![]() |
Fonte imagem: http://designist.ro/kinky/sa-inceapa-revolutia-de-designist/ |
Entro no quarto, mais uma manhã, mais um dia para conversar,
auscultar, examinar, discutir, medicar, trocar... Quando eu entro no quarto corre
a discussão: “Mata não, não precisa”. Eu olho para aquelas mulheres sem
entender: “Matar o quê?”. Uma delas prontamente responde: “Uma mulher aí, que
está precisando”. Fico pensando, quem precisa ser morto? Tento um tímido: “violência
não resolve”, logo tenho uma resposta: “Resolve sim. As pessoas têm que
respeitar”. A conversa segue, sem uma evolução muito favorável. Logo me explica:
“tem que ser assim, bobeou morreu”. Tento falar sobre se colocar no lugar,
tentar entender. Logo penso que eu posso ser a próxima, se o assunto seguir assim.
Fico olhando para elas, e não consigo ver toda essa
crueldade. Vejo por trás da violência, das tatuagens e cicatrizes uma vontade
de ser mais. Uma vontade de ser mais travestida da violência, desviada, mas que
ainda se manifesta, das formas mais agressivas para se ter voz. Ela diz: “ninguém se mete comigo”. Eu concordo,
mas ainda assim, vejo os sonhos que carregam aqueles olhos e palavras. De criar
os filhos bem e até se organizar para estudar engenharia a noite.
Quem sou eu para julgar? Em baixo do meu jaleco branco, só
tive que estudar, não precisei sobreviver para comer, nem matar para ser mais.
Sou tomada por uma terrível tristeza. Enquanto escuto uma estudante entre
lágrimas dizendo que a criança perguntou: “você tem telhado em casa? Tem um
quarto só seu?” . Penso nas vidas que correm por entre os dedos: será que ela
teve telhado em casa? Ou um quarto só dela? Essa montanha-russa de sentimentos
e experiências anda no meu peito e no peito da mulher, que hora quer matar,
hora tem toda a gana de viver. Todo o conhecimento que tenho, não serviu para
muito, não apartou a violência. Mas ainda assim, garantiu que durante a
internação eu descobrisse que ela gostava de ler e eu levasse um livro.
Esses saberes escondidos, essas gentes sabidas que gostam de
ler e precisam matar. A violenta vontade de ser mais, que diz para mim: "livro
triste doutora, muito violento, a mulher levou até bala... Ela morre no final?".
Abraços que pousam,
Mayara Floss