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14 setembro 2013

10 HISTÓRIAS SEM FIM (FICÇÃO, MAS NEM TANTO)

Ernande Valentin do Prado




1.
- Alô...
- Oi, quanto tempo.
- Pois é... Sonhei com você essa noite...
- Conta...
- Eu pedalava e passei em frente da sua casa. Você estava no quintal e me chamou para entrar.
- ...
- Quando acordei, uma coisa não me saiu da cabeça.
- O quê?
- Por que você me chamou para entrar?
- Eu não faria isso, você sabe...

2.
Honestamente?
Às vezes não sei se ainda acredito mesmo.

3.
Se eu fosse capaz de levar desaforo para casa,
sinto que seria mais fácil.
Não seria confundido
nem julgado apressadamente.
Se eu fosse capaz de me calar,
de aceitar que a injustiça é inevitável,
seria mais aceito.
Não me mudaria tanto de terreiro.
Sei não,
talvez eu não fosse eu
e não fosse reconhecido em casa,
no trabalho
e nem nas fotografias.
Meu estômago doeria,
não me olharia no espelho.
Talvez se eu não tivesse tanta urgência,
tanto medo de ser confundido com qualquer outro,
não me confundiriam tanto.
Talvez, (só talvez), pudesse sorrir mais,
passar despercebido,
até ser confundido.
Mas eu não seria eu,
talvez um outro,
mais aceito, mais sorridente,
mais feliz (talvez), mais conformado (talvez),
mas não eu.
Talvez, (mas só talvez).

4.
O dente doeu a noite toda.
Quando o dia amanheceu, ela não aguentava mais. Precisava cortar os pulsos (de alguém).

5.
Pensou no suicídio como solução, mas era óbvio demais.
Tudo bem se matar, mas ser óbvio é inaceitável, (pensou enquanto caminhava até o consultório).

6.
Ela ateou fogo ao próprio corpo, depois se atirou no mar azul (lindo até não poder mais).

7.


8
Minha filha de cinco anos volta da escola. Pergunto:
- O que aprendeu hoje?
Muito séria, responde:
Aprendi a ficar quieta e não bagunçar para poder brincar no recreio.

9.
Uma vez eu vi, (ninguém em contou), meninos que viviam na rua tomando banho no chafariz da Boca Maldita (Curitiba).
Um menino de apartamento ficou olhando (com inveja) e quando não aguentou mais, tirou a roupa e foi brincar com eles.
Algumas vezes o encontro acontece e crianças podem ser só crianças (por alguns minutos ou horas).
Fiquei lá olhando, morrendo de inveja por não ser mais só criança.

10.
O ponto de partida é a casa. Não a foto da casa, mas a casa abandonada.
A CASA
A casa foi erguida há muitos anos por Sibilino de Oliveira, que após passar 25 anos em Santos, comprou as terras de Frederico Paiva, ex-patrão de seu pai.
Sibilino ainda lembra o dia em que, com cinco anos, disse a seu pai:
- Ainda vou ser dono destas terras.
O pai, seu Pedro da Cabaça, não era muito de rir, mas teria rido do sonho do filho. Dava graças a Deus todo dia por não passar fome. Sonho de possuir uma terra já teve, mas não lembrava mais quando foi exatamente.
Sibilino cresceu, foi para o sudeste, onde não se sabe exatamente o que fez para juntar o dinheiro. O que foi apurado, diz respeito a sua volta, em um dia que choveu no sertão. O caminhão estacionou em frente a casa e descarregaram tudo que tinha, o que não era muita coisa.
A esposa não parecia muito contente, mas os três filhos faziam festa com as poucas cabras que rondavam o quintal e com o cachorro Curisco.

01 junho 2013

Onde Clara se escondeu?

Onde Clara se escondeu?
Maria Amélia Mano





Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo...
Caetano Veloso

                Clara menina, brinca de se esconder. Conta até dez, pulando os números. Tem coisa melhor que errar a conta? E no "dez" correm os  dois olhos marrom-terra-sabiá-curioso. Duas ilhas mágicas, travessas, distantes, sem portos, sem faróis, sem lugar de chegar ou partir. Dois sóis raiando. Duas luas encantando. Dois barcos e velas ao vento, vagando. Dois mundos...

                Esses mundos que criamos sozinhos, mundos-borboletas e joaninhas, brincando em suaves  voos  entre uma roda gigante e um pega-pega, um balanço e um pula-pula. Todas as aventuras criadas entre calçadas, caminhos, colos, fronhas, fadas, sonhos sem pretensão de futuro, sem plano, sem rota, só o brilho eterno do momento que corre descalço.

                O momento-instante em distantes terras de pular ,  terras de plantar sementes, subir em árvores coloridas com guache e lápis de cor. Cor que preenche o papel, os vazios, o desejo  de conversar sozinho, de abraçar o vento e cantar canções sem refrão, sem fim. Criar infinitos poemas sem rima, versos perdidos em risos e danças sem ensaio.

                Clara menina,  brinca de se esconder. E no passo solto, inventa  a dança, o carrossel, a história e um outro castelo, outra princesa, outro céu no fim da amarelinha. Vai-vem esse olhar-luar  no balanço que a vida espreita e namora. No esconderijo, sussurra um segredo o tempo-ciranda, tempo-roda gigante, tempo-fantasia: passa-passará...




06 maio 2013

E ternas são as velhas árvores


Tive a sorte de ter pais que me deixassem ser criança e que ainda por cima me deram duas maravilhosas parceiras de eternas brincadeiras, minhas irmãs. Eternas sim! Parafraseando o poeta, que a brincadeira seja eterna enquanto dure.Enquanto durarmos, brincaremos! 

Tive a sorte de ser criança até adolescente e de contar com o mundo maravilhoso da calçada no fim da tarde. Mundo de criança do interior espreitada e espiada pelos pais sentados nas portas. Sabíamos onde estava cada pedra mal colocada, cada depressão do paralelepípedo, cada falha. O que fazia tropeçar, torcer o pé, bater no dedão: aventura de quem corre descalça, apesar dos protestos dos pais cuidadosos.

Mas a maior sorte mesmo foi ter uma casa de avó com quintal grande e cheio de árvores e um pai que ama a terra e tudo que nela vive, rasteja, nasce renasce e germina. Com ele, aprendi a não ter medo dos pequenos animais e a respeitar a vida curta deles. Ficava impressionada de como uma mariposa podia viver um único dia e esse era o destino dela. Era tudo o que tinha pra viver.Também com ele, aprendi os nomes das flores e o amor pelas árvores.

O quintal da minha avó tinha muitas árvores, mas me lembro de três que eram sagradas e disputadas para subir e alcançar o galho mais alto: o pé de siriguela, o pé de sapoti e lá no fundo, inatingível e mais sagrado de todos, o pé de tamarindo. Embaixo dessa árvore, foram "plantados" o meu umbigo e o das minhas irmãs. Sensação mágica de caminhar embaixo de sua copa, em cima do tapete de folhas e frutos e pensar que uma parte minha estava ali, uma parte do bebê que fui, da criança que era. Às vezes escavava na esperança de achar o tal tesouro plantado, uma semente? Apesar da mãe dizer que nada mais existia, eu tinha lá minhas dúvidas.

Assim, o pé de tamarindo era mesmo muito respeitado e, pela altura, difícil de subir. Era a árvore rainha. Não era pra todo dia, não era pra qualquer tarde de aventura. E o pé de sapoti? Esse era meio óbvio. Não tinha muito galho pra sentar. Era fácil de subir. Não cabia mais de duas pessoas por vez. Era pra uma tarde de poucas aventuras e muita preguiça. Sem grandes emoções.

Agora, o pé de siriguela, esse sim, merece um capitulo especial, merece uma poesia, uma música. Esse era acolhedor e emocionante como só sabem ser os grandes amigos. Era fácil de subir. Cabia nós três tranquilamente e ainda podíamos circular nos galhos. Podíamos ficar nos galhos mais baixos se desse preguiça ou ainda, nos aventurar nos mais altos, se o dia fosse pra aventura boa. E mais, dava a frutinha... Ai, a siriguela tirada do galho em que se está subida era o que tinha de bom! Depois descobrimos que, embora proibidas, as folhas eram gostosas também. Só os passarinhos comiam, mas quem não quer se aproximar dessa vida de alturas? Quem não quer ter essa alma de asas? Alma também de raízes e de ventos que varrem folhas, tempos...

Criança, assisti à primeira versão do filme O Meu Pé de Laranja Lima do José Mauro de Vasconcelos. De todas as cenas, a que mais me emocionava era o choro de Zezé quando dizia que tinham cortado sua árvore amiga, sua conselheira, companheira de traquinagens, tristezas e pequenas alegrias. Achava o filme mais triste do mundo e a malvadeza mais malvada o corte da árvore. Eu que já acreditava que as árvores falavam mesmo, no filme, tive certeza disso. Falavam e sentiam! A siriguela não me respondia, de certo, pela minha falta de paciência, falta de insistência, falta de tempo pra cutucar e falta de assunto interessante.

Adolescente, já sem tantas asas ou com outras de outros sonhos, já desejava balançar galhos e erguer raízes... Perto de sair de casa pra estudar,lembro de ler Humberto de Campos. Ele detalhava, na meninice de sua Parnaíba, o encontro mágico com a semente da árvore que seria eterna amiga: "quando os meus olhos descobriram no chão, no interstício das pedras grosseiras que o calçavam, uma castanha de caju que acabava de rebentar, inchada, no desejo vegetal de ser árvore." Do desejo de ser árvore... e, aconselhado pela mãe, planta em uma pequena cova e a protege, com pedaços de tijolo e telha, da "fome dos pintos" e da "irreverência das galinhas".

O menino acompanha com afeto a multiplicação das folhas tenras: "E cada uma, estirada e limpa, é como uma língua verde e móbil, a agradecer-me o cuidado que lhe dispenso, o carinho que lhe voto, a água gostosa que lhe dou."

O menino e o cajueiro do menino crescem juntos, sobem – o cajueiro mais que o menino. Passado um ano, estão do mesmo tamanho e com 12 anos, o menino já se sustenta nos primeiros galhos da árvore. O cajueiro vira navio que chega e sai e viaja para outros continentes, quintais vizinhos, visão além das cercas, currais novos. Ventanias e tempestades enfrentam juntos e o menino vira capitão-general! Canta todas as canções melancólicas e singelas de lendas do mar.

Quando a noite vem, o menino descreve o escurecer dos quintais vizinhos do alto de sua nau que, triste do dia terminar, ancora na terra. O menino desce as escadarias do sonho de oceano e inveja o marinheiro perdido na aventura da tormenta que não precisa estudar à luz de um de um lampião de querosene: lição de casa. Lição que pra continuar precisa sair de sua Parnaíba, embarcar para o Maranhão, estudar em outras terras...

E o menino, aos 13 anos, então, se despede de seu amigo. No adeus, abraça seu tronco e o aperta de encontro ao peito-menino: " A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.

-- Adeus, meu cajueiro! Até à volta!". E o menino parte para o mundo, pra ser adulto, homem. De longe, olha por cima da cerca e enxerga a folha mais alta, "pequenino lenço verde agitado em despedida". Vai-se um tempo em que se despedir é a primeira lição de ser adulto.

Já em São Luís, lutando pela vida, o menino-homem recebe uma lata de doces de caju em calda e uma carta da mãe explicando que são "os primeiros cajus de teu cajueiro". E então, o homem-menino chora sozinho. Chora pela doçura, pela ternura da mãe e dos doces, chora porque não teve raízes para ficar em seu quintal. Chora e volta para casa. Reencontra os braços amigos do cajueiro, cheios de folhas, dando sombra a tudo e oferecendo, nos galhos mais baixos, cadeiras às crianças. Descreve toda a beleza da juventude da árvore, a cor e o sabor dos frutos, a sedução dos insetos. No entanto, nova despedida e novo tempo passado. Mais tarde, volta ele, sim, o homem, não mais o menino... Volta ao seu quintal da infância. Ambos não se reconhecem. Não há mais navio e nem ventos, nem aventuras. As fronteiras não se resumem às cercas e os mundos a serem descobertos são maiores que os quintais.

E Tantas São as Velhas Árvores, que inspira o título dessa crônica, é o nome do penúltimo capítulo de O Meu Pé de Laranja Lima. Reencontrei e ressignifiquei essa história há um ano, quando fiz questão de assistir, meio nervosa, confesso, a apresentação do lançamento do audiolivro do romance. Sabia o fim, ou melhor, pensava que sabia o fim. Criança, eu não entendi o fim e me espantei. Ouvi bem: o pé de laranja lima não foi cortado! Zezé, o menino pobre do romance, perde um amigo. Na dor, ele não vê mais as poucas árvores do quintal como uma selva, o valão não era mais o rio amazonas e a galinha pretanão era mais a pantera negra. Na verdade, a árvore que falava e aconselhava era parte daquele mundo mágico de criança que morreu com a perda. O desencanto.

Zezé, doente de tristeza, recebe a visita da irmã trazendo a primeira flor do pé de laranja lima. Uma flor branca que, segundo Zezé, é a despedida da árvore, como um lenço branco, como a folha verde alta do cajueiro. Como se crescer, amadurecer, florescer, de alguma forma, tivesse um preço, uma perda: a infância. Sim, os meninos, um dia, perdem suas naus, suas aventuras, suas medalhas, seus voos e tempestades... O tempo, os outonos e suas folhas caídas na terra provam que a vida é uma sucessão inevitável de perdas para que se conquistem frutos e mais flores...

Diminuindo as dores desse caminho de se tornar homem, mulher,está a ternura que salva a alma do desencanto. A ternura da mãe que manda o doce dos primeiros cajus com uma carta. A ternura que Zezé, adulto, também lembra como necessária para a vida. Sim, ensinar a ternura da vida é arte e missão dos que acompanham o florescer de crianças-sementes no desejo de serem árvores. Por isso, em vez de E Tantas São as Velhas Árvores, coloquei E Ternas São as Velhas Árvores. Porque assim, ternas, devem ser as grandes travessias de tempos, de outonos, de passagens, com suas perdas, com suas conquistas. E porque ternas devem ser as descobertas e mesmo as lágrimas.

As palavras brincam... E ternas... Eternas... Eternas devem ser essas velhas folhas e esses velhos galhos. Eternas em jeitos de lembrar, em jeitos de caminhar e ter esperança. Eterno deve ser o marujo em suas tormentas de ir e vir e desbravar quintais como se fossem mundos... e são! Eterna deve ser a mania de encontrar vida e afeto e jeitos de abraçar em uma planta, um vento, um silêncio de montanha ou deserto. Porque tudo isso é percurso e é aventura e é meninice e é a grande brincadeira de viver. E que se viva sem perder esse entusiasmo pelo que há de vir e esse afeto pelo que já foi, não só pelo respeito à história, mas porque algo de velho, algo de nós deve sempre permanecer, buscando embaixo de cada árvore as sementes do que fomos, do que somos e do que ainda desejamos ser.

Inspirações:

José Mauro de Vasconcelos – O Meu Pé de Laranja Lima
Humberto de Campos – Memórias Minha infância

Curiosidades:

As duas obras citadas são autobiográficas.
José Mauro de Vasconcelos chegou a fazer 2 anos de Medicina mas saiu "a correr mundo", foi pescador, carregador de banana, treinador de boxe, professor, garçom, modelo e até acompanhou os irmãos Villas-Bôas!

O cajueiro de Humberto de Campos está dentro do jardim e Praça do Cajueiro de Humberto de Campos, construído há mais de 50 anos e é hoje um dos principais pontos turísticos de Parnaíba, no litoral piauiense. Foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IPHAN.

Medos:


Ver o novo filme O meu Pé de Laranja Lima que já está em cartaz. Desconfio que há sempre algo novo, emocionante e comovente nessa história que me faz chorar desde criança.

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