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10 novembro 2017

COMPARSAS, DISCÍPULOS E OUTRAS COISAS

Comparsas, 2017.
Ernande Valentin do Prado

Meu amigo Julio diz que Pessoas importantes, sérias como Eymard têm seguidores, discípulos. Julio também têm seus seguidores, embora negue para melhor poder cutucar os outros mestres. De minha parte sempre fui anarquista demais para ter discípulos. Olho para o tempo e vejo que tive e tenho comparsas fieis, leais, amigos e irmãos, alguns que estão, neste momento fazendo a enfermagem acontecer na Bahia, a Estratégia Saúde da Família (ESF) acontecer em alguns outros lugares, outros convivem comigo todo dia. Esse texto é sobre isso.
Na educação popular muito se fala sobre autonomia, mas ao mesmo tempo há um culto, em minha opinião, exagerado aos grandes mestres, que precisam mesmo serem prestigiados, reverenciados, (talvez com mais discrição). Seguidos? Tenho dúvidas. Colocados em altar, jamais. Ter as falas decoradas e repetidas infinitamente em infinitos discursos e citados em páginas e mais páginas de artigos e livros?
Faz tempo que se corre o risco, em certas circunstancias, de que o leitor descubra que todas essas páginas escritas a partir do que já foi escrito, não digam nada além do que o mestre já havia falado antes. Tenho cá para eu que a maioria dos discípulos só fazem bajular o mestre. Por outro lado, a maioria dos metres desmentem o ditado popular de que o bom discípulo ultrapassa o mestre. Será que acreditam nisso mesmo?
Não vejo como a maioria dos discípulos, mantidos em rédeas curtas, podem ultrapassar seus mestres. À maioria dos mestres, mesmo sem querer, mesmo sem notar, mesmo que inconscientemente, mesmo negando verbalmente, não interessa que o discípulo se descole, que ande com as próprias pernas, que pense com a própria cabeça. Por isso, entre outras dificuldades, é tão difícil que a autonomia seja de fato praticada na maioria das relações entre liderança e liderado, entre professor e estudante, entre coordenador e coordenado. Essa observação vale para academia, para os movimentos sociais e populares, para os sindicatos, partidos e até para famílias.
A maioria das pessoas concordam, ao menos em público, que é preciso de indivíduos mais proativos na sociedade, mas quando esses começam a questionar, a querer mudar os processos, os mesmos sujeitos que defendem a proatividade começam a fechar as portas, a se queixar dos ritmos, da falta de cerimônia nas relações, nas tomadas de decisões.  Os sujeitos, os líderes, os mestres, os professores, parecem aceitar autonomia até o limite que não interfira em suas conquistas, em suas aulas, em seus quintais, ao menos a maioria deles.
Quero contar duas historinhas:
A primeira aconteceu no Mato Grosso do Sul. Numa reunião com a equipe de ESF, da qual fazia parte, falei sobre um assunto que não lembro qual e conclui, sozinho, que deveríamos fazer determinada coisa de tal modo.
Ademar, um dos ACS e um dos três padrinhos de Alice, sujeito íntegro, honesto, leal, disse que aquilo não estava certo, que era o contrário do que havíamos debatido e combinado na semana anterior.
Pensei bem, por quase um minuto e conclui que ele estava certo e eu errado. Desfiz o que havia dito e pedi ao Ademar sugestão de como deveríamos fazer. Ele explicou o que pensava e fizemos.
Dias depois, sozinho, fiquei pensando na ousadia do Ademar: como assim me corrigir na frente de toda equipe, apontar meu engano? Até a médica, que nunca ia às reuniões, estava lá. E ele falou sem nenhuma cerimônia, como se não fosse nada me corrigir daquele jeito e fez isso com a voz de quem sabia o que estava dizendo, não foi uma pergunta, apontou o problema com argumento, a incoerência do discurso, o que aconteceria se realmente aquilo prevalecesse.
Deu um baita orgulho (bem egoísta, é verdade, porque não pensei no Ademar, no quanto estava se empoderando, mas no quanto eu estava fazendo Educação Popular bem feita). Orgulho dele também, é claro. Nem todo mundo tem coragem de desautorizar O COORDENADOR, assim na frente de todo mundo, sem cerimônia, sem reverência, sem bajular, sem disfarçar. Ou tem?
Ele ainda nem era padrinho de Alice, nem frequentava minha casa, a gente ainda nem ia tomar cerveja no bar do Chico nos sábados, nem fazer churrasco na casa do Junior. Ainda nem faziamos o programa de rock e humor na rádio comunitária da cidade, programa no qual Ademar interpretava as personagens: O matador de cachorro e o empresário mexicano José Mercearia, fabricante de tequila. Tudo isso só viria a acontecer bastante tempo depois deste dia.
Esta história aconteceu há mais de dez anos e lembrei disso por causa da segunda história:
Estou trabalhando no VEPOP-SUS, projeto de pesquisa e extensão financiado pelo Ministério da Saúde através da Política Nacional de Educação Popular em Saúde. Desde o final de 2016 estamos trabalhando na organização de diversos livros, entre outras coisas. Um desses livros é sobre Processos educativos no Sistema Único de Saúde. Abrimos um edital público e chegaram mais de 100 textos. Entre esses, um eu mesmo enviei, outro participei como terceiro autor. Participo da equipe de avaliação dos textos, junto com várias outras pessoas da equipe do VEPOP.
Iniciaram as avaliações, que não são cegas. Sobre o primeiro texto, Porta aberta quer dizer que pode entrar”, disseram: 

Penso que o texto ficou meio uma colcha de retalhos" com muitas "idas e vindas" o que dificulta a fluidez e compromete a leitura, além de ser um texto muito extenso.

Sobre o segundo texto, “Qualificação do cuidado a comunidade: formação e intervenção em serviço na Estratégia de Saúde da Família”, disseram:

O texto traz boas reflexões sobre o cotidiano do fazer saúde, apresenta ainda certa intencionalidade na promoção de estratégias de superação das dificuldades enfrentadas no serviço, mas não apresenta “o fazer”, a forma ou o método.
Apesar de terem no texto citações de renomes da Educação Popular, apenas em um momento a metodologia utilizada (problematização) é colocada de forma mais explícita.
Uma outra questão que me incomodou foi o foco muito persistente do texto de apresentar números que respaldassem o trabalho que foi realizado, não encontrei a subjetividade dos encontros ou aprendizados mais emocionais em nenhuma parte do relato. E acredito que deva ter tido inúmeros, mas o texto não relata.
Para mim a experiência tem muito mais a dizer do que apresentar os percentuais elevados e alcance de metas, mas não encontrei.

Porém, desta vez o texto foi para uma segunda avaliação, porque gerou dúvidas sobre a aprovação ou não, o que estava previsto na discussão sobre as avaliações. E uma segunda avaliadora, da equipe, deu o seguinte parecer:

O texto está bem escrito, a experiência é louvável e relevante. No entanto, senti falta de maiores interfaces com a Educação Popular. Isso não diminui o texto, nem a experiência, que deveria ser multiplicada em muitos ESF, mas não adequa o texto ao nosso livro. Tem claras interfaces com a Educação Permanente, com a Saúde da Criança, com o Planejamento em Saúde, com a Atenção Básica. Mas não tem notória relação com o fazer da Educação Popular. Talvez se a problematização da situação com os profissionais estivesse descrita de forma mais detalhada e a partir daí surgissem as soluções, essa lacuna poderia ser suprida, mas não é o caso. Em diversos trechos, inclusive, fala-se que o objetivo era aumentar a cobertura de atendimento às crianças. Isso é ótimo, mas parece pouco para um objetivo de uma ação própria da Educação Popular. No entanto, em outros momentos fica clara a tentativa de maior vinculação com os usuários e o maior comprometimento dos profissionais com a população a partir da intervenção. Acredito que o texto precisa do parecer de mais um avaliador.

De fato fiquei desconcertado por ter dois textos reprovados para um livro que eu mesmo participo da organização. Será que estavam tão inadequados assim?
De novo deu um baita orgulho por trabalhar com pessoas tão integras, éticas e respeitosas. Poderiam simplesmente aprovar os dois textos apenas por causa de meu nome, ninguém questionaria, nem eu. Porém tiveram a decência de ler e a coragem de os reprovar, não por ser meu, apesar disso.
Não preciso concordar com todos os argumentos que usaram para dizer que o texto não estava adequado, acho que não concordo ainda. Por outro lado, é inegável que são pessoas que exercem autonomia (e desta vez nem posso achar que estou fazendo um bom trabalho, pois já eram assim antes de trabalhar comigo).
Dá para dizer que é um privilégio fazer parte de um grupo deste?
Dá, embora ainda seja apenas uma parte do que poderia dizer.



[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

14 março 2014

LONGE DEMAIS DO MAR

Ernande Valentin do Prado

Tenho pra mim que nunca quis muito da vida. Isso é bem verdade em termos financeiros: desde os 12 anos que tenho vontade ter minha casa própria – via o quanto era sofrido para meus pais pagar aluguel – mas fora isso, não tenho grandes sonhos materiais (confesso, gosto de boas meias, mas calça não me importo de comprar na feira). Nunca quis carro, moto, roupas de marca, como meus colegas. Meus sonhos não envolvia o ter, era mudar o mundo, salvar a América, coisas simples assim.
Também não sou de reclamar do que tenho ou de onde estou – reclamo e muito (até) de outras coisas, não das minhas escolhas, principalmente aquelas que me levaram para longe de minha família de sangue, de amigos importantes em minha vida, alguns que os atuais nem sabem que existem, como o Ari Roque, de meus tempos de adolescente no Pirapó, distrito de Apucarana, no Paraná, um cara que amo muito e sinto falta todo dia. Do Antônio (Toninho), meu amigo quase irmão em Fazenda Rio Grande. Foi meu professor de Filosofia no segundo grau, depois companheiro de militância (quando achavamos que iriamos mudar o mundo pela política partidária). O Adilson (que ora por mim em sua igreja para compensar minha pouca fé), o Altair, do curso de Enfermagem. Sinto muita falta de todos eles (que aqui citados simbolizam várias outras pessoas dos mesmos períodos e lugares). Como o Junior, o Ademar, o Ronaldo (três padrinhos de Alice), a Priscilla (madrinha de Alice), a Estela (com quem divido sonhos e dores), o Rodrigo dos tempos de Mato Grosso do Sul e Escola de Saúde pública (que abriu a casa de sua família para ser um pouco minha). A Cíntia no Espírito Santo. Todos foram de alguma forma minha família nestes lugares e carrego comigo no coração.
Por onde passo conheço pessoas maravilhosas que (longe de deixar) carrego comigo e vão se somando a imensa riqueza que é minha vida.
Minhas escolhas levaram-me a deixar o Paraná assim que conclui a graduação em Enfermagem (um sonho louco de mudar o mundo pelo cuidado). Deixei um concurso na Universidade Federal do Paraná, depois na Prefeitura Municipal de Curitiba, Campo Largo e o último na Secretaria de Saúde do Estado do Paraná. Depois nunca mais passei em concurso e acho que estão cada vez mais difíceis e sem sentido. Vou por aí trabalhando ora como bolsista, ora como CLT ora nestas prefeituras que não respeitam nada e nem ninguém. Inseguro, sem futuro e faz com que eu seja de fato um trabalhador cigano (meio circense como gosta da imagem Larissa), mas foi a escolha que fiz para não me tornar como algumas pessoas que via e vejo por aí, sem fé, sem vontade de ser mais, sem esperança.
 

Outro sonho, antigo demais, era chegar perto do mar, fugir dos grandes centros urbanos, viver junto de pessoas que gostasse de fato. Por conta disso estou arrastando minha família (sempre muito paciente) Brasil adentro. No caminho fica minha mãe, sempre ressentida de eu não estar lá perto dela. Meu pai, mais compreensivo, mas não menos ressentido. Minhas irmãs que são maravilhosas, meus sobrinhos lindos, meus primos, cunhados (todos gente boa da melhor qualidade). Sinto uma falta deles que nem sei descrever, mas quanto mais longe vou, quanto mais gente que precisa de mim de algum modo eu posso ajudar, mais meu amor por eles se ressignifica.
Ontem deixei mais um lugar. Mas antes de dizer como sai, preciso dizer como cheguei.
Quando sai do Mato Grosso do Sul fui para Paripiranga, onde fiquei 4 anos lecionando em uma Faculdade de Enfermagem. (lá também deixei pessoas lindas das quais tenho muita saudade). Quando sai do centro oeste havia prometido nunca mais trabalhar em uma Prefeitura, pois não suportava a ideia de não ter meus direitos respeitados e, perdendo o emprego, fato que sempre acontece, fazendo ou não um bom trabalho, a gente sai com uma mão na frente e outra atrás e, o pior, tudo que plantou é arrasado em nome de uma burrice política inconsequente e estúpida (no mínimo) de apagar a história. Vejo essa desonestidade até em movimentos que se dizem democráticos e progressistas de emancipação do homem (pode uma coisa dessas? – mas isso é outra história)
Em janeiro de 2013 sai da faculdade onde fiquei por 4 anos. Como já trabalhava como Bolsista na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), curso de Especialização em Saúde da Família (onde reencontrei Seiko, dos tempos de Faculdade e incorporada a família que vai crescendo), fiquei na cidade recebendo o seguro desemprego e me preparando para novos desafios. Neste meio tempo preparei-me para ir (ou vir) para Paraíba. Cheguei a visitar a cidade, procurar casa para alugar e marcar a data da mudança, mas eis que entra em minha vida uma pessoa chamada Yanna (coordenadora de Atenção Básica). Ela ligou de Dias D’Ávila querendo conversar. Disse que recebeu indicação de um colega (Silvio Medina), que não conhecia ainda, mas que havia recebido uma indicação de Letícia Falleiros, Gaúcha radicada na Bahia, e uma das autoras no livro Vivências de educação popular na atenção primária à saúde com o texto: Experimentando a extensão popular, página  115.
Lembrei-me que havia prometido não mais trabalhar em prefeitura (ao menos sem concurso), mas quando se está desempregado tudo é aceitável e fui falar com ela, mas na certeza de recusar.
Fui recebido tão bem, com tanto respeito e consideração pela minha história, pequena, mas considerável. Yanna e Rafael, Coordenadora de Atenção Básica e Gerente de Atenção à Saúde, falava em nome do Secretário de Saúde, Fabiano Ribeiro. Contaram-me que era um “time”, uma equipe que já trabalhavam junto e dividiam sonhos há algum tempo. Convidaram-me e convenceram-me a aceitar uma vaga como Apoiador Institucional nesta equipe de “militantes” e fiquei na cidade por sete meses. Aprendi muito, gostei muito, conheci muita gente (comprometida com a população, militante de verdade em prol de um SUS que ainda existe em poucos lugares e, sobretudo, conhecedores de gestão e APS). Ganhei família nova e mais uma vez parti. (Esse trecho dá um capítulo à parte, para não ser injusto com Lucimar, Dona Lú, Cíntia, Graça, Rafael, Fabiano, Rafaele, entre outros).
Ontem cheguei à Paraíba. Estou em Lucena (de frente para o mar) região Metropolitana. Para chegar até João Pessoa, como quase todo mundo faz aqui, leva duas horas, fora o sofrimento, mas também tem poesia, basta saber olhar, ouvir, sentir. Estou bem, estou satisfeito (volto ao tema depois, para não ser injusto).
Apesar da saudade, reclamar pra que?


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 todas às 6tas]

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