Ernande Valentin do Prado
Ninguém deve negar (acho) que conhecer é
fundamental. Como contar com o vizinho sem ao menos saber seu nome? E saber o
nome é o primeiro passo do conhecer (penso eu). Dizem que não se pode julgar um
livro pela capa, mas como ler um livro sem passar pela capa?
Como Enfermeiro acredito que conhecer é
fundamental para melhor entender, compreender e melhor cuidar (embora já tenha
ouvido de colegas que isso não é necessário). E cuidar é o objetivo essencial
da Enfermagem (ao menos aprendi e ensinei isso). Penso que cuidar é fundamental
(ou deveria ser) em todas as profissões e não só nas da saúde. Talvez imbuídos
de cuidado os engenheiro não projetasse usinas hidrelétricas que devastam
vidas, como Belo Monte, por exemplo, ou estádios de futebol que despencam com a
vida dos torcedores (ou de operários já na construção). Políticos imbuídos de
cuidado não receberiam propinas para votar este ou aquele projeto, não
comprariam votos ou cooptaria lideranças populares achando que os fins
justificam os meios. Mas isto é outro assunto, o que realmente é importante
aqui é: será que realmente levamos a sério “esse conhecer” para cuidar ou ao
menos para oferecer assistência de melhor qualidade?
As pessoas gostam de dizer (e fazem isso
de boca cheia) que não se deve generalizar, mas também não gostam quando se dá
“nomes aos bois”, por isso vau falar da minha experiência (que pode não ser a
de quem não gosta de generalizar ou de dar nomes aos bois ou a boiada). De um
modo geral a gente não sabe muito pouco da vida das pessoas que a gente
prometeu e jurou cuidar naqueles cinco minutos de juramento na cerimônia de
colação de grau. E se formos comparar o que o Google sabe com o que sabemos, aí
então é deprimente (mas se quisermos, se nos importarmos mesmo - e não apenas no juramento - poderemos
aprender a contar com o Google, concorda?). Estão lembrados que a tecnologia
não tem intenções boas ou maléficas, que estas quem tem somos nós?
Dia desses, por conta de meu trabalho, caiu
em minhas mãos um cartão de gestante atendida em uma unidade de saúde. Ela já
estava de oito para nove meses e não constava em parte nenhuma a altura da
mulher, a quantidade de filhos que tinha, o número da gravidez atual, as vacinas
que já havia tomado, o tipo de parto já realizado. Estou falando só de
informações básicas, nada complicadas (como qualquer profissional de saúde ou
qualquer mulher que já fez pré-natal pode testemunhar). Fiquei intrigado com
tão negligente situação e passei a pedir cartão de todas as gestantes que
passaram por mim naquela semana, de diferentes localidades, atendidas por
diferentes profissionais, de diferentes especialidades e níveis de atenção e
constatei que o google é infinitamente mais eficiente em completar lacunas de
informações.
Não tenho certeza da necessidade de
dizer que estas informações não são meras formalidades (por ser um óbvio
ululante, como diria Nelson Rodrigues), mas que podem fazer a diferença entre
este ou aquele tipo de parto, este ou aquele tipo de terapêutica em
determinadas situações. Pode inclusive determinar (que Deus nos livre) vida ou
morte de um recém-nascido ou de uma mulher.
Não quis me dar por vencido e procurei
nos prontuários as informações que faltavam no cartão da gestante. Vi, em
geral, duas ou três linhas incompreensíveis. Talvez devêssemos responsabilizar
o google por colher informações no lugar dos profissionais de saúde, pois
parece que ele é mais eficiente e talvez entenda ou importe-se mais com o bem
estar dos seres humanos.
Talvez chegue o dia em que as máquinas
tenham mais capacidade de sentir e importar-se com o outro do que nós. Capacidade
de colher informações, analisar e devolver em serviço já parece ter. Por que nós seres humanos não conseguimos
fazer igual ou parecido ao Google no que diz respeito a conhecer/acolher o
outro? A pergunta (ou provocação) não é justa, uma vez que fomos nós quem criamos o Google ou porque podemos usá-lo para melhor entender nosso vizinho e melhor
cuidar, no caso dos Enfermeiros e profissionais de saúde.
O que percebo é que hoje não há mais a
necessidade de tão grande refinamento do fazer. A situação dos serviços de
saúde é tão ruim, apesar das tecnologias de última geração, que fazer o básico
já é digno de elogio. (não estou dizendo que não haja quem faça mais e melhor,
com criatividade e leve a sério a questão da arte e da ciência na saúde). Os
textos do novo livro do Eymard ou do Livro de Vivência de Educação Popular em
Atenção Primária à Saúde - provam isso, mas estes casos são exceção,
não regra.
O Google ou seus idealizadores não têm
interesse verdadeiro pelos seres humanos (ou talvez tenham), mas será que
importa? Claro que o interesse sincero, o carinho, a dedicação, o importar-se
com é perceptível, ajuda o outro a superar seus problemas,
seus dramas, mas o que é pior: o cinismo, a falsidade das aparências ou a
sinceridade da grosseria, a ausência, a negligencia explicita e declarada?
Google se dedica para vender, é sua
função no mundo (e parece que cria um mundo particular para cada pessoa, de modo que esta possa ignorar o que acontece ao seu redor), mas pode vir a ser outra e podemos usá-lo de formas muito
criativas, inclusive para substituir pessoas sem criatividade, sem
motivação ou para fazer diagnósticos mais precisos, entre muitas outras coisas.
Lembram-se do que falei dos cartões de
gestante e dos prontuários sem preencher? Seria pior se os profissionais
assumissem que só trabalham pelo dinheiro, mas fizessem isso bem feito? Nada
muito complicado: quem sabe por exemplo preenchendo os formulários, os
prontuários e cartões de gestantes, chegar e sair no horário correto, justo e
ético? Preencher o prontuário, fazer exame clínico de verdade, anamnese antes
de solicitar 33 diferentes exames? Será que se fizessem isso para vender sua
imagem, parecer bons e solidários, melhorar seus salários, seria tão ruim ou pior
do que estão fazendo?
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras