, senão até prá enterrar você vai ter problema. Ninguém vem aqui cuidar, mas quando morrer, é problema na certa. Eu fiz tudo, eu tenho os documentos todos. Quando ele morrer, o difícil vai ser aguentar a família que ainda vai me processar, mas eu estou com os papeis... 
Fui saindo para jantar as 20h30 com minha amiga, olhei prá ela e disse: que as deusas lhe deem sabedoria para seguir. Ela estava sentada comodamente e o marido gemia baixo, os remédios de dor tinham resolvido.
Acordei hoje e soube: à meia noite, quando ela dormiu, ele parou de respirar. 

Estela Márcia Rondina Scandola
51 anos de aprendiz
[convidados escrevem no Rua Balsa das 10 aos sábados e domingos]

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