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Rádio na casa do Domingos. Ernande, 2017. |
Ernande Valentin do Prado
É fácil confundir
educação com comunicação e principalmente com informação. Ainda mais fácil é
confundir comunicação com meios de comunicação. Aliás, parece fácil confundir
comunicação com a própria vida ou com a forma como se leva a vida. Tudo passa pela
comunicação: como se faz, como se olha, como se vê, o que se faz, como se
relaciona com o outro, no singular e no coletivo. Uma das dificuldades em falar
da comunicação diz respeito ao fato dela ser vivida tão intensamente que chega
a ser natural e assim passar despercebida, como respirar e andar, como fala
Prado, Santos e Cubas (2009).
A comunicação parece
ser inata ao homem. Antes do bebê nascer já estão se comunicando com a mãe e está
com ele. A comunicação se dá através de movimentos no útero, pequenos chutes,
nas náuseas da gravidez. A mãe fala com o filho através da palavra, em diálogos
infantis carinhosos, através do tato acariciando a barriga, alimentando-se de
forma especial para beneficiar a futura criança. Ao nascer a comunicação entre
pais e filhos complexifica-se e evolui de forma continua.
A fala, não
necessariamente verbal, pode ter sido o primeiro passo do ser humano rumo à
dominação do seu ambiente a da natureza. Cunha da Silva (2003) explica que o
homo sapiens inventou uma linguagem para comunicar suas ideias e desejos e essa
linguagem foi progressivamente enriquecendo-se. Dá para dizer que a comunicação
interpessoal pode ter sido a principal mola do desenvolvimento da sociedade.
Sem ela, como seria possível convencer outros a colaborar entre si para
conseguir mais alimentos, mais água, andar juntos para obter maior segurança?
Carvalho e Bachion
(2012) confirmam essa observação dizendo que a comunicação intrapessoal,
interpessoal, e grupal são processos que habilitam ações comunicativas entre as
pessoas e os grupos com a finalidade de ajustamento, integração e
desenvolvimento.
Depois de iniciado o
desenvolvimento da comunicação interpessoal, vieram os sinais gráficos, com os
desenhos nas cavernas e nas pedras, até que surgissem as primeiras escritas.
Estas parecem ter sido a base sólida do que hoje denominamos comunicação. Mas
junto com a comunicação os seres humanos desenvolveram também os meios de
comunicação, que de certo modo pode ter iniciado nas paredes das cavernas,
depois o pergaminho, o papiro, o papel. Antes, para imprimir os sinais
gráficos, utilizava-se carvão, sangue de animais, frutas coloridas, objetos
corto-contuso para entalhe, pena e tinteiro, o lápis e a caneta esferográfica.
Hoje se utiliza impressoras laser, caneta digital, teclados sem fio, telas
sensíveis ao toque, comando de voz.
Com a escrita dominada
vieram os correios, os livros, jornais, depois o telégrafo, o telefone, o
teatro, o rádio, o cinema, tv e a internet. Hoje temos uma gama grande de meios
de comunicação nos rodeando, o que muitas vezes dificulta a diferenciação entre
comunicação e meios de comunicação, mas Bordenave (1982) diz que não são uma
coisa só, que a comunicação é muito mais que seus meios.
A comunicação não se
expressa apenas na fala ou na imagem, mas até no silêncio, na compreensão da
hora exata de fazer barulho ou quebrar o silencio. Essa percepção do comunicar,
no aspecto interpessoal é importante no fazer dos profissionais de saúde e de
educação, por exemplo, pois sem essa competência o processo terapêutico e/ou o
processo de ensino/aprendizagem pode não acontecer ou ser muito prejudicado.
Nesse texto, vamos nos
concentrar em educação e comunicação em saúde, o que, embora diminua o escopo
inicial da discussão, não deixa de ser ainda um campo vasto para abordar. Na
medida do possível os dois temas serão tratados em suas intersecções, evitando
prolongar a discussão para além do que seria possível no contexto.
Pensar educação e
comunicação em saúde juntos, tem relação com as heranças conceituais da origem
da saúde coletiva no Brasil. Nos anos 20 do século XX, ao ser criado o
Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), uma de suas estratégias era
voltada para propaganda e educação sanitária. De lá para cá muita coisa mudou,
não há dúvidas, mas, como pode ser apreendido em diversos estudos que abordam o
tema, comunicação em saúde ainda é compreendida como propagação de informações
para mudança de comportamento da população, que são considerados nefastos à
saúde coletiva, como afirmam Araújo e Cardoso (2007).
Embora seja muito
difícil distinguir educação de comunicação em saúde, quando uma e outra estão
acontecendo, conforme discutido aqui, vamos dizer que a divulgação e propagação
das informações e a forma como acontece, seja pela mídia e/ou mediada pelos
profissionais de saúde, seja a comunicação acontecendo. Já a tentativa de
modelar os comportamentos, o que acontece no uso da comunicação e também pelos
meios de, vamos considerar educação, seja ela feita por profissionais de saúde,
de educação e/ou feita pelos meios de comunicação. Enfim, vamos pensar educação
em uma concepção bem ampla, acontecendo na vida e não apenas nas escolas. Como
definido por Durkheim (2007) e Geetz
(2008), educar não deixa de ser modelar as pessoas, o que pode ser feito
de forma dialogada, como na abordagem de Freire (2006) ou de forma vertical,
como na educação bancária, que parece predominar nos processos educativos ainda
hoje.
Outra abordagem
importante diz respeito ao conhecimento necessário a intervenção no processo
saúde-doença, que inclui o domínio da comunicação, enquanto conhecimento e,
principalmente, atitude comunicativa como instrumento terapêutico e/ou de
prevenção de doenças e promoção de saúde.
Montoro (2008) prefere
ver a comunicação como cultura, e comunicação em saúde como troca, interação,
intersubjetividade, diálogo, expressão, enfim, com múltiplas dimensões, que vão
desde a condição fisiológica, que envolve audição, sensações, visão, para
alcançar as dimensões afetiva, cognitiva, sociocultural e tecnológica, em sua
relação com as mídias, os sistemas de informação e difusão de mensagens. Abordagem coerente com o conceito de saúde do
Sistema Único de Saúde (SUS), discutido desde a Oitava Conferência Nacional de
Saúde (CNS) em 1986, que já mencionava o direito à informação, a educação e
comunicação como inerente ao direito à saúde, conforme fala Araújo e Cardoso
(2007). Porém o mais comum, ainda hoje, como já enfatizado antes e corroborado
por RANGEL-S (2008), é a comunicação em saúde ser pensada e operacionalizada de
forma vertical, centralizada, unidirecional, orientadas pela visão de que
informações e conhecimentos devem ser difundidos de forma prescritiva.
Outros estudos mostram
que conhecer não é o suficiente para provocar mudanças de hábitos, mas a
comunicação em saúde, como frisado por Rangel-S, Montoro, e Araújo e Cardoso
(2007), continua sendo pensada basicamente desta forma. Os responsáveis pela
comunicação em saúde ainda creem que informação é comunicação e vice-versa, que
é suficiente difundir informações sobre como reconhecer e prevenir doenças,
talvez por isso as comunicações do governo, quase sempre, no que diz respeito à
saúde, sejam carregadas de um tom prescritivo sobre o que faze e o como fazer.
Comunicação em saúde
vai além do aspecto prescritivo e informacional e constitui, um campo de saber,
tendo inclusive um grupo de trabalho na Abrasco. Entre outros aspectos, a
comunicação em saúde, atualmente, envolve: assessorias de comunicação das
instituições, divulgação científica dos achados em pesquisas acadêmicas e ações
profissionais, comunicação organizacional, que envolve a produção e circulação
das informações nas instituições.
Seja qual for o aspecto
enfocado, parece fundamental compreender a comunicação para além de seus usos
imediatos ou como sendo de responsabilidade de setores de comunicação. Todos
nós nos comunicamos e é essencial que isso aconteça cada vez melhor. Os meios,
as formas e as ferramentas de comunicação estão cada vez mais acessíveis e de
fácil manipulação pelos profissionais de saúde e de educação. Comunicar-se é
uma preocupação cada vez maior das instituições de ensino, que têm cada vez
mais preocupações em dialogar, comunicar, preparar as pessoas nas competências
comunicativas para melhor interagir com a comunidade.
Outro aspecto bastante
importante da comunicação e da educação, tem a ver com o poder simbólico, como
discutido por Bourdieu (2010), ou seja, a capacidade de fazer ver e fazer crer,
o que se consegue, se não inteiramente pela comunicação e/ou pela educação, essencialmente
fazendo uso delas. Araújo e Cardoso (2007) enfatizam que a comunicação pode ser
utilizada para manter as coisas como estão ou para transformar a sociedade.
Neste sentido, a preocupação deveria ser comunica-se, em todos os sentidos, mas
essencialmente pensando comunicação como diálogo.
REFERÊNCIAS
PRADO,
E. V. D.; SANTOS, A. L. D.; CUBAS, M. R. Educação em saúde utilizando rádio
como estratégia. Curitiba: CRV, 2009.
CARVALHO,
E. C. D.; BACHION, M. M. Abordagem teórica da comunicação humana e sua
aplicação na enfermagem. In: STEFANELLI, M. C. e CARVALHO, E. C. D. (Ed.). A
comunicação nos diferentes contextos da enfermagem. 2. ed. Barueri-SP: Manole,
2012. p.9-28.
BORDENAVE,
Juan E. D. O Que é Comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1982.
ARAÚJO
I. S. Cardoso JM. Comunicação e saúde. 1ª ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007.
DURKHEIM,
É. As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
GEERTZ,
C. (Ed.). O saber local. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.
FREIRE,
P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
MONTORO,
T. Retratos da comunicação em saúde: desafios e perspectivas. Interface -
Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 445-448, 2008.
RANGEL-S,
M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle -
propostas inovadoras. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 12, p. 433-441,
2008.
BOURDIEU
P. Sobre o poder simbólico. In: Bourdieu
P, editor. O pode simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2010. p. 7-16.
[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]