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04 fevereiro 2014

Pequena História da Menina dos Arcos


Era uma vez um circo e uma menina que dançava em arcos no ar...

Das coisas que amava, das coisas que a habitavam, como habitam as pequenas flores em jarros de barro, pintados a mão, eram esses suspiro solitários das esperas. A espera pra entrar, pra encenar. O ensaio. A. angústia. A tensão. O suspense. A insegura certeza de nada, nem mesmo do aplauso. Ah, sim, isso ela, a menina dos arcos amava...

Amava a falta de rotina do palco, a pouca luz dos galpões e o cheiro de madeira antiga dos malabares, dos balanços, do teto, do piso que estremecia a cada salto. E amava o salto, o salto depois da pirueta, depois que o corpo voava. E amava o voo, tal qual pólen em pluma, semente prestes a fecundar uma flor ainda íntegra de ventos e outonos.

Confiante de que o perigo era pra sempre, um dia, se surpreendeu com um olhar. E achou o brilho no castanho escuro mais perigoso que todos os arcos que um dia já dançou. E entendeu que a emoção está no salto e no abraço, na curva do corpo que se arca para a cambalhota e para o beijo de amor. E, pela primeira vez, sentiu solidão, saudades e medos.

A partir daquele dia, não tinha mais uma noite em que sua dança não era para ele. Não sabia se ele via, se a sentia, se a admirava, se o encantava. Mas ela seguia, noites e noites entre sorrisos e lágrimas, com um suor que brilhava esperança. A menina dos arcos, que voava por voar, pela aventura de voar, agora, voava por amar, pela aventura de amar.

E na mais longa das noites, exausta, ela voava insegura em um passo torto, uma volta tosca, uma pirueta insana, um salto trêmulo, uma dança silenciosa... Não caiu. Flutuou como folha de papel, carta escrita a mão, perfumada, desenhada com corações e flores. Errou. E errante, na música e nas luzes da noite mágica, executou o mais lindo movimento de pássaro. 

Ele, que tudo via, acariciou as asas cansadas da menina dos arcos. E ela se sentiu renascida e amada. Sequer escutou os aplausos e o brilho da noite escorreu entre os dedos e entre os braços e entre as bocas. Sussurraram outros silêncios e outras canções se fizeram. Abriram-se as janelas para um jardim e o sol nasceu assim, sem horário certo, junto com a lua no céu.

A menina dos arcos, hoje pinta auroras, entardeceres e chuvas nas tardes de verão. Ela acha graça quando o pincel faz uma pirueta que não está certa e cria um desenho diferente do imaginado. Uma borboleta de asas mais curtas, uma chuva torta, um raio de sol ondulado, uma lua azulada... Desenhos que saem vivos do papel e colorem caminhos, rios e quintais.

E então, ele a convida para andarem de mãos dadas pelas paisagens que desenha. O castanho escuro dos olhos é sempre a aventura que ela torna a viver. E se perde em danças, em folhas soltas da ventania que despenteia seus cabelos. Vive a estreia a cada passo, embalada no olhar que ampara o erro, recria o salto, descansa a alma, descobre o amor e perdoa a vida.

E viveram felizes em todos os dias belos. De mãos dadas, para sempre.

FIM

[Maria Amelia Mano publica na Rua Balsa das 10 às 3as-feiras]

14 setembro 2013

10 HISTÓRIAS SEM FIM (FICÇÃO, MAS NEM TANTO)

Ernande Valentin do Prado




1.
- Alô...
- Oi, quanto tempo.
- Pois é... Sonhei com você essa noite...
- Conta...
- Eu pedalava e passei em frente da sua casa. Você estava no quintal e me chamou para entrar.
- ...
- Quando acordei, uma coisa não me saiu da cabeça.
- O quê?
- Por que você me chamou para entrar?
- Eu não faria isso, você sabe...

2.
Honestamente?
Às vezes não sei se ainda acredito mesmo.

3.
Se eu fosse capaz de levar desaforo para casa,
sinto que seria mais fácil.
Não seria confundido
nem julgado apressadamente.
Se eu fosse capaz de me calar,
de aceitar que a injustiça é inevitável,
seria mais aceito.
Não me mudaria tanto de terreiro.
Sei não,
talvez eu não fosse eu
e não fosse reconhecido em casa,
no trabalho
e nem nas fotografias.
Meu estômago doeria,
não me olharia no espelho.
Talvez se eu não tivesse tanta urgência,
tanto medo de ser confundido com qualquer outro,
não me confundiriam tanto.
Talvez, (só talvez), pudesse sorrir mais,
passar despercebido,
até ser confundido.
Mas eu não seria eu,
talvez um outro,
mais aceito, mais sorridente,
mais feliz (talvez), mais conformado (talvez),
mas não eu.
Talvez, (mas só talvez).

4.
O dente doeu a noite toda.
Quando o dia amanheceu, ela não aguentava mais. Precisava cortar os pulsos (de alguém).

5.
Pensou no suicídio como solução, mas era óbvio demais.
Tudo bem se matar, mas ser óbvio é inaceitável, (pensou enquanto caminhava até o consultório).

6.
Ela ateou fogo ao próprio corpo, depois se atirou no mar azul (lindo até não poder mais).

7.


8
Minha filha de cinco anos volta da escola. Pergunto:
- O que aprendeu hoje?
Muito séria, responde:
Aprendi a ficar quieta e não bagunçar para poder brincar no recreio.

9.
Uma vez eu vi, (ninguém em contou), meninos que viviam na rua tomando banho no chafariz da Boca Maldita (Curitiba).
Um menino de apartamento ficou olhando (com inveja) e quando não aguentou mais, tirou a roupa e foi brincar com eles.
Algumas vezes o encontro acontece e crianças podem ser só crianças (por alguns minutos ou horas).
Fiquei lá olhando, morrendo de inveja por não ser mais só criança.

10.
O ponto de partida é a casa. Não a foto da casa, mas a casa abandonada.
A CASA
A casa foi erguida há muitos anos por Sibilino de Oliveira, que após passar 25 anos em Santos, comprou as terras de Frederico Paiva, ex-patrão de seu pai.
Sibilino ainda lembra o dia em que, com cinco anos, disse a seu pai:
- Ainda vou ser dono destas terras.
O pai, seu Pedro da Cabaça, não era muito de rir, mas teria rido do sonho do filho. Dava graças a Deus todo dia por não passar fome. Sonho de possuir uma terra já teve, mas não lembrava mais quando foi exatamente.
Sibilino cresceu, foi para o sudeste, onde não se sabe exatamente o que fez para juntar o dinheiro. O que foi apurado, diz respeito a sua volta, em um dia que choveu no sertão. O caminhão estacionou em frente a casa e descarregaram tudo que tinha, o que não era muita coisa.
A esposa não parecia muito contente, mas os três filhos faziam festa com as poucas cabras que rondavam o quintal e com o cachorro Curisco.

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