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28 fevereiro 2014

“CADA UM POR SI E DEUS CONTRA TODOS”

Ernande Valentin do Prado


            Ninguém deve negar (acho) que conhecer é fundamental. Como contar com o vizinho sem ao menos saber seu nome? E saber o nome é o primeiro passo do conhecer (penso eu). Dizem que não se pode julgar um livro pela capa, mas como ler um livro sem passar pela capa?
Como Enfermeiro acredito que conhecer é fundamental para melhor entender, compreender e melhor cuidar (embora já tenha ouvido de colegas que isso não é necessário). E cuidar é o objetivo essencial da Enfermagem (ao menos aprendi e ensinei isso). Penso que cuidar é fundamental (ou deveria ser) em todas as profissões e não só nas da saúde. Talvez imbuídos de cuidado os engenheiro não projetasse usinas hidrelétricas que devastam vidas, como Belo Monte, por exemplo, ou estádios de futebol que despencam com a vida dos torcedores (ou de operários já na construção). Políticos imbuídos de cuidado não receberiam propinas para votar este ou aquele projeto, não comprariam votos ou cooptaria lideranças populares achando que os fins justificam os meios. Mas isto é outro assunto, o que realmente é importante aqui é: será que realmente levamos a sério “esse conhecer” para cuidar ou ao menos para oferecer assistência de melhor qualidade?
As pessoas gostam de dizer (e fazem isso de boca cheia) que não se deve generalizar, mas também não gostam quando se dá “nomes aos bois”, por isso vau falar da minha experiência (que pode não ser a de quem não gosta de generalizar ou de dar nomes aos bois ou a boiada). De um modo geral a gente não sabe muito pouco da vida das pessoas que a gente prometeu e jurou cuidar naqueles cinco minutos de juramento na cerimônia de colação de grau. E se formos comparar o que o Google sabe com o que sabemos, aí então é deprimente (mas se quisermos, se nos importarmos mesmo - e não apenas no juramento - poderemos aprender a contar com o Google, concorda?). Estão lembrados que a tecnologia não tem intenções boas ou maléficas, que estas quem tem somos nós?
Dia desses, por conta de meu trabalho, caiu em minhas mãos um cartão de gestante atendida em uma unidade de saúde. Ela já estava de oito para nove meses e não constava em parte nenhuma a altura da mulher, a quantidade de filhos que tinha, o número da gravidez atual, as vacinas que já havia tomado, o tipo de parto já realizado. Estou falando só de informações básicas, nada complicadas (como qualquer profissional de saúde ou qualquer mulher que já fez pré-natal pode testemunhar). Fiquei intrigado com tão negligente situação e passei a pedir cartão de todas as gestantes que passaram por mim naquela semana, de diferentes localidades, atendidas por diferentes profissionais, de diferentes especialidades e níveis de atenção e constatei que o google é infinitamente mais eficiente em completar lacunas de informações.
Não tenho certeza da necessidade de dizer que estas informações não são meras formalidades (por ser um óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues), mas que podem fazer a diferença entre este ou aquele tipo de parto, este ou aquele tipo de terapêutica em determinadas situações. Pode inclusive determinar (que Deus nos livre) vida ou morte de um recém-nascido ou de uma mulher.
Não quis me dar por vencido e procurei nos prontuários as informações que faltavam no cartão da gestante. Vi, em geral, duas ou três linhas incompreensíveis. Talvez devêssemos responsabilizar o google por colher informações no lugar dos profissionais de saúde, pois parece que ele é mais eficiente e talvez entenda ou importe-se mais com o bem estar dos seres humanos.  
Talvez chegue o dia em que as máquinas tenham mais capacidade de sentir e importar-se com o outro do que nós. Capacidade de colher informações, analisar e devolver em serviço já parece ter. Por que nós seres humanos não conseguimos fazer igual ou parecido ao Google no que diz respeito a conhecer/acolher o outro? A pergunta (ou provocação) não é justa, uma vez que fomos nós quem criamos o Google ou porque podemos usá-lo para melhor entender nosso vizinho e melhor cuidar, no caso dos Enfermeiros e profissionais de saúde.
O que percebo é que hoje não há mais a necessidade de tão grande refinamento do fazer. A situação dos serviços de saúde é tão ruim, apesar das tecnologias de última geração, que fazer o básico já é digno de elogio. (não estou dizendo que não haja quem faça mais e melhor, com criatividade e leve a sério a questão da arte e da ciência na saúde). Os textos do novo livro do Eymard ou do Livro de Vivência de Educação Popular em Atenção Primária à Saúde - provam isso, mas estes casos são exceção, não regra.
Google ou seus idealizadores não têm interesse verdadeiro pelos seres humanos (ou talvez tenham), mas será que importa? Claro que o interesse sincero, o carinho, a dedicação, o importar-se com é perceptível, ajuda o outro a superar seus problemas, seus dramas, mas o que é pior: o cinismo, a falsidade das aparências ou a sinceridade da grosseria, a ausência, a negligencia explicita e declarada?
Google se dedica para vender, é sua função no mundo (e parece que cria um mundo particular para cada pessoa, de modo que esta possa ignorar o que acontece ao seu redor), mas pode vir a ser outra e podemos usá-lo de formas muito criativas, inclusive para substituir pessoas sem criatividade, sem motivação ou para fazer diagnósticos mais precisos, entre muitas outras coisas.
Lembram-se do que falei dos cartões de gestante e dos prontuários sem preencher? Seria pior se os profissionais assumissem que só trabalham pelo dinheiro, mas fizessem isso bem feito? Nada muito complicado: quem sabe por exemplo preenchendo os formulários, os prontuários e cartões de gestantes, chegar e sair no horário correto, justo e ético? Preencher o prontuário, fazer exame clínico de verdade, anamnese antes de solicitar 33 diferentes exames? Será que se fizessem isso para vender sua imagem, parecer bons e solidários, melhorar seus salários, seria tão ruim ou pior do que estão fazendo?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras

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