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05 março 2014

Distância


Caminho entre Dublin e Galway, lembra-me o caminho para a Barra

     Sempre acreditei que a distância aguça os sentidos. Agora vivendo do outro lado do Atlântico percebo que faço parte de uma pequena cidade do interior irlandês, assim como ela faz parte de mim.

      Porém, com meu coração que é do mundo, mas também brasileiro visito a comunidade da Barra repetidamente, caminho pelo Hospital Universitário e vou as reuniões da Liga de Educação em Saúde contando as histórias que vivi para as pessoas daqui. 

     A alma pescadora vê no mar de Galway os barcos da comunidade da Barra no Brasil. E penso com carinho nas pessoas especiais que mesmo distantes também fazem parte de mim. E assim vamos virando essa misturança de experiências, sabe aquela "alma de mundo"? Em algum momento a costura das vivências se tornou mais intensa que a sutura do corpo, aprendo sobre gente, não apenas sobre corpos.

     O ar frio entra nas minhas narinas e a lua no céu não parece tão distante das pessoas queridas. Toco com palavras a comunidade e mesmo distante as artesãs continuam a me ensinar.


Voam abraços,

Mayara Floss

[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 às 4as-feiras]

23 novembro 2013

A colcha de retalhos


    Chega um momento da faculdade que você percebe quase todos ao seu redor infelizes, tristes com o curso, com o ser médico, abatidos porque estão internados, porque são pacientes. Gira um certo descontentamento por todos os motivos desde a dor até a carga horária. A felicidade é estar no lugar certo e poder ser sem fazer o tempo inteiro. E foi nessa felicidade original que cada um constrói para si que decidi fazer da medicina meu autoconhecimento, não que eu consiga fazer isso o tempo inteiro, mas é a minha tentativa.

    Caso contrário a vida é muito curta para ser pequena. Sempre vai faltar alguma coisa, o que importa é saber se isso, mesmo depois de suprir essa falta, irá me fazer plena ou deixar-me mais vazia. Eu preciso transbordar. Hoje, a Liga de Educação em Saúde estava lá junto com a comunidade para o anúncio da implementação da Estratégia de Saúde da Família na Comunidade da Barra.

    Estava um dia de sol, mas de vento gelado, como são a maioria dos dias da Barra. Chegamos (eu e a Clarissa) cedo e encontramos o enfermeiro Beto e sua esposa Rosane no CTG – Xirú da comunidade. Apesar de dias de cansaço e de certo desanimo, porque somos todos humanos, sempre tem aquela força e energia para encontrar pessoas especiais que tem um sentido muito mais profundo do que apenas ter, mas de fazer diferente. Sair do mundo de concreto e diretrizes médicas é revigorante. Já chegamos e começamos a organizar o espaço, varrer todo o salão central, carregar os bancos, organizar o local para a recepção da Secretaria de Saúde e dos representantes da Estratégia de Saúde da Família.
Foto: Clarissa Côrrea
     Sabe, mesmo que a ciência queira subdividir as patologias, sistematizar o corpo humano, o ser humano não nasceu com manual de instruções. A comunidade não tem manual de instruções e é esse eterno desvendar é que faz o tempo valer a pena. A parte mais marcante da reunião foi certamente a Suzi (líder dos Grupos de Artesã da Barra) perguntando e cobrando sobre a Construção do Conselho Local de Saúde e saber que essa movimentação que começamos com conversas sobre o Sistema Único de Saúde e a tentativa de construção do Conselho Local de Saúde influenciaram na decisão da implementação da Estratégia de Saúde da Família na Barra.
Foto: Clarissa Côrrea
     Essa vontade de ser mais de cada um é o que faz não sentir medo de ser feliz, de poder estar completo junto com os outros, de compreender que mesmo completamente diferentes e originais, somos muito iguais, independente de formação, faculdade, graduação, MBA, mestrado, doutorado, alfabetização. Não é essa educação de níveis que nos faz saber mais ou menos, é perceber as nossa pluralidade humana. No final da reunião me perguntaram (o pessoal da prefeitura) se eu morava na comunidade, eu disse que não, mas é absolutamente incrível perceber que eu faço parte dela, mesmo morando a 20km de distância. Afinal, todos fazemos, mas nem sempre nos damos conta.
    Fazemos parte da mesma linha que costuram os pedaços de nós em uma colcha infinita de retalhos. E devemos parar de deixar a felicidade para a próxima parada, vou ser feliz depois que o ano letivo terminar, depois que eu me formar, depois que eu comprar um carro, depois que eu tiver dinheiro, depois que meus filhos crescerem, depois que eu me aposentar. Deixamos a vida para a próxima estação, enquanto ela se desdobra, como se desdobram as ondas da lagoa na Barra, como se enrola a linha que a artesã costura para formar nossa colcha de retalhos. A felicidade está na Barra, na medicina e por onde os meus pés me levarem, sem paradas ou estações. 

Reunião para conversar sobre a tireoide depois da reunião com a secretaria, nós segurando as colchas de retalho que servirão para a capa do Livro de vivências da Liga de Educação em Saúde.
Voam abraços,

Mayara Floss

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