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16 junho 2017

ANTIDIÁRIO DE VIAGEM?

Colagem de fotos, 2017.
Ernande Valentin do Prado

A cidade partida

Icaraí, Niterói, Rio de Janeiro. No mapa é só um nome. No lugar é outra coisa. Bairro de gente fina, diz meu comparsa:
- Ainda estou aprendendo a morar aqui, mas estou gostando.
Calçadas limpas, ruas seguras, pessoas educadas, atenciosas lhe atendem no comercio. Por outro lado, tudo é muito caro. Quinta-feira à noite começa o fim de semana, ruas, bares lotados até tarde, definitivamente é outro mundo.
No domingo pela manhã estamos na porta da igreja católica, uma construção modernosa, pós concílio Vaticano II, explica meu camarada erudito. A procissão de entrada vai começar e a música é cantada por um coro quase gregoriano. Coisa linda, mas lembra de novo que até a missa nos bairros dos endinheirados é outra coisa.
Depois, na cidade do Rio de Janeiro, em um passei turístico, passo em frente à igreja da Candelária e lembro dos meninos chacinados em sua porta. Mesma religião, mas cada igreja parece ter um deus aproprio aos seus destinos.

Visita a Feira do Canto de São Bento

Feira linda. Cada vendedor é também o produtor de seus artesanatos. Pessoas educadas, atenciosas, com um papo bom. Fico andando de um canto para outro, de uma barraca para outra, fotografando, filmando por não confiar inteiramente na memória. Ao mesmo tempo tentando escolher presentes (como isso é difícil).
No coreto um grupo enorme executa chorinhos, que meu comparsa erudito diz ser com perfeição. Eu não sei nada de chorinho, não percebo nada (e nem vontade chorar tenho, apesar de uma tristeza me acusando por não me divertir como deveria, por não achar nada tão bonito assim).
Para eu chorinho é coisa de intelectual e eu sou mais povão mesmo, fico imaginando um show do Sepultura naquele coreto, naquela praça frequentada por gente cheirosa e bem vestida.

O museu de arte do Rio

O MAR, Museu de Arte Contemporânea, que visitamos em Niterói, é lindo. Obra de Oscar Niemeyer, coisa linda, maravilhosa. Mas que me perdoem os amantes da arte, não precisava ter exposição nenhuma, muito difícil concorrer com a arquitetura, com o visual da baia de Guanabara. Ou, talvez, era só uma exposição feia mesmo, não sei dizer, não entendo nada de arte, só sei dizer se gosto e se não gosto.
 Rodei o museu, vi as obras. Depois deitei no parapeito e fiquei deslumbrados olha o visual da baia, a geografia desenhada por Deus. Nas pedras três garotos se banhavam na água suja e apesar disso linda. Só sai do transe com o segurança me dizendo para levantar.

Novos baianos

Entro no apartamento que já conhecia de fotografias, mas pareceu bem maior pessoalmente. Sinto cheiro de café e me estendem uma xícara. Sou o último a chegar. Trouxeram pinhão, porque eu disse que gostava. Aceito sem jeito, sem lembrar como se come pinhão, mas achei o mimo de uma delicadeza gigantesca.
Será que sou merecedor?
Tapetes pelo chão, música no ar, fotos na parede, almofadas, roupas, esculturas, mais fotografias.
- Sabe o que parece isso aqui? O apartamento onde moraram os Novos Baianos quando foram para São Paulo, disseram o que só tive coragem de pensar. E parece mesmo, vi em um vídeo e ele falam em uma música, só não lembro qual.
- Essa conversa de MPB, Chico Buarque é coisa de intelectual da Educação Popular. O povo gosta mesmo é de Mayara e Maraisa.
Diz um comparsa.
Verdade verdadeira, como diria meu pai. Por outro lado, preciso admitir, embora contrariado e dando razão ao Luz Gonzaga, meu conterrâneo, que não devo ser só povo.
Pedaço de mim – Chico Buarque

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

50 Reais - Mayara e Maraisa

E por acaso esse motel
É o mesmo que me trouxe na lua de mel
É o mesmo que você me prometeu o céu
E agora me tirou o chão

Prefiro Chico Buarque. Em compensação, na feira, no domingo de manhã, um grupo tocava chorinho para o deslumbramento dos colegas que filmaram, fotografaram e se lia nos rostos o deslumbramento (embora defensores da Mayara e da Maraisa, que nem conhecia ainda, mas que gostei de conhecer).
Mas ficou a dúvida: povo mesmo gosta de chorinho ou de Zeca Pagodinho?

O motorista com a cara e o jeito do Romário

O Rio e Janeiro é um lugar incrível ou foi um lugar incrível nesta viagem. Não pareceu nada com o que se ouve na tv, que não vejo mais. No aeroporto chamei um Uber e o motorista, Eduardo, tinha a mesma cara e o jeito de falar do Romário. Levou-me até Niterói, passando pela linha vermelha, que eu esperava ser mesmo vermelha, mas não é. Passou pela ponte Rio Niterói mostrando as melhorias feitas, os pontos turísticos, o museu do amanhã no outro lado da baia.
Romário dirigia um Nissan e iria trocar de carro no dia seguinte, o mesmo modelo, porém mais novo. Aquele carro já havia sido roubado, estava todo arrebentado. Também contou que já tem outros dois carros que rodam com outros motoristas e em breve irá incluir um carro melhor no Uber Black, que pode rodar menos e ganhar mais.
Na despedida me disse: fica com Deus e eu senti falta dele dizer: parceiro, como o Romário.
Os. Não sei se o nome tá certo, foram muitos motoristas de Uber e devo ter misturado todos eles em um só. Nem vou falar, por não lembrar dos detalhes, mas peguei outro Uber em que o motorista tinha a cara e jeito do Dudu Nobre. Achei até que poderia ser ele mesmo, vá saber, tem tanta gente dirigindo Uber, até eu já pensei em fazer isso, mas não tenho carro.

Nesta cidade ninguém é d’ Oxum

Do restaurante chique, destes da moda, onde a gente paga caro, come mal e sai insatisfeito, fixei o olhar na mulher com cadeira de rodas motorizada que passava do outro lado da rua. Inevitável pensar nas pessoas que vejo sempre, como na semana passada no Bairro São José, do lado de casa.  A cadeira tinha a lona amarrada com corda de nylon, destas de varal, fitas adesivas e esparadrapo juntavam retalhos nos apoios dos braços e nas costas. A roda, praticamente quadrada, exigia mais forças do que a mulher idosa parecia ter para empurrá-la.
O ocupante da cadeira, um menino de uns 17 anos, babava com olhar perdido em parte nenhuma, enquanto aguardava numa filha infinita. Vida desgraçada, pensava eu revendo aquelas duas cenas ao mesmo tempo, enquanto a sua volta ouvia risos alegres, histórias espirituosas, felicidades explicitas, brindes com Chopp caseiro delicioso, mas caro demais para maioria das pessoas com quem convivo no cotidiano.
Se vivenciar esses dois mundos é inevitável, porque não consigo desligar um pouco, só às vezes? Deveria estar feliz, não pensar em mais nada além deste momento proporcionados por amigos sinceros, afetuosos e leais. Mas não consigo, não  totalmente.
Lembro uma vez, quando ainda era metalúrgico em Curitiba, deixei de fazer hora extra no sábado pela manhã, fui ao centro comprar o novo disco do Lobão. Na época ainda existiam discos e o Lobão não era de direita, não que isso mude o que sinto pela música dele.
Voltando para casa, no ponto de ônibus, com o disco novo, “O inferno é fogo”, um menino na rua apontou o dedo para eu e perguntou:
- De quem é o disco?
Virei a capa para ele, que leu com dificuldade e disse:
- Um dia vou comprar um também.
Acabou com meu dia, minha semana, meu mês. Fiquei pensando que aquele sonho, tão ridículo, era tão difícil par ele quanto era para eu, naquele momento, imaginar que um dia estaria em Niterói, num lugar como esse em que estava agora. Senti-me culpado por poder comprar um disco e ele não, assim como sinto-me culpado por poder estar neste lugar e tantas outras pessoas não.

Por entre os prédios

Pela janela do apartamento fiquei olhando, por entre as paredes de concreto dos edifícios. Lá, bem longe, quase escondido, uma escadaria que dava na favela.
- Onde vai dar aquela escada?
- Numa comunidade, lá em cima, tá vendo aquela antena?
- Qual o nome?
- Já me disseram, mas não lembro.
No chão alguém dormia, enquanto na comunidade o tiroteio começava.

Aeroporto

No aeroporto, observando a partida dos aviões, percebo sem explicação que partida também quer dizer: Par-ti-da.
A partida como rachadura, quebra, separação.  Como essa cidade par-ti-da, como fiquei eu nestes dias todos: par-ti-do.

Livro

Sobre o lançamento do livro?
Não vou falar nada, seria obvio demais.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

14 dezembro 2016

O sétimo planeta


para Paula

E se antes de chegar à Terra o pequeno príncipe tivesse parado em um outro planeta, depois do planeta dos lampiões?

XVI

O sétimo planeta era habitado por um professor. O professor estava em pé em frente à um quadro de giz e repetia lições, além de preencher papéis e completar notas.
- Bom dia. - disse o principezinho.
- Para perguntar, deves levantar a mão - respondeu o professor. 
O pequeno príncipe então, levantou a mão.
-Podes perguntar meu aluno! - exclamou o professor.
- O que fazes aqui? - perguntou o principezinho com a mão levantada.
- Ora não é explícito? Eu ensino - disse o professor. O professor virou-se para o quadro e seguiu proferindo sua aula - O quadrado da hipotenusa….
O pequeno príncipe voltou a levantar a mão, o professor só notou após alguns minutos.
- Pois não meu querido aluno. - disse o professor.
-Mas o que é ensinar? - disse o principezinho.
O professor franziu a testa e disse - Agora a aula é de matemática, você deve perguntar sobre matemática -.
- Mas, o que fazes aqui? - repetiu o principezinho querendo começar um diálogo. 
- O professor respondeu - levante a mão para perguntar! -
O principezinho então, levantou a mão.
O professor olhou para o principezinho do alto do seu conhecimento e disse: - pois faça uma pergunta ou preste atenção! -.
Insistentemente o pequeno príncipe levantou a mão novamente. E novamente o professor interrompeu sua explicação sobre triângulos retângulo.
- Diga meu aluno questionador - disse o professor.
- Para que servem seus ensinamentos? - disse o pequeno príncipe, ainda insatisfeito.
-Para ensinar o que é certo - disse o professor.
O principezinho levantou de novo a mão, dessa vez antes do professor virar para o quadro. O professor bateu o dedo no giz irritado.
- O que é certo? - disse o principezinho.
- O certo é o certo- disse o professor com tom de obviedade - mais alguma pergunta?
- Sim - disse o pequeno príncipe  - para que serve este caderno? -.. Apontando para o caderno.
- Esse caderno serve para controlar presença - disse o professor.
- Mas só tem você neste planeta! - Retrucou o pequeno príncipe insatisfeito. 
 O professor olhou para o pequeno príncipe e voltou a rabiscar no quadro. Ele levantou pela última vez a mão.
- Pois nããão… - disse o professor fazendo uma mesura ao perceber que novamente sua lição iria ser interrompida, e comentou - assim a aula não rende.
- Mas o que é ensinar? - disse o principezinho.
O professor descontrolado respondeu:
- Você senta, copia e escuta, é simples! - olhando incrédulo para o seu péssimo aluno.
O pequeno príncipe passou alguns minutos naquele exercício cansativo sobre Pitágoras, copiando, sentado e escutando - pela primeira vez o professor parecia satisfeito. De repente o pequeno príncipe levantou-se.
- Para onde vais? - perguntou o professor, a primeira pergunta para o aluno.
- Vou partir - disse o pequeno príncipe.
- Mas a aula não acabou! - Exclamou o professor já longe enquanto o pequeno príncipe seguiu para a sua próxima viagem.
“As pessoas grandes são mesmo engraçadas”. 

Abraços que pousam,
Mayara Floss

01 junho 2016

Conduções

 
Cassino - RS no inverno
 "Longe de casa sigo o roteiro mais uma estação" - Luiz Gonzaga

Embarco no carro, o motorista me conta que trabalha das 5 horas da manhã até às 11 horas e que depois é locutor em um mercado anunciando os produtos, mas que o sonho dele é trabalhar numa rádio. Apesar de tudo com as corridas ele está feliz de conhecer pessoas novas e complementar o orçamento. Falo do programa de rádio na Irlanda, mas fico interessada em ouvir. Sigo, no aeroporto e escuto uma conversa animada sobre faraós enquanto vou ao banheiro do aeroporto. Sigo, o taxista me fala do tempo e que não conhece Rio Grande, que só foi a Pelotas, peço se experimento o doce ele diz que não, só foi levar um passageiro. Ele fala que gosta de doce mas não comeu, só passou por Pelotas com um pessoal que trabalhava com vacina para bicho. Ele conta que gosta de doce mas não pode mais comer tanto. Ele me explica sobre as laranjas e bergamotas que planta em casa. Me dá dicas de como preparar abóbora com cal e me conta de uma goiabeira que ele tem. Falo das minhas plantas, a casa dele tem um terreno 10x40. Me passa uma receita de um doce de laranja fácil de fazer: descasca as laranjas, aquelas com a pele bem grossa, e coloca na máquina de lavar roupa (isso mesmo), deixa fazer uma lavagem para tirar o azedo da laranja e coloca para ferver com dois Kgs de açúcar até a água secar: segundo ele uma delicia. O último taxista do dia me falou: "É moça, viver a vida não é fácil, viver a vida assim não é fácil mesmo" - se referindo aos malabaristas de semáforo. Ele segue: "trabalhar aqui é boca brava, mas fazer o que esses caras fazem é pior". Fala sobre envelhecer, sobre reflexões de trajetos, ruas, caminhos e endereços. Ele descarrega a minha mala com adesivo de avião e diz para mim "finalmente em casa né moça?". Eu concordo balançando a cabeça que sim.

Voam abraços,
Mayara Floss

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