Ernande Valentin do Prado
Fui filiado ao PT
- Partido dos Trabalhadores por mais ou menos 12 anos. Uma coisa que
aprendi com o PT daquele tempo é que uma decisão tomada pela maioria em
assemblei não deve e não pode ser modificada pela conveniência da executiva ou
da minoria dirigente. Alias, foi quando essa pratica deixou de existir que me desliguei
do partido em 2001.
Naquele tempo o Diretório do PT na minha cidade, Fazenda Rio Grande -
Região Metropolitana de Curitiba tinha muitos filiados. Pessoas do POVO mesmo:
operários, professores, pequenos comerciantes, estudantes, sindicalistas,
pessoas de associações de moradores, donas de casa, pedreiros, mecânicos,
auxiliares de enfermagem, dentista, lideres de movimentos de toda ordem - sem
terra, sem casa, sem emprego. E todos eram ouvidos e uma decisão tomada por essa gente era sagrada, mesmo que
não representasse a vontade da direção do Partido. E isso frequentemente
acontecia. E acontecia porque o poder da direção era delegado e não usurpado,
condição que Demo (2006) cita como fundamental para dar legitimidade a todo
processo democrático.
Quando me filiei ao PT era metalúrgico e cursava o segundo grau no Colégio Décio Dosse[2]. Trabalhava em uma fábrica
de autopeças em Curitiba. Levantava por volta das cinco da manhã todos os dias
e ia dormir por voltas das 23h30min. Fabricava peças para carros que nunca
conseguiria comprar com meu salário. Nada diferente do que vivia a maioria das
pessoas da minha cidade, que nem chegava a ser um município de verdade. Íamos
para lá apenas para dormir. Passavamos o dia todo trabalhando e gerando renda em
Curitiba. Mas na hora de usufruir o que a metrópole tinha de melhor não podíamos,
pois éramos de outra cidade. Além disso, o Município tinha Dono. Seu nome Geraldo Cartário. Deputado muito
influente e poderoso. Na verdade quase um PODEROSO
CHEFÃO. Em uma campanha eleitoral, por exemplo, ele derrubou o muro da casa
de um eleitor porque este pintou o nome de outro candidato concorrente.
O PT nesta cidade nasceu combatendo tudo isso e
seguiu sua missão diária com chuva ou sol, com eleições a vista ou não. Era um
trabalho cotidiano praticado por pessoas simples que encaravam a política como
missão de cidadania, como forma de autoafirmação e nunca como profissão. Nossos
candidatos, em épocas de eleições, eram
escolhidos pela maioria e a essa maioria comprometia-se em fazer a
campanha, inclusive pagar por ela.
Era muito bonito ver as pessoas dedicando-se a
campanha dos companheiros. E isso acontecia geralmente após trabalhar o dia
inteiro, ou antes, de ir para o trabalho – o que quer dizer de madrugada nas
filas de ônibus. Isso incluía também dedicar os fins de semana para fazer
arrastão: bater de porta em porta para pedir votos – aprendemos com as
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, pintar muro e distribuir panfletos. Tudo isso, como já disse, sem receber um centavo em troca
ou promessas de emprego ou qualquer cargo que fosse. Cargo de assessoria também
era uma decisão da maioria.
Em compensação depois das eleições os eleitos
sabiam que o mandato não lhes pertencia totalmente, que tinha a quem dar
satisfação, que tinha uma maioria para ouvir antes de cada projeto, antes de
cada decisão. E isso, por mais difícil que fosse, acontecia. Na segunda eleição
que participamos elegemos dois vereadores e todas as terças-feiras às 19 horas
os vereadores se reuniam para planejar a semana, os projetos e as manifestações
na câmara de vereadores. Era uma reunião aberta a todo filiado do Partido (e
realmente acontecia).
Desta forma nosso Diretório ganhou fama na região,
pois mesmo dentro do PT essa era uma
postura em desuso. Nossas posições sempre foram radicais demais até para as tendências mais radicais do partido. Éramos o único diretório da região a não aceitar coligações fora do
arco das esquerdas e a se definir como socialista. Talvez pelas posições claras
fomos também o mais novo e único diretório da Região Metropolitana, com exceção de Curitiba,
a eleger representantes para câmara de Vereadores. Foi uma história de sucesso
“meteórico”.
Não apenas elegemos nossos vereadores, fizemos os dois vereadores mais votados da cidade
e gastando menos de dez por cento do que gastaram outros partido e isso por
canta do trabalho voluntários dos militantes, imagino.
Mas por que os militantes trabalhavam no sol, na
chuva e pagava para isso?
Faziam isso
porque acreditavam e acreditavam porque tinham controle das decisões. Não apenas
trabalhavam, mas pensavam o trabalho. Todos e todas eram ouvidos e tinham suas decisões respeitadas. Acredito que esse foi (e é) o
segredo.
No PT era comum haver muitas votações. Isso quando
não se conseguia chegar a um consenso depois das discussões. Porém no Diretório Municipal do PT de Fazenda Rio
Grande não conseguir consenso não era uma opção. Passamos mais ou menos cinco anos sem fazer votação para tomar
decisões. O consenso era sempre possível. Não economizávamos reuniões, horas e
horas de discussões. Com nosso método não havia vencidos e vencedores e todos
assumiam o que fora decidido, pois era de fato decisão de todos.
Como disse, e essa é a razão deste texto, uma decisão tomada em assembleia não podia
ser modificada, a menos que fosse por unanimidade e de preferencia em outra assembleia.
Mesmo contraria as posições pessoais. E penso que é justamente esse o segredo e
a força da democracia: respeito à opinião do outro e ao jogo político legitimo
e honesto (mas jogo político honesto ainda existe?).
No PT entrei como operário e logo me transformei em
um dos dirigentes. Mas nunca deixei que isso me subisse à cabeça. Ocupei todos
os cargos disponíveis no Diretório, inclusive alguns em esfera regional. Mas
nunca deixei de ouvir e respeitar a decisão do mais simples e calado militante
que ocupavam o fundo da sala. SEI DE ONDE VIM E TENHO ORGULHO DISSO.
Essa postura, que ouso chamar de democrática,
acompanhou-me em tudo que fiz até hoje. E espero não perder jamais. E apesar de saber que o PT não é mais assim,
que muitos dos antigos companheiros não são mais assim, agradeço aos anos que
passei no Partido, pois aprendi
muito e trago comigo a radicalidade daqueles dias.
A tradição brasileira é presidencialista e o PRESIDENTE
tem o poder de tomar decisões baseadas em sua própria vontade, independente do
que já havia sido debatido. Nunca fiz isso quando estive em posição equivalente
e espero nunca fazer. Se depender só da minha vontade isso nunca farei.
É por conta da minha pouca ou nenhuma disposição em
tomar decisões a revelia da maioria que prefiro não ocupar funções onde haja
pressão para que isso aconteça.
Decisões em consenso exigem negociações, afinidades,
sobretudo de objetivos, empatia, vínculos e disposição para tal. Coisas cada vez mais difíceis
de construir nas relações efêmeras da atualidade. O “toma lá da cá” é uma regra
de boa convivência entre os pares no dia-a-dia. Não suporto isso, não faço
isso, tenho vergonha disso. Não sei nem
cortar fila (e não quero aprender).
E como sou
radical, graças a Deus, não consigo fazer isso nem para mudar o dia e a
hora de uma reunião marcada pela maioria em “assembleia”.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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