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14 novembro 2014

HISTÓRIAS OUVIDAS (ACONTECIDAS) NOS ONIBUS

PARTE II: PAI CELESTIAL


Ernande Valentin do Prado


2014 – outubro
João Pessoa – PB. Linha 303.

Manuel não aparentava mais de 70 anos de jeito nenhum, mas disse ter 90. Entrou rapidamente pela porta dos fundos (que é por onde entram os idosos nos ônibus de João Pessoa). Sentou do meu lado. O ônibus não estava tão apertado (ainda). Foi logo perguntando:
- Que revista é essa que tá lendo?
Tirei meu fone do ouvido e não li mais.
- Deus é nosso pai, disse Manuel. Quando a gente nasce Deus já sabe o que será de nós. A criança nem sabe, a mãe nem sabe o que será de seu filho, o pai não sabe, mas Deus pai celestial sabe tudo que vai ser da criança.
- Amém disse, disse eu, com vontade de não concordar, mas achando melhor não interromper.
- Você tem Bíblia sagrada?
Manoel não me deixou responder direito ou não se importou muito com a resposta. Foi logo dizendo que o Salmo (não lembro qual), mas era sobre Deus saber tudo que precisamos.
- O Médico me proibiu de andar sozinho. Eu nem deveria estar aqui, mas nosso médico é Deus Pai Celestial. Ali tem um médico evangélico, disse Manuel apontando para a Unidade de Saúde a qual passamos ao lado. Ele faz o que pode, mas Deus sabe mais.
- Amém, disse de novo.
- Tenho 90 anos. 10, 20, 70 só de comércio. Aí se levantou e disse que iria descer.
- Já vai, disse eu surpreso, esperando mais. Ele havia acabado de entrar no ônibus.
- Ali na frente tem uma Igreja Batista, quando o ônibus vira pra lá. Mas eu não vou lá não.
- Rurum...
- Qual seu nome, disse ele:
- Ernande.
- O que?
- Ernande.
- Ernani?
- Ernande!
- Você me desculpa, mas não vou decorar não.
- Puxa a cordinha para mim...
- Quando ia puxar a cordinha, diversas mãos puxaram ao mesmo tempo.
- Eu vou com Deus, mas ele vai continuar na viagem com todos vocês também.
Aí Manuel desceu do ônibus com a mesma agilidade que entrou e sumiu no meio de outras pessoas na calçada. Fiquei pensando se encontraria Manuel de novo neste mundo tão grande e tão pequeno. E enquanto escrevo este texto me vem uma dúvida louca:
Vai que Manuel era o próprio Pai Celestial?

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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