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19 fevereiro 2016

HISTÓRIAS SUJAS

Sangue no olho - fonte: google.
Ernande Valentin do Prado

NA ATIVA
  
Colocaram todas as pessoas das filas, deitados com a cara no chão. Gritaram bem alto:
- Só nos interessa o dinheiro do banqueiro filho-da-puta. “Ninguém vai atirar em ninguém, mas por enquanto, todo mundo é refém”!
O vigia escondido, morador do Morro do Piolho, pai de três filhos, por dois mil e quinhentos reais mensais, mais plano de saúde e carteira assinada, resolveu reagir.
O resultado de sua ação, a família vai sentir por toda vida.

DEUS NOS PROTEJA

Os PM são tão machos, com suas fardas imponentes, coturnos engraxados, armas cheirando a pólvora.
Precisa ver como ficou a cara do bêbado insolente.

DOIS MINUTOS

O filho-da-puta, sorrindo, batendo de leve com a carteira na porta do carro, disse:
- Posso multar ou tem acerto?

ALUCINAÇÃO

Ainda não tinha percebido nada, mas ela olhou com a cara amarrada e disse:
- O que que essa biscate tá te olhando?

AINDA NÃO

Ela sorriu, mostrando todos os seus dentes, mas no fim, não enganou ninguém.

QUASE NADA
- Oi!
- Quanto tempo?
- Já pensou...esse poderia ser nosso filho...
- É verdade...
- ...
- mas só se você não fosse uma filha-da-puta.

FARDA

Distraí-me lendo uma carta sob o balcão do bar do Jorge, de costas para rua. Quando olhei para trás, dezenas de PM apontavam armas para cabeça da molecada da vila.
- Enquadra todo mundo, Pereira, gritou o tenente com cara de piá de bosta.
Os piás da vila já estava todos em pé, com as pernas abertas e as mãos levantadas contra a parede. 
- Estão acostumados, pensei perplexo.
Os home xingaram, deram tapas nas caras, chutes nas canelas. Retiraram carteiras dos bolsos e cheiraram, fizeram perguntas constrangedoras.
Depois, sem encontrar nada, o tenente de bosta disse:
- Obrigado pela colaboração, cidadãos. Isso foi para sua própria segurança.

MAIS UM BOSTA

Eles disseram:
- Tudo que precisa fazer é entregar esses panfletos na rua XV!
O nome no santinho, Luciano alguma coisa. Pensei, sem dizer nada:
- Mais um bosta, que vai sumir depois das eleições. Pior, que vai nos foder de todo jeito.
Mas agora, não tenho escolha.

MERDA
- Ele vai morrer hoje.
De hoje não passa, vai morrer hoje.
- Um tiro na boca, outro no cu.
Morre hoje. Filho-da-puta, lazarento.
- Vai morrer hoje. Depois vou jogar o corpo do puto no lixão.

MERDA, PARTE SEGUNDA

São quatro horas, o dia ainda não começou a clarear. O caminhão de lixo vem descendo a rua principal da vila. Na caçamba, jogado fora: um corpo furado de bala e esmagado na paulada.
Lá na vila todo mundo já tá se acostumando com os corpos jogados fora.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

27 março 2015

AS MORTES


Ernande Valentin do Prado

Durante sete anos e meio trabalhei em três hospitais e vivenciei algumas histórias. As que vou contar aqui são as relacionadas à morte.

1

Um dia a mulher teve uma parada cardíaca. Tentamos ressuscitar, mas era a hora dela ir. Foi às 10 para sete da manhã, antes de iniciar o plantão e o dia de toda equipe ficou cinza.

2

Dona Almerinda era pequenina, simpática, engraçada e parece muito frágil. Já tinha 99 anos. Internou diversas vezes ao longo do ano. Sempre rodeada da família, filhos, netos, bisnetos, amigos da família.
Morreu pouco antes das duas da manhã, uns dez minutos depois de minha última passagem pelo quarto. Ainda segurou minha mão e procurou sorrir. Foi sossegada, sem agonia. Acordei sua neta que dormia no sofá e disse que era hora.

3

Cíntia, 26 anos tinha câncer no estômago.  Pediu para morrer em casa. Depois de três semanas passando muito mal, acordou bem. Era domingo e reuniu toda família. Almoçaram juntos, sorriram, brincaram e brigaram como sempre se faz nestas ocasiões. Não teve náusea, não vomitou nem dor sentiu. Depois do almoço deitou-se para descansar, chamou um por um da família e despediu-se. Por último despediu-se do noivo, ali sempre presente desde que a doença apareceu. Pediu autorização e foi embora.

4

Na noite de natal seu Alfredo ainda estava lá. Já tinha seis meses que ia e voltava de casa em intervalos curtos. Toda família em casa, mas ela não faria isso.
Ela disse, ao ver o Papai Noel voluntário sair do elevador e entrar no setor: ele adorava a noite de natal e papai Noel.
Papai Noel, com sino na mão e saco nas costas cheio de balas e pirulitos entrou no quarto de todas as crianças. Por último entrou no quarto de seu Alfredo. Obrigado, disse-me ela no final, mas ele nem percebeu.
Eu sei, disse-lhe, queria que ele visitasse a senhora.
Às seis da manhã seu Alfredo morreu. Ela disse Adeus sem culpa e antes de ir embora pela última vez foi se despedir.

5

Ela passou mais ou menos 20 dias internada. Sem família. Basicamente os técnicos e auxiliares de Enfermagem não a deixavam sozinha. Às 23 horas daquele sábado ela morreu. Uma auxiliar de Enfermagem segurava sua mão. A família chegou com roupas de festa. Estavam nervosos, falavam alto e diziam que ia processar o hospital.

6

Mario passou por uma cirurgia pequena, bem simples. Ele tinha um bigodão enorme e transparecia simpatia por todos os poros.
A esposa, Clarice, mulher bem jovem, loira, alta bonita, ficou de acompanhante os dois dias da internação. Eram dentistas no interior do estado. Na passagem de plantão, às 19 horas, despediu-se da equipe que não veriam mais. No dia seguinte, domingo bem cedo iriam embora.
Noite silenciosa e calma demais, daquelas que davam muito apreensão em qualquer profissional de Enfermagem. Por volta das duas da manhã estava conversando com o médico residente que apareceu no quinto andar sem ser chamado. Coisa estranha e rara de acontecer.
- Está tudo calmo demais e resolvi dar uma volta, disse ele.
Clarice saiu gritando no corredor:
- Acode aqui, acho que o Mario está muito quieto.

7

Dom Pedro, 102 anos. Incontáveis internações nos dois últimos anos. Naquela noite, Juan, seu médico em todas as internações, me chamou num canto e disse:
- Vai ficar aqui a noite toda?
- Vou sim.
- Dom Pedro não quer ir para UTI. Não deixe que o levem se ele parar. Qualquer coisa me liga que venho aqui.
As três da manhã o residente queria lhe entubar e levar para UTI. Eu pergunte:
- Para quê?
Ele não respondeu, apenas empurrou a cama pelo corredor, mas antes de chegar ao corredor Juan chegou.

8

Primeiro quatro Policiais militares entraram correndo e gritando. Carregavam um colega com o peito todo ensanguentado. Tiro no coração, a cabeça pendida para o lado. Lembro até hoje, nunca tinha visto coisa igual.
Deixaram o colega na unidade de trauma. Um dos homens, o mais jovem, agachou entre as próprias pernas e chorou. Foi amparado por um colega mais velho.
Alguns minutos depois entrou todo ensanguentado um sujeito carregado pelos braços por dois policiais militares. As penas arrastando no chão. Do meio das pessoas na recepção um homem correu em sua direção e lhe deu um soco.
- Assassino, gritou ele.

9

Vi uma ambulância encostada na casa de Maria, no fim da rua. As filhas entrando e saindo da sala. Maria teve uma parada cardíaca fulminante.  Não houve o que fazer.

10

A filha carpia o quintal. Usava chapéu e camisa de manga cumprida para se proteger do sol. Dona Gertrudes estava coberto de feridas. Não dava nem para fazer curativo.
 - Tem quanto tempo que está assim?
- Uns três meses, disse ela.
- Vou limpar as feridas, mas vai precisar ir ao hospital, pois tudo que eu posso fazer ainda será pouco.
No dia seguinte a filha passou na UBS para agradecer a boa vontade, mas a mãe morreu no hospital naquela noite.

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-eiras]


01 agosto 2014

O COTIDIANO NO APOCALIPSE ZUMBI


Ernande Valentin do Prado
1. Um lance que deu errado

O pessoal da tropa de choque está lá fora.
Todos com vontade de acabar logo com isso.
Mas hoje eu não vou deixar de ser eu.

2. Na calçada

A gente não vê mais eles dormindo nas calçadas
Mas não significa que não estejam lá.
Apenas que perdemos a capacidade de ver (ou de se importar)

3. No meio da rua

Tem um garoto morto no chão. Em volta uma poça de sangue e dois PM.
Morreu roubando uma galinha assada, destas de televisão de cachorro.
Do outro lado da rua um empresário revisava um novo edital do governo.

4.  Vídeo – isso aqui é uma guerra.



5.    Num posto de saúde perto de você

A senhora precisava trazer o cartão SUS e o número do prontuário. Cadê?
Eu esqueci em casa: são tantos cartões. 
- Vai ter que buscar, senhora, não vou procurar ficha por ficha o seu nome.

6. Na escola do bairro

– Diretora, não sei mais o que fazer com o Alfredo.
- É aquele garoto que o pai tá preso por matar a mãe?
- Esse mesmo. Melhor expulsar da escola, não aguento nem olhar na cara dele.

7. Numa palestra paga

Falas importantes de um famoso escritor de autoajuda, que vende milhões em livro todo ano: as mulheres são show; as mulheres dominam os homens, mulheres são todas lindas.
Mais 24 mil por em sua conta bancária.

8. Numa rua de Salvador

– Por favor, pode dizer onde fica a rua Senador Gouveia.
- Vai tomar no cu. Quer saber endereço compre um mapa, turista do caralho.
- Obrigado.

9. Universidade pública

– Não importam os objetivos da pesquisa, mas o financiamento.
- Mas como aprovar o projeto?
- Tenho um amigo na comissão. Depois a farmacêutica nos passa os objetivos.

10. A fala do advogado

Senhor juiz, senhor promotor, senhores jurados, todos nós sabemos que mulher de minissaia na rua, depois das 22 horas só pode tá procurando, não é verdade? O meu cliente aqui, homem respeitado, pai de família, da igreja, é que é a vítima.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

24 janeiro 2014

QUANDO AS BOMBAS CAIRAM (DEUSES DE KOBOL)

Ernande Valentin do Prado
foto: a hora h - Ernande.

Depois de 40 anos de trégua forçada, mas não desejada de fato, em um guerra sem vencedores, quase ninguém se preocupava muito e as vidas continuavam sua rotina implacável. Quando as bombas caíram, anunciando a hora da vingança, Cáprica, a mais próspera das 12 Colônias de Kobol, foi devastada em poucos minutos. Mas não foi só, outras 11 colônias humanas tiveram o mesmo destino e a raça humana entrou em extinção. O que aconteceu depois é fato fartamente documentado: uma caravana maltrapilha vagou no espaço em busca da 13ª colônia e de um recomeço.
Quando as bombas caíram o que estariam fazendo os habitantes de Cáprica? Pessoas anônimas perderam sua vida neste dia, pessoas não muito diferentes de nós, imagino. Os relatos aqui reunidos são fragmentos deste dia: estórias banais de pessoas vivendo suas vidas banais em um dia especial para humanidade. Esses fragmentos foram “inventados”, mas bem poderiam ser verdade, mudando um detalha ou outro, “assim dizemos todos”.

1. Gloria estava no banheiro escovando os dentes quando viu o primeiro “clarão”. Não teve tempo nem de ligar a TV para descobrir do que se tratava aquele brilho hipnotizante.

2. Mário rezava para os Deuses de Kobol ajoelhado para o nascer do sol e sentiu que estava diante de um sinal divino.

3. Clarisse estava em trabalho de parto. Não percebeu nada do que acontecia. Ainda teve tempo de amamentar Aline pela primeira e última vez.

4. Pedro cortava a grama da casa do avô de 96 anos, que estava eufórico com a visita do neto depois de dois anos de uma viagem de mochila pelo interior.

5. Alberico preparava um golpe na seguradora imobiliária em que trabalhava. Dinheiro suficiente para mudar sua vida. Iria transferir uma quantia imoral para sua conta e um “laranja”, Mário, padrinho de seu filho mais velho, levaria a culpa. Quando recebeu o impacto da primeira onda de calor, estava digitando os últimos códigos numéricos da transferência do dinheiro para um paraíso fiscal.

6. Zaqueu não chegou a ver as bombas caindo. No mesmo instante morria afogado em uma enchente. Porém salvou a vida da pequena Maria, que foi levada de sua casa pela enxurrada. Ela viveu apenas três meses de muita miséria ao lado de seus país viciados em drogas ilícitas.

7. Simonal, soldado de Gemini, uma das 12 Colônias, recebia instrução sobre como conseguir confissões do inimigo. Era sua primeira semana na Academia Militar de Cáprica. Pela janela panorâmica da escola de guerra viu dezenas de explosões antes de sentir o impacto da onda de calor. Seu instrutor, de costas, explicava que os solados inimigos também sentiam dor, assim como os humanos.

8. Cristino não dormiu na noite anterior ao fim, estava ocupado com o inicio da quimioterapia para tratamento do câncer de pulmão. Malditas fabricantes de tabaco, pensava ele enquanto sentia pena de si mesmo.

9. Sinval, de 14 anos, deu seu primeiro beijo em Anailda. Estava muito feliz, havia ensaiado para aquele momento muitas vezes. O coração batia tão acelerado que sentia medo dela perceber. Quando viu o clarão achou que era sua felicidade se desenhando no horizonte. 

10. Aluízio, ao ver a primeira explosão, pensou: é hora de fazer alguma coisa para salvar a raça humana, mas uma segunda explosão interrompeu seu pensamento.
Foto 2: Holocausto - Ernande.
                          [Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

14 setembro 2013

10 HISTÓRIAS SEM FIM (FICÇÃO, MAS NEM TANTO)

Ernande Valentin do Prado




1.
- Alô...
- Oi, quanto tempo.
- Pois é... Sonhei com você essa noite...
- Conta...
- Eu pedalava e passei em frente da sua casa. Você estava no quintal e me chamou para entrar.
- ...
- Quando acordei, uma coisa não me saiu da cabeça.
- O quê?
- Por que você me chamou para entrar?
- Eu não faria isso, você sabe...

2.
Honestamente?
Às vezes não sei se ainda acredito mesmo.

3.
Se eu fosse capaz de levar desaforo para casa,
sinto que seria mais fácil.
Não seria confundido
nem julgado apressadamente.
Se eu fosse capaz de me calar,
de aceitar que a injustiça é inevitável,
seria mais aceito.
Não me mudaria tanto de terreiro.
Sei não,
talvez eu não fosse eu
e não fosse reconhecido em casa,
no trabalho
e nem nas fotografias.
Meu estômago doeria,
não me olharia no espelho.
Talvez se eu não tivesse tanta urgência,
tanto medo de ser confundido com qualquer outro,
não me confundiriam tanto.
Talvez, (só talvez), pudesse sorrir mais,
passar despercebido,
até ser confundido.
Mas eu não seria eu,
talvez um outro,
mais aceito, mais sorridente,
mais feliz (talvez), mais conformado (talvez),
mas não eu.
Talvez, (mas só talvez).

4.
O dente doeu a noite toda.
Quando o dia amanheceu, ela não aguentava mais. Precisava cortar os pulsos (de alguém).

5.
Pensou no suicídio como solução, mas era óbvio demais.
Tudo bem se matar, mas ser óbvio é inaceitável, (pensou enquanto caminhava até o consultório).

6.
Ela ateou fogo ao próprio corpo, depois se atirou no mar azul (lindo até não poder mais).

7.


8
Minha filha de cinco anos volta da escola. Pergunto:
- O que aprendeu hoje?
Muito séria, responde:
Aprendi a ficar quieta e não bagunçar para poder brincar no recreio.

9.
Uma vez eu vi, (ninguém em contou), meninos que viviam na rua tomando banho no chafariz da Boca Maldita (Curitiba).
Um menino de apartamento ficou olhando (com inveja) e quando não aguentou mais, tirou a roupa e foi brincar com eles.
Algumas vezes o encontro acontece e crianças podem ser só crianças (por alguns minutos ou horas).
Fiquei lá olhando, morrendo de inveja por não ser mais só criança.

10.
O ponto de partida é a casa. Não a foto da casa, mas a casa abandonada.
A CASA
A casa foi erguida há muitos anos por Sibilino de Oliveira, que após passar 25 anos em Santos, comprou as terras de Frederico Paiva, ex-patrão de seu pai.
Sibilino ainda lembra o dia em que, com cinco anos, disse a seu pai:
- Ainda vou ser dono destas terras.
O pai, seu Pedro da Cabaça, não era muito de rir, mas teria rido do sonho do filho. Dava graças a Deus todo dia por não passar fome. Sonho de possuir uma terra já teve, mas não lembrava mais quando foi exatamente.
Sibilino cresceu, foi para o sudeste, onde não se sabe exatamente o que fez para juntar o dinheiro. O que foi apurado, diz respeito a sua volta, em um dia que choveu no sertão. O caminhão estacionou em frente a casa e descarregaram tudo que tinha, o que não era muita coisa.
A esposa não parecia muito contente, mas os três filhos faziam festa com as poucas cabras que rondavam o quintal e com o cachorro Curisco.

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