20 janeiro 2017

EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Rádio na casa do Domingos. Ernande, 2017.
Ernande Valentin do Prado
É fácil confundir educação com comunicação e principalmente com informação. Ainda mais fácil é confundir comunicação com meios de comunicação. Aliás, parece fácil confundir comunicação com a própria vida ou com a forma como se leva a vida. Tudo passa pela comunicação: como se faz, como se olha, como se vê, o que se faz, como se relaciona com o outro, no singular e no coletivo. Uma das dificuldades em falar da comunicação diz respeito ao fato dela ser vivida tão intensamente que chega a ser natural e assim passar despercebida, como respirar e andar, como fala Prado, Santos e Cubas (2009).
A comunicação parece ser inata ao homem. Antes do bebê nascer já estão se comunicando com a mãe e está com ele. A comunicação se dá através de movimentos no útero, pequenos chutes, nas náuseas da gravidez. A mãe fala com o filho através da palavra, em diálogos infantis carinhosos, através do tato acariciando a barriga, alimentando-se de forma especial para beneficiar a futura criança. Ao nascer a comunicação entre pais e filhos complexifica-se e evolui de forma continua.
A fala, não necessariamente verbal, pode ter sido o primeiro passo do ser humano rumo à dominação do seu ambiente a da natureza. Cunha da Silva (2003) explica que o homo sapiens inventou uma linguagem para comunicar suas ideias e desejos e essa linguagem foi progressivamente enriquecendo-se. Dá para dizer que a comunicação interpessoal pode ter sido a principal mola do desenvolvimento da sociedade. Sem ela, como seria possível convencer outros a colaborar entre si para conseguir mais alimentos, mais água, andar juntos para obter maior segurança?
Carvalho e Bachion (2012) confirmam essa observação dizendo que a comunicação intrapessoal, interpessoal, e grupal são processos que habilitam ações comunicativas entre as pessoas e os grupos com a finalidade de ajustamento, integração e desenvolvimento.
Depois de iniciado o desenvolvimento da comunicação interpessoal, vieram os sinais gráficos, com os desenhos nas cavernas e nas pedras, até que surgissem as primeiras escritas. Estas parecem ter sido a base sólida do que hoje denominamos comunicação. Mas junto com a comunicação os seres humanos desenvolveram também os meios de comunicação, que de certo modo pode ter iniciado nas paredes das cavernas, depois o pergaminho, o papiro, o papel. Antes, para imprimir os sinais gráficos, utilizava-se carvão, sangue de animais, frutas coloridas, objetos corto-contuso para entalhe, pena e tinteiro, o lápis e a caneta esferográfica. Hoje se utiliza impressoras laser, caneta digital, teclados sem fio, telas sensíveis ao toque, comando de voz.
Com a escrita dominada vieram os correios, os livros, jornais, depois o telégrafo, o telefone, o teatro, o rádio, o cinema, tv e a internet. Hoje temos uma gama grande de meios de comunicação nos rodeando, o que muitas vezes dificulta a diferenciação entre comunicação e meios de comunicação, mas Bordenave (1982) diz que não são uma coisa só, que a comunicação é muito mais que seus meios.
A comunicação não se expressa apenas na fala ou na imagem, mas até no silêncio, na compreensão da hora exata de fazer barulho ou quebrar o silencio. Essa percepção do comunicar, no aspecto interpessoal é importante no fazer dos profissionais de saúde e de educação, por exemplo, pois sem essa competência o processo terapêutico e/ou o processo de ensino/aprendizagem pode não acontecer ou ser muito prejudicado.
Nesse texto, vamos nos concentrar em educação e comunicação em saúde, o que, embora diminua o escopo inicial da discussão, não deixa de ser ainda um campo vasto para abordar. Na medida do possível os dois temas serão tratados em suas intersecções, evitando prolongar a discussão para além do que seria possível no contexto.
Pensar educação e comunicação em saúde juntos, tem relação com as heranças conceituais da origem da saúde coletiva no Brasil. Nos anos 20 do século XX, ao ser criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), uma de suas estratégias era voltada para propaganda e educação sanitária. De lá para cá muita coisa mudou, não há dúvidas, mas, como pode ser apreendido em diversos estudos que abordam o tema, comunicação em saúde ainda é compreendida como propagação de informações para mudança de comportamento da população, que são considerados nefastos à saúde coletiva, como afirmam Araújo e Cardoso (2007).
Embora seja muito difícil distinguir educação de comunicação em saúde, quando uma e outra estão acontecendo, conforme discutido aqui, vamos dizer que a divulgação e propagação das informações e a forma como acontece, seja pela mídia e/ou mediada pelos profissionais de saúde, seja a comunicação acontecendo. Já a tentativa de modelar os comportamentos, o que acontece no uso da comunicação e também pelos meios de, vamos considerar educação, seja ela feita por profissionais de saúde, de educação e/ou feita pelos meios de comunicação. Enfim, vamos pensar educação em uma concepção bem ampla, acontecendo na vida e não apenas nas escolas. Como definido por Durkheim (2007) e Geetz  (2008), educar não deixa de ser modelar as pessoas, o que pode ser feito de forma dialogada, como na abordagem de Freire (2006) ou de forma vertical, como na educação bancária, que parece predominar nos processos educativos ainda hoje. 
Outra abordagem importante diz respeito ao conhecimento necessário a intervenção no processo saúde-doença, que inclui o domínio da comunicação, enquanto conhecimento e, principalmente, atitude comunicativa como instrumento terapêutico e/ou de prevenção de doenças e promoção de saúde.   
Montoro (2008) prefere ver a comunicação como cultura, e comunicação em saúde como troca, interação, intersubjetividade, diálogo, expressão, enfim, com múltiplas dimensões, que vão desde a condição fisiológica, que envolve audição, sensações, visão, para alcançar as dimensões afetiva, cognitiva, sociocultural e tecnológica, em sua relação com as mídias, os sistemas de informação e difusão de mensagens.  Abordagem coerente com o conceito de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), discutido desde a Oitava Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 1986, que já mencionava o direito à informação, a educação e comunicação como inerente ao direito à saúde, conforme fala Araújo e Cardoso (2007). Porém o mais comum, ainda hoje, como já enfatizado antes e corroborado por RANGEL-S (2008), é a comunicação em saúde ser pensada e operacionalizada de forma vertical, centralizada, unidirecional, orientadas pela visão de que informações e conhecimentos devem ser difundidos de forma prescritiva.
Outros estudos mostram que conhecer não é o suficiente para provocar mudanças de hábitos, mas a comunicação em saúde, como frisado por Rangel-S, Montoro, e Araújo e Cardoso (2007), continua sendo pensada basicamente desta forma. Os responsáveis pela comunicação em saúde ainda creem que informação é comunicação e vice-versa, que é suficiente difundir informações sobre como reconhecer e prevenir doenças, talvez por isso as comunicações do governo, quase sempre, no que diz respeito à saúde, sejam carregadas de um tom prescritivo sobre o que faze e o como fazer.
Comunicação em saúde vai além do aspecto prescritivo e informacional e constitui, um campo de saber, tendo inclusive um grupo de trabalho na Abrasco. Entre outros aspectos, a comunicação em saúde, atualmente, envolve: assessorias de comunicação das instituições, divulgação científica dos achados em pesquisas acadêmicas e ações profissionais, comunicação organizacional, que envolve a produção e circulação das informações nas instituições.
Seja qual for o aspecto enfocado, parece fundamental compreender a comunicação para além de seus usos imediatos ou como sendo de responsabilidade de setores de comunicação. Todos nós nos comunicamos e é essencial que isso aconteça cada vez melhor. Os meios, as formas e as ferramentas de comunicação estão cada vez mais acessíveis e de fácil manipulação pelos profissionais de saúde e de educação. Comunicar-se é uma preocupação cada vez maior das instituições de ensino, que têm cada vez mais preocupações em dialogar, comunicar, preparar as pessoas nas competências comunicativas para melhor interagir com a comunidade.
Outro aspecto bastante importante da comunicação e da educação, tem a ver com o poder simbólico, como discutido por Bourdieu (2010), ou seja, a capacidade de fazer ver e fazer crer, o que se consegue, se não inteiramente pela comunicação e/ou pela educação, essencialmente fazendo uso delas. Araújo e Cardoso (2007) enfatizam que a comunicação pode ser utilizada para manter as coisas como estão ou para transformar a sociedade. Neste sentido, a preocupação deveria ser comunica-se, em todos os sentidos, mas essencialmente pensando comunicação como diálogo.

REFERÊNCIAS
PRADO, E. V. D.; SANTOS, A. L. D.; CUBAS, M. R. Educação em saúde utilizando rádio como estratégia.  Curitiba: CRV, 2009.
CARVALHO, E. C. D.; BACHION, M. M. Abordagem teórica da comunicação humana e sua aplicação na enfermagem. In: STEFANELLI, M. C. e CARVALHO, E. C. D. (Ed.). A comunicação nos diferentes contextos da enfermagem. 2. ed. Barueri-SP: Manole, 2012.  p.9-28. 
BORDENAVE, Juan E. D. O Que é Comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1982.
ARAÚJO I. S. Cardoso JM. Comunicação e saúde. 1ª ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007.
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GEERTZ, C. (Ed.). O saber local. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
MONTORO, T. Retratos da comunicação em saúde: desafios e perspectivas. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 445-448, 2008.
RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 433-441, 2008.
BOURDIEU P. Sobre o poder simbólico. In: Bourdieu P, editor. O pode simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2010. p. 7-16.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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