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08 fevereiro 2019

A CESAR O QUE É DE CESAR, A MORO O QUE É DE MORO


Ernande Valentin do Prado




Vamos ser justos, esse governo aí nunca prometeu acabar com a violência. Tá oquei? Nem ao menos diminuir a violência ele prometeu. Muito pelo contrário, durante toda campanha ele deixou claro que não sabia como lidar com essa questão.
Não acredita, acha que estou inventando fake News?
Então me explica o que é essa fixação em armar a população?
Para mim e até para um Tenente coronel da Polícia Militar, que ouvi no Rádio dia desses, a mensagem é óbvia: “não sabemos enfrentar o problema da violência e já que a polícia não é eficiente, então cada um que se vire como puder”.
Para quem sabe ler, um pingo é letra e o que esse governo fez até agora, não é apenas pingo e nem tão pouco apenas uma letra, é um discurso completo.
Um discurso que reafirma total incompetência do estado em lidar com a questão da violência. Até aí nada demais, parece que nenhum governo, até agora, soube ou teve disposição em encarar de fato os problemas gerados pela violência ou os problemas que estão nas causas da violência.
O feito extraordinário foi convencer 1/3 da população, mais ou menos o número de eleitores desta facção, a acreditar que não tem jeito, que a solução é cada um por si e que um candidato sem proposta era o menos pior.
Outro feito extraordinário foi convencer o eleitor, sobretudo o evangélico, que não existe contradição entre o discurso do candidato e as leis “divinas” da religião cristã. Veja, desde que Moises subiu ao Monti Sinai, está valendo os dez mandamentos e um deles é: “não matarás”.  Tenho a impressão que esse mandamento não pegou, mesmo na época em que foi editada, basta ver o número de matanças que são descritas na bíblia.
Ao que parece o mandamento é entendido assim: não matarás quem for do nosso time. E aí é fácil. Tirando os psicopatas e os muito desequilibrados, quase ninguém mata os seus.
Tanto é assim que o número de apoiadores desta e outra propostas bizarras deste governo, parecem ser maioria entre os evangélicos. Sempre vai ter quem diz que a arma é para proteção, não para matar.
Será?
Armas de fogo são para matar, bicicletas para pedalar, pão para comer, parece que é assim que é, o resto, por mais elaborado que seja são somente desculpas esfarrapadas.
Agora, e por um tempo, a coisa vai ser assim: cada um com sua arma tentando se proteger do outro, até que esse governo mude e entre outro que assuma a responsabilidade pela segurança pública. Uma proposta de governo, para área da segurança, passa por desarmar bandidos, impedir o tráfego de armas, distribuir melhor a renda produzida por todas e todos, entre outras coisas fundamentais. Outra coisa importante é punir os assassinos. Reportagem do Jornal O Globo de 2014, mostra que menos de 5% dos assassinatos no Brasil são descobertos. Talvez seja por isso que esse governo aí não acredita na eficiência da polícia.
Acha que essa conversa é mimimi?
Você não está sozinho, o presidente também acha. A diferença entre você e ele é que o presidente tem o poder de fazer sua fé se transformar em políticas públicas.
A Agência Brasil (2018) diz: “Tem uma estimativa de que o Estatuto do Desarmamento, apesar de nunca ter sido implementado na sua completude, ainda assim conseguiu ser responsável por uma espécie de freio, de contenção do crescimento dos homicídios”. Segundo o pesquisador, sem essa legislação, as taxas de homicídios seriam 12% superiores às atuais. Isso é o que dizem os números. O resto, apesar do discurso, parece ser fake News ou fé cega em bezerro de ouro.
Acha que essa pesquisa é mimimi?
O Moro também acha.

Referência:

MENEZES, César; LEUTZ, Menezes. Maioria dos crimes no Brasil não chega a ser solucionada pela polícia. Disponível em:< https://glo.bo/1yi1edy> Acessado em: 15 jan. 2019.

AGENCIA BRASIL. Armas de fogo são causa de morte em 71% dos homicídios no Brasil. Disponível em: Ac: 15 jan. 2019.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

27 dezembro 2017

Feridas



“Essas feridas da vida
Amarga vida”

A família era grande e pobre, nós eramos em dez criança, meus pais adotaram dois que os pais tinham se matado.
Com 12 anos, não tinha carinho do pai e mãe
Não podia,
Quando tinha 18 anos apanhava ainda

Ela surrava bastante até com vara de espinho
Surrou tanto minha irmã que ela se mijou tudo
Se fazia uma coisinha errada
Tinha que fazer todo o serviço de novo

Eu não tenho amor pela minha mãe, ela tinha ódio.
Quando vinha visita eles sentavam na mesa primeiro,
e nós sentava depois para comer, se sobrava

Hoje nenhum dos irmãos quer ir numa festa
Porque de solteiro nós não podia sair
Ela chamava nós uma vez, se chamava na segunda já era para apanhar

Eu quero dar pros meus filhos o que eu não tive da minha mãe
Um dia eu tinha que cuidar dos pias,
Pias aprontam, são safados, você sabe
Um dia meu irmão fugiu com eles para roubar melão
Bati no meu irmão com pedaço de pau
Ele ficou com os hematomas e ganhou febre

(suspiro)

Nunca vou esquecer
Até hoje me arrependo
Nunca mais bati em nada nem ninguém.

- E a sua família como é?

Ah a gente se ama muito, amo muito meus filhos
Não posso me queixar.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

22 março 2017

Pontos turísticos

Caruaru-PE

- Mataram um aqui, outro ali – ele aponta com o dedo indicador, e segue naturalmente – mataram outro aqui. – ele mostra com a mão uma porta de garagem, seguimos andando – mataram um mesmo aqui - aponta o ponto do cachorro quente – aqui o pai viu o filho morrer, na verdade ele achou que eram uns amigos e chamou o filho pra morte – aponta a porta de uma casa – agora o pai decidiu se mudar – caminhamos mais um pouco – mataram também aqui, mas já faz um tempo. Pergunto: – quanto tempo? – ele diz - Ah, alguns meses só.


Caruaru 02/17
Abraços que pousam,
Mayara Floss

29 julho 2016

SERENIDADE E EQUILÍBRIO

Para Kátia e Claude
Ernande Valentin do Prado
Ela disse:
- Quando vou para o ponto de ônibus, levo o celular do assalto. Um bem velhinho, e só tiro da bolsa, de baixo do braço, em caso de emergência.
A outra respondeu:
- fui pré-assaltada uma vez.
- Como é isso? Perguntou atônita!
- O cara chegou perto de mim, ergui os braços e gritei: eu não tenho nada. Ele disse: a senhora acha que eu ia lhe assaltar? Acho, respondi gritando e sai correndo.
- Nossa, que perigo!
- Não é, mulher! Ele, se tivesse armado, podia ter dado um tiro em mim.
- Eu, em minhas orações, peço serenidade na hora do assalto.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

19 fevereiro 2016

HISTÓRIAS SUJAS

Sangue no olho - fonte: google.
Ernande Valentin do Prado

NA ATIVA
  
Colocaram todas as pessoas das filas, deitados com a cara no chão. Gritaram bem alto:
- Só nos interessa o dinheiro do banqueiro filho-da-puta. “Ninguém vai atirar em ninguém, mas por enquanto, todo mundo é refém”!
O vigia escondido, morador do Morro do Piolho, pai de três filhos, por dois mil e quinhentos reais mensais, mais plano de saúde e carteira assinada, resolveu reagir.
O resultado de sua ação, a família vai sentir por toda vida.

DEUS NOS PROTEJA

Os PM são tão machos, com suas fardas imponentes, coturnos engraxados, armas cheirando a pólvora.
Precisa ver como ficou a cara do bêbado insolente.

DOIS MINUTOS

O filho-da-puta, sorrindo, batendo de leve com a carteira na porta do carro, disse:
- Posso multar ou tem acerto?

ALUCINAÇÃO

Ainda não tinha percebido nada, mas ela olhou com a cara amarrada e disse:
- O que que essa biscate tá te olhando?

AINDA NÃO

Ela sorriu, mostrando todos os seus dentes, mas no fim, não enganou ninguém.

QUASE NADA
- Oi!
- Quanto tempo?
- Já pensou...esse poderia ser nosso filho...
- É verdade...
- ...
- mas só se você não fosse uma filha-da-puta.

FARDA

Distraí-me lendo uma carta sob o balcão do bar do Jorge, de costas para rua. Quando olhei para trás, dezenas de PM apontavam armas para cabeça da molecada da vila.
- Enquadra todo mundo, Pereira, gritou o tenente com cara de piá de bosta.
Os piás da vila já estava todos em pé, com as pernas abertas e as mãos levantadas contra a parede. 
- Estão acostumados, pensei perplexo.
Os home xingaram, deram tapas nas caras, chutes nas canelas. Retiraram carteiras dos bolsos e cheiraram, fizeram perguntas constrangedoras.
Depois, sem encontrar nada, o tenente de bosta disse:
- Obrigado pela colaboração, cidadãos. Isso foi para sua própria segurança.

MAIS UM BOSTA

Eles disseram:
- Tudo que precisa fazer é entregar esses panfletos na rua XV!
O nome no santinho, Luciano alguma coisa. Pensei, sem dizer nada:
- Mais um bosta, que vai sumir depois das eleições. Pior, que vai nos foder de todo jeito.
Mas agora, não tenho escolha.

MERDA
- Ele vai morrer hoje.
De hoje não passa, vai morrer hoje.
- Um tiro na boca, outro no cu.
Morre hoje. Filho-da-puta, lazarento.
- Vai morrer hoje. Depois vou jogar o corpo do puto no lixão.

MERDA, PARTE SEGUNDA

São quatro horas, o dia ainda não começou a clarear. O caminhão de lixo vem descendo a rua principal da vila. Na caçamba, jogado fora: um corpo furado de bala e esmagado na paulada.
Lá na vila todo mundo já tá se acostumando com os corpos jogados fora.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

16 outubro 2015

INÉDITO (VIÁVEL?)

Ernande Valentin do Prado

Para PKD, pela inspiração!

- Você é o careca?
- Você veio resolver a parada?
- Vim...
- Tem que ser agora?
- (...) Tem alguma coisa pra fazer antes?
- Tá vendo o parque?
- Tô...
- Queria ir lá antes... pode ser?
- (...) Por que te chamam de careca, com um cabelão desses?
- Ironia.
- E você sabe o que é ironia?
- Eu estudei! Acha que só porque moro na rua, sou burro?
- (...) Como se meteu nessa merda?
- Porque é uma merda, essa vida! E você?
- (...) Vamos ao parque, então... mas você sabe, depois não vou aliviar seu lado.
- Sei.
- Você nunca foi a um parque?
- Claro que já! Sempre vô. Nunca fui pra brincar, só para trabalhar. Só queria experimentar o carrinho de bate-bate. Só uma vez.
-  Vâmbora...
- Você podia fingir que era meu pai?
- Pô.. tu é folgadaço... espera que vou pegar os ingressos... .
- Comprou quantos?
- bastante...
- Vou lavar a égua...
- (...) Você jantou?
- Quando?
- Hoje?
- Nada!
- Quer comer, depois que gastar todos os ingressos?
- Não é abusar da sorte?
- Também já tive sua idade... mas não vá me sacanear, falô? Já sabe qual o final disso...
- Posso chupar um sorvete?
- Pode.
- (...) Vamos indo... quer comer o que?
- Sei lá! Qualquer coisa.
- Pode escolher.
- Sempre tive vontade comer naquele restaurante, mas nunca me deixaram entrar.
- Então vamos lá, hoje.
- O garçom não vai me deixar entrar.
- Pô, tá me estranhando, não confia em mim, moleque?
- Nem acredito!
- Pode pedir o que quiser...
- Esse moleque é sangue ruim!
- Te perguntei alguma coisa? Serve o que ele pedir, esse é seu trabalho.
- Quero um pratão de arroz com bife e bata frita, bastante batata frita...
- (...) Não precisa comer assim, com tanta pressa... tá com muita fome?
- Huhum. Não quero abusar da sorte. Você tem até que horas?
- Pode comer com calma... Quer uma coca?
- Huhum.
- Como foi dar uma dessas?
- Não sabia que ela era filha do Gordo...
- E precisava furar a menina, não dava só pra levar o celular?
- Ela me bateu! Começaram a rir de mim. Fiquei com vergonha, com medo...
- Foda... e agora?
- Agora, fudeu! Faz o que tem que fazer. Eu tô mesmo cansado (...)
- Quantos anos você tem?
- 12.
- E já tá cansado?
- Na rua, cada ano vale por 10... já sou mais velho que você.
- E sua família...
- O que tem?
- (...) Alguém... (?)
- Pode me fazer um favor?
- Mais um?
- O último. Não deixa minha mãe ficar sabendo (...)
- (...) Se te deixasse ir, o que faria?
- Por que faria isso?
- Acho que não nasci pra essa vida. Tô com a mão tremendo (...)
- O caçador não deveria conversar com a caça (...)
- Você é foda, moleque... vai filosofar numa hora dessas.
- Se você me deixar ir (...) vai se fuder. E vou pra onde, fazer o que?
- você é foda (...)
- Hoje foi o melhor dia da minha vida! Melhor parar enquanto estou ganhando.
- Minha mão não para de tremer.
- A minha também não...

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10

02 setembro 2015

A violenta vontade de ser mais



Fonte imagem: http://designist.ro/kinky/sa-inceapa-revolutia-de-designist/

Entro no quarto, mais uma manhã, mais um dia para conversar, auscultar, examinar, discutir, medicar, trocar... Quando eu entro no quarto corre a discussão: “Mata não, não precisa”. Eu olho para aquelas mulheres sem entender: “Matar o quê?”. Uma delas prontamente responde: “Uma mulher aí, que está precisando”. Fico pensando, quem precisa ser morto? Tento um tímido: “violência não resolve”, logo tenho uma resposta: “Resolve sim. As pessoas têm que respeitar”. A conversa segue, sem uma evolução muito favorável. Logo me explica: “tem que ser assim, bobeou morreu”. Tento falar sobre se colocar no lugar, tentar entender. Logo penso que eu posso ser a próxima, se o assunto seguir assim. 

Fico olhando para elas, e não consigo ver toda essa crueldade. Vejo por trás da violência, das tatuagens e cicatrizes uma vontade de ser mais. Uma vontade de ser mais travestida da violência, desviada, mas que ainda se manifesta, das formas mais agressivas para se ter voz. Ela diz:         “ninguém se mete comigo”. Eu concordo, mas ainda assim, vejo os sonhos que carregam aqueles olhos e palavras. De criar os filhos bem e até se organizar para estudar engenharia a noite.  

Quem sou eu para julgar? Em baixo do meu jaleco branco, só tive que estudar, não precisei sobreviver para comer, nem matar para ser mais. Sou tomada por uma terrível tristeza. Enquanto escuto uma estudante entre lágrimas dizendo que a criança perguntou: “você tem telhado em casa? Tem um quarto só seu?” . Penso nas vidas que correm por entre os dedos: será que ela teve telhado em casa? Ou um quarto só dela? Essa montanha-russa de sentimentos e experiências anda no meu peito e no peito da mulher, que hora quer matar, hora tem toda a gana de viver. Todo o conhecimento que tenho, não serviu para muito, não apartou a violência. Mas ainda assim, garantiu que durante a internação eu descobrisse que ela gostava de ler e eu levasse um livro.  

Esses saberes escondidos, essas gentes sabidas que gostam de ler e precisam matar. A violenta vontade de ser mais, que diz para mim: "livro triste doutora, muito violento, a mulher levou até bala... Ela morre no final?".

Abraços que pousam,
Mayara Floss

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