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22 outubro 2023

ÂNGELA

 

Angela Diniz, imagem colhida na internet.



O que acontece no final

todo mundo sabe

Então...

 

Preste atenção

enquanto a história acontece

Tente acompanhar os detalhes

 

No começo

“a vida até parece uma festa”

Bonita e divertida

um sonho

Como crianças numa luta de travesseiros em câmera lenta

 

Um paraíso

uma praia

Como a prenunciar o que está por vir

no final

 

Porque no final...

Ainda não é a hora

 

Antes...

Antes do fim

paga o preço

que se deve pagar

Antes, durante e até depois

 

Até depois...

Você sabe

até depois

 

Ela voo alto

até cair

Pagou o preço da loucura

 

Uma palavra forte

um tapa

um empurrão

 

Uma promessa

o perdão

uma vez

duas vezes

três vezes

Promessas que não se pode cumprir

 

E no final...

no final

a gente sabe o que acontece

 

O que vem depois

a defesa da honra

você sempre foi

aquela que não pode prover um lar estável para os filhos

aquela que quem conhece sabe

 

No final...

uma vez

duas vezes

três vezes

 

Se você não for minha

não vai ser de mais ninguém

 

No final...

Bem!

você sabe o que acontece

no final Ângela morre.


Ernande Valentim do Prado é Enfermeiro, 

escreveu esse texto a partir de uma discussão na fila do almoço 

e depois de assistir ao filme Angela. 


16 março 2018

NINGUÉM SENTIU SUA FALTA


Imagem capturada na internet, 2018.
Ernande Valentin do Prado

Kátia Maria das Dores, de vinte e três anos, saiu do forró do Bezerra, na sexta-feira por volta das três horas. Caminhou pela rua, descalça carregando os sapatos nas mãos. Ia em direção a sua casa, que ficava perto.  
Estava alcoolizada o suficiente para trançar as pernas.
Apesar de caminhar em direção à sua casa, Kátia lá não chegou.
Ela deixou os meninos com Dona Margarida, na sexta-feira pela manhã e foi se arrumar para o forró que iria à noite. Dona Margarida, na segunda, ainda não tinha dado falta da filha. A mãe, acostumada com os sumiços eventuais da filha, não deu importância ao fato, nem deu queixa na delegacia. Sabia que a filha poderia ter se desviado no caminho, assim como já tinha desviado da vida que queria para ela.
Às vezes, Dona Margarida Maria das Dores, queria que a filha sumisse de vez. Estava cansada de passar vergonha com a menina tão falada que, em seu íntimo, pedia a Deus...
— Melhor nem dizer.
 Quando lhe perguntaram sobre Kátia, na segunda-feira, disse despreocupada:
— Dessa aí só Deus sabe.
Pensava que tivesse tomado o caminho de sua própria casa ou ido dormir com o ex-marido.
— Não seria a primeira vez... e nem a última...
Era o que pensava.
- ...não sei qual desses dois tem menos vergonha na cara, Deus me livre!
A sofrida mãe limpou o suor da testa com a manga do vestido, olhando os netos pequenos que brincavam no quintal. O menino corria atrás de uma gorda galinha e a menina penteava os ralos cabelo loiros de uma imitação baratinha de Barbie, já bastante desgastada.
Kátia e Marcelino estavam separados há seis meses e volta e meia se encontravam para fazer as pazes...
— Pelo bem das crianças...
Era o que falava o homem franzino, de mais ou menos metro e sessenta e alguma coisa.
Na única foto encontrada de Marcelino, via-se um homem com barba tão malfeita quanto sua aparencia desmilinguida.
— Que mulher ia querer um trapo desses?
Era o que pensava o policial, olhando a barba que crescia em tufos aqui e ali e buracos entre uma moita e outra de barba. Mas uma coisa era impressionante: a barba do homenzinho era tão preta que deu até inveja. O encarregado da investigação, de uns 40 e tantos anos, já tinha os pelos da cara bem grisalhos. Até coçou o queixo branco olhando a cor da noite da barba do ex-marido de Kátia.
— Ao menos não sou corno...
Pensou em silêncio o policial e logo corrigiu-se mentalmente, porque corno é sempre o último a saber e quase sempre o único a não saber. Então, se era corno, como saberia?
— ... ao menos não tenho fama de broxa.
Conformou-se e decidiu não deixar mais sua imaginação devanear em assunto que não tinham relação com o caso.
Marcelino Pedro Cavalcante, de vinte oito anos fora encontrado morto na segunda-feira por volta do meio dia. Um tiro na cabeça. Quer dizer, um tiro que entrou pela base do crânio e saiu na altura do osso occipital. Morte instantânea, pensou o policial, já mais acostumado com aquilo do que o ser humano deveria ser capaz.
A arma estava próxima da mão esquerda da vítima, que era canhoto. No quintal a polícia encontrou o corpo de Kátia. A tragédia aconteceu na casa onde moravam, quando casados. Ele não aceitava o fim do relacionamento e tentou a reconciliação, pela quinta e última vez.
— Ao menos é o que sugeria a cena.
Concluiu o policial, ainda com a imagem da barba preta de Marcelino na cabeça:
— Que desperdício.
Marcelino atirou em Kátia na madrugada de sexta para sábado, depois de a encontra-la saindo do Forró do Bezerra, famoso risca faca de Brejo Grande.  Ao ver a ex-companheira ferida, ficou desesperado.
— O que me resta na vida, agora?
Não pensou nos filhos, nem no que poderia lhe acontecer. Pensou na vida sem Kátia e isso parecia insuportável. Com ela viva ainda tinha esperanças, podia correr atrás dela, brigar, insistir, até odiá-la. Mas com ela morta, qual o sentido de sua vida?
O delegado, Galênio Silveira do Amaral, usando seu mais novo terno, disse não ter dúvidas de que fora um crime passional. O casal estava separado, e o homem não aceitava o fim do relacionamento.
— Já ouviu alguma testemunha, Delegado?
Perguntou o rapaz com o telefone celular na não.
— Perfeitamente...
Disse o delegado, virando-se para outro rapaz que tirava fotos.
— ...testemunhas afirmaram que Marcelino perseguia a ex-mulher, exigindo a reconciliação. Várias testemunhas afirmaram que os dois brigavam até em locais públicos e que, não raras vezes, Kátia se referia ao ex-marido como broxinha.
— Ela não dava satisfação do que fazia.
Disse a mãe, sem nenhum remorso, mas também sem esconder uma lágrima que rolou do olho esquerdo.
— Foi uma surpresa encontrar o corpo de Kátia no quintal da casa...
Disse o delegado, pousando para mais uma foto, que minutos depois estaria no blog de notícias policiais e nos programas policiais das rádios da cidade e até da capital.
— Quem sabe até nos programas da tv.
Pesava secretamente.
O delegado não soube responder se existiam denúncias de ameaças de Marcelino contra a vida da ex-companheira, talvez por serem muitos os casos de violência na cidade.
— Ou talvez por não dar importância a esse tipo de denúncia.
Pensou o rapaz que gravava o depoimento do delegado com o celular.
— Deixa isso prá lá, coitado do broxinha.
Disse, certa vez o delegado, para o policial de barba quase branca, diante de uma queixa de Kátia.
Kátia passou a madrugada de sexta para sábado, todo o domingo e só fora encontra, já morta, na segunda-feira por volta do meio dia.
— ...o tiro nem foi tão sério, se ela tivesse sido socorrida de imediato, a vítima não estaria morta.
Afirmou o delegado e concluiu:
— “Kátia morreu porque ninguém sentiu sua falta”.



[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

08 setembro 2017

MANOBRAS - FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS VERDE OLIVA

Imagem capturada na internet, 2017.
Ernande Valentin do Prado

Os caminhões do quartel eram capazes de subir até paredes, dada a força dos motores, a tração quatro por quatro, mas não andavam bem no asfalto. Perto do fim do ano formos para manobras em Santa Catarina. Deveríamos chegar em poucas horas, em uma situação normal, porém com os caminhões do exército, movidos a gasolina, levamos três dias.
No primeiro dia chegamos em União da Vitória, na divisa dos estados. Ficamos no batalhão sediado lá. Nos colocaram em um alojamento imundo, com camas sem colchão, cheio de poeira, o que revoltou o Sargento Borba, acho que o único viu onde os soldados ficariam.
Passamos a noite nestas condições e seguimos em frente, bem cedo no dia seguinte. Viajamos o dia todo na carroceria do caminhão, sentados em bancos de madeira até chegar em Palmas, lugar horrivelmente gelado, mas limpo. O batalhão parecia novinho e formos muito bem recebidos, integrado a tropa local e foi até agradável conhece-los. Um dos antigões de nossa companhia inventou de ler a mão dos soldados e ganhamos a simpatia de todos. Até minha mão o cara leu. O incrível é que tudo que ele falava fazia sentido.
No dia seguinte chegamos em Concordia, cidade de Santa Catarina, onde encontraríamos tropas de todo o sul do Brasil. Ficamos acampado em um fábrica de ração da Sadia, dormimos nas mesmas baias onde dormiam os porcos, desalojados naqueles dias para dar lugar aos soldados de exército brasileiro.
Lembro de pouca coisa desse acampamento. Numa dessas lembranças o Aspirante que comandava o PELOPES colocou toda a tropa em formação e tentava falar alguma coisa, mas eu não ouvia, nem notava sua presença. Então o cara se irritou e gritou:
- Entendeu, Prado?
Eu respondi na mesma hora: claro, perfeitamente. O homem não se conformou e perguntou: e o que foi que eu falei?
Passei uma tremenda vergonha na frente de todos: não sabia o que o sujeito falava, nem sabia que ele estava ali, para ser sincero. Claro que Ugo não deixou passar, ficou o resto do dia me sugando, que era como se chamava bullying na época.
Como em todos os acampamentos, nesta também chovia e fazia frio. Andávamos de caminhão de um lado para o outro, em estradas que pareciam sempre iguais. O povo era muito branco, muitas mulheres louras, magras, lindas, ao menos de longe, pois quando se chegava perto eram feias demais. Lembro disso porque era uma coisa que os soldados lamentavam o tempo todo.
Em uma das noites, como sempre de chuva, houve um ataque ao nosso acampamento. Estávamos em nossa barraca tentando nos aquecer, quando entra o aspirante e pede três voluntários para uma patrulha. Dois se oferecem, levantam-se e se equipam rapidamente, como bons soldados operacionais. Mais alguém acabaria se oferecendo, era um pelotão de soldados por vocação, mas o aspirante não deu tempo, olho em volta e me viu tentando se esconder e disse:
- Prado, pegue seu fuzil.
Fomos inspecionar o perímetro. Em um dos pontos, depois de rodas por toda parte sem achar nada, o aspirante resolveu voltar para o acampamento e comandou a volta em linha reta. Entraríamos no meio das barracas da cozinha do acampamento e os soldados cozinheiros abriram fogo contra nós. Tivemos que dar uma volta de 180 graus no acampamento para voltar sem ser fuzilados. Quando finalmente decidiu-se entrar no perímetro, avistamos um terceiro sargento com insígnias das forças especiais. O aspirante comandou:
- Alto lá. Qual a senha.
Mas o terceiro sargento o ignorou e seguiu seu caminho, como se nada tivesse ouvido. O aspirante olhou para nós, para verificar se alguém havia percebido carão que ele tinha passado e como não teve jeito de disfarça, eu já estava quase rindo, ele disse:
- Ele é forças especiais: embusteiro.
O terceiro sargento, forças especiais, fez igualzinho Ugo fizeram certa vez na Hora, no episódio em que o cabo queria lhe apresentar para as visitas civis ao batalhão. Se ainda não leu essa parte, pode ver em: A guarda. Naquele dia Ugo ignorou o cabo, assim como o sargento ignorou o oficial. Por sua vez, o aspirante agiu como o cabo, diante da indiferença. 
Não me lembro se foi no retorno destas manobras ou em outra, que passamos por Cascavel, no Paraná. Lá ficamos em um quartel que fazia fundos para outro. Durante a noite acordamos com um tiroteio, que logo silenciou. No dia seguinte ficamos sabendo que a guarda de um quartel costumava abrir fogo conta a outra. Diziam que não era de propósito, o que deixa a coisa pior ainda. Isso já parecia suficientemente absurdo, mas o absurdo completo aconteceu uns dias depois.
Acampamos nos arredores da cidade para desenvolve alguns treinamentos e certo dia saímos sob o comando do Sargento Mendonça. Faríamos uma patrulha rápida, buscando guerrilheiros, papel que poderia ser desempenhado por militares de outros batalhes da região. 
Escondemos o caminhão entre arvores fechadas e saímos para reconhecer o território. George e Joacir ficaram guardando o caminhão. Quando voltamos não tinha mais caminhão, nem os guarda nem coisa nenhuma. No chão ficou só as marcas dos pneus. De algum modo, um soldado de folga e desavisado, morador da região, passou por ali e foi detido pelos soldados que guardavam o caminhão, que suspeitaram que o recruta estava desempenhava um papel de guerrilheiro.
George lhe explicou sobre as manobras e que precisava mantê-lo preso, para averiguações, mas de algum modo ele fugiu e trouxe a guarnição do quartel de Cascavel, daquele mesmo que abriam fogo entre si de madrugada com munição, talvez para afastar o tédio. Prenderam Jorge, Joacir e o caminhão.
Para resumir – não conseguimos voltar para o acampamento em tempo de comer e, na volta, famintos, passamos por baixo de pés de laranja em uma chácara e o Sargento Mendonça confiscou as laranjas dos moradores, sem dar chance para que dissessem não, o que provavelmente não faria mesmo.

Os soldados do glorioso EB depenaram as frutas e até as folhas das arvores, de tanta forme.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

20 janeiro 2017

EDUCAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

Rádio na casa do Domingos. Ernande, 2017.
Ernande Valentin do Prado
É fácil confundir educação com comunicação e principalmente com informação. Ainda mais fácil é confundir comunicação com meios de comunicação. Aliás, parece fácil confundir comunicação com a própria vida ou com a forma como se leva a vida. Tudo passa pela comunicação: como se faz, como se olha, como se vê, o que se faz, como se relaciona com o outro, no singular e no coletivo. Uma das dificuldades em falar da comunicação diz respeito ao fato dela ser vivida tão intensamente que chega a ser natural e assim passar despercebida, como respirar e andar, como fala Prado, Santos e Cubas (2009).
A comunicação parece ser inata ao homem. Antes do bebê nascer já estão se comunicando com a mãe e está com ele. A comunicação se dá através de movimentos no útero, pequenos chutes, nas náuseas da gravidez. A mãe fala com o filho através da palavra, em diálogos infantis carinhosos, através do tato acariciando a barriga, alimentando-se de forma especial para beneficiar a futura criança. Ao nascer a comunicação entre pais e filhos complexifica-se e evolui de forma continua.
A fala, não necessariamente verbal, pode ter sido o primeiro passo do ser humano rumo à dominação do seu ambiente a da natureza. Cunha da Silva (2003) explica que o homo sapiens inventou uma linguagem para comunicar suas ideias e desejos e essa linguagem foi progressivamente enriquecendo-se. Dá para dizer que a comunicação interpessoal pode ter sido a principal mola do desenvolvimento da sociedade. Sem ela, como seria possível convencer outros a colaborar entre si para conseguir mais alimentos, mais água, andar juntos para obter maior segurança?
Carvalho e Bachion (2012) confirmam essa observação dizendo que a comunicação intrapessoal, interpessoal, e grupal são processos que habilitam ações comunicativas entre as pessoas e os grupos com a finalidade de ajustamento, integração e desenvolvimento.
Depois de iniciado o desenvolvimento da comunicação interpessoal, vieram os sinais gráficos, com os desenhos nas cavernas e nas pedras, até que surgissem as primeiras escritas. Estas parecem ter sido a base sólida do que hoje denominamos comunicação. Mas junto com a comunicação os seres humanos desenvolveram também os meios de comunicação, que de certo modo pode ter iniciado nas paredes das cavernas, depois o pergaminho, o papiro, o papel. Antes, para imprimir os sinais gráficos, utilizava-se carvão, sangue de animais, frutas coloridas, objetos corto-contuso para entalhe, pena e tinteiro, o lápis e a caneta esferográfica. Hoje se utiliza impressoras laser, caneta digital, teclados sem fio, telas sensíveis ao toque, comando de voz.
Com a escrita dominada vieram os correios, os livros, jornais, depois o telégrafo, o telefone, o teatro, o rádio, o cinema, tv e a internet. Hoje temos uma gama grande de meios de comunicação nos rodeando, o que muitas vezes dificulta a diferenciação entre comunicação e meios de comunicação, mas Bordenave (1982) diz que não são uma coisa só, que a comunicação é muito mais que seus meios.
A comunicação não se expressa apenas na fala ou na imagem, mas até no silêncio, na compreensão da hora exata de fazer barulho ou quebrar o silencio. Essa percepção do comunicar, no aspecto interpessoal é importante no fazer dos profissionais de saúde e de educação, por exemplo, pois sem essa competência o processo terapêutico e/ou o processo de ensino/aprendizagem pode não acontecer ou ser muito prejudicado.
Nesse texto, vamos nos concentrar em educação e comunicação em saúde, o que, embora diminua o escopo inicial da discussão, não deixa de ser ainda um campo vasto para abordar. Na medida do possível os dois temas serão tratados em suas intersecções, evitando prolongar a discussão para além do que seria possível no contexto.
Pensar educação e comunicação em saúde juntos, tem relação com as heranças conceituais da origem da saúde coletiva no Brasil. Nos anos 20 do século XX, ao ser criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), uma de suas estratégias era voltada para propaganda e educação sanitária. De lá para cá muita coisa mudou, não há dúvidas, mas, como pode ser apreendido em diversos estudos que abordam o tema, comunicação em saúde ainda é compreendida como propagação de informações para mudança de comportamento da população, que são considerados nefastos à saúde coletiva, como afirmam Araújo e Cardoso (2007).
Embora seja muito difícil distinguir educação de comunicação em saúde, quando uma e outra estão acontecendo, conforme discutido aqui, vamos dizer que a divulgação e propagação das informações e a forma como acontece, seja pela mídia e/ou mediada pelos profissionais de saúde, seja a comunicação acontecendo. Já a tentativa de modelar os comportamentos, o que acontece no uso da comunicação e também pelos meios de, vamos considerar educação, seja ela feita por profissionais de saúde, de educação e/ou feita pelos meios de comunicação. Enfim, vamos pensar educação em uma concepção bem ampla, acontecendo na vida e não apenas nas escolas. Como definido por Durkheim (2007) e Geetz  (2008), educar não deixa de ser modelar as pessoas, o que pode ser feito de forma dialogada, como na abordagem de Freire (2006) ou de forma vertical, como na educação bancária, que parece predominar nos processos educativos ainda hoje. 
Outra abordagem importante diz respeito ao conhecimento necessário a intervenção no processo saúde-doença, que inclui o domínio da comunicação, enquanto conhecimento e, principalmente, atitude comunicativa como instrumento terapêutico e/ou de prevenção de doenças e promoção de saúde.   
Montoro (2008) prefere ver a comunicação como cultura, e comunicação em saúde como troca, interação, intersubjetividade, diálogo, expressão, enfim, com múltiplas dimensões, que vão desde a condição fisiológica, que envolve audição, sensações, visão, para alcançar as dimensões afetiva, cognitiva, sociocultural e tecnológica, em sua relação com as mídias, os sistemas de informação e difusão de mensagens.  Abordagem coerente com o conceito de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), discutido desde a Oitava Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 1986, que já mencionava o direito à informação, a educação e comunicação como inerente ao direito à saúde, conforme fala Araújo e Cardoso (2007). Porém o mais comum, ainda hoje, como já enfatizado antes e corroborado por RANGEL-S (2008), é a comunicação em saúde ser pensada e operacionalizada de forma vertical, centralizada, unidirecional, orientadas pela visão de que informações e conhecimentos devem ser difundidos de forma prescritiva.
Outros estudos mostram que conhecer não é o suficiente para provocar mudanças de hábitos, mas a comunicação em saúde, como frisado por Rangel-S, Montoro, e Araújo e Cardoso (2007), continua sendo pensada basicamente desta forma. Os responsáveis pela comunicação em saúde ainda creem que informação é comunicação e vice-versa, que é suficiente difundir informações sobre como reconhecer e prevenir doenças, talvez por isso as comunicações do governo, quase sempre, no que diz respeito à saúde, sejam carregadas de um tom prescritivo sobre o que faze e o como fazer.
Comunicação em saúde vai além do aspecto prescritivo e informacional e constitui, um campo de saber, tendo inclusive um grupo de trabalho na Abrasco. Entre outros aspectos, a comunicação em saúde, atualmente, envolve: assessorias de comunicação das instituições, divulgação científica dos achados em pesquisas acadêmicas e ações profissionais, comunicação organizacional, que envolve a produção e circulação das informações nas instituições.
Seja qual for o aspecto enfocado, parece fundamental compreender a comunicação para além de seus usos imediatos ou como sendo de responsabilidade de setores de comunicação. Todos nós nos comunicamos e é essencial que isso aconteça cada vez melhor. Os meios, as formas e as ferramentas de comunicação estão cada vez mais acessíveis e de fácil manipulação pelos profissionais de saúde e de educação. Comunicar-se é uma preocupação cada vez maior das instituições de ensino, que têm cada vez mais preocupações em dialogar, comunicar, preparar as pessoas nas competências comunicativas para melhor interagir com a comunidade.
Outro aspecto bastante importante da comunicação e da educação, tem a ver com o poder simbólico, como discutido por Bourdieu (2010), ou seja, a capacidade de fazer ver e fazer crer, o que se consegue, se não inteiramente pela comunicação e/ou pela educação, essencialmente fazendo uso delas. Araújo e Cardoso (2007) enfatizam que a comunicação pode ser utilizada para manter as coisas como estão ou para transformar a sociedade. Neste sentido, a preocupação deveria ser comunica-se, em todos os sentidos, mas essencialmente pensando comunicação como diálogo.

REFERÊNCIAS
PRADO, E. V. D.; SANTOS, A. L. D.; CUBAS, M. R. Educação em saúde utilizando rádio como estratégia.  Curitiba: CRV, 2009.
CARVALHO, E. C. D.; BACHION, M. M. Abordagem teórica da comunicação humana e sua aplicação na enfermagem. In: STEFANELLI, M. C. e CARVALHO, E. C. D. (Ed.). A comunicação nos diferentes contextos da enfermagem. 2. ed. Barueri-SP: Manole, 2012.  p.9-28. 
BORDENAVE, Juan E. D. O Que é Comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1982.
ARAÚJO I. S. Cardoso JM. Comunicação e saúde. 1ª ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007.
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GEERTZ, C. (Ed.). O saber local. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
MONTORO, T. Retratos da comunicação em saúde: desafios e perspectivas. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 445-448, 2008.
RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 433-441, 2008.
BOURDIEU P. Sobre o poder simbólico. In: Bourdieu P, editor. O pode simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2010. p. 7-16.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

04 março 2016

CONSPIRAÇÃO?

Os filhos do lixo. Fonte: mediquima
Ernande Valentin do Prado

A primeira lembrança de Curitiba,
que não consigo esquecer,
mesmo tendo-se passado muitos anos,

é de um homem,
na frente do shopping Itália,
tirando alguma coisa de dentro da lixeira e comendo.

O mais chocante não era ele comer,
uma coisa tirada da lixeira,
era nem olhar o que estava comendo.

Tirava,
com os dedos e levava à boca.
A fome deveria ser demais.

Hoje lembrei-me disso na hora do café.
Por que?
Não sei.

Hoje,
mesmo nas região mais pobre do Brasil,
não é tão frequente ver esse tipo de miséria.

Não é que não exista,
existe muita,
mas mudou a qualidade da miséria.

Pessoas ainda vivem com
fome, dor, desespero, sem sonhos,
e não são poucas.

Mas não é mais tanta gente,
nem em toda parte,
sem poder ser contadas.

Mesmo com todo desvio ético,
inegáveis, vergonhosos, difamantes,
verdadeiros casos de polícia:

mensalão,
lava-jato,
psdbdização...

Não foi só,
houveram acertos, lembra?
O homem na frente do shopping Itália?

Se esse fosse o único acerto,
Já seria mais
(acertos)

do que os (acertos)
de todos os outros governos que vieram antes,
juntos.

 [Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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