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05 março 2014

Distância


Caminho entre Dublin e Galway, lembra-me o caminho para a Barra

     Sempre acreditei que a distância aguça os sentidos. Agora vivendo do outro lado do Atlântico percebo que faço parte de uma pequena cidade do interior irlandês, assim como ela faz parte de mim.

      Porém, com meu coração que é do mundo, mas também brasileiro visito a comunidade da Barra repetidamente, caminho pelo Hospital Universitário e vou as reuniões da Liga de Educação em Saúde contando as histórias que vivi para as pessoas daqui. 

     A alma pescadora vê no mar de Galway os barcos da comunidade da Barra no Brasil. E penso com carinho nas pessoas especiais que mesmo distantes também fazem parte de mim. E assim vamos virando essa misturança de experiências, sabe aquela "alma de mundo"? Em algum momento a costura das vivências se tornou mais intensa que a sutura do corpo, aprendo sobre gente, não apenas sobre corpos.

     O ar frio entra nas minhas narinas e a lua no céu não parece tão distante das pessoas queridas. Toco com palavras a comunidade e mesmo distante as artesãs continuam a me ensinar.


Voam abraços,

Mayara Floss

[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 às 4as-feiras]

24 maio 2013

No fio

Sabe, existem algumas pessoas que você tem certeza que são amigos de infância, mas na verdade vocês se conheceram a poucos minutos e de repente parecem que se conhecem desde a tenra existência. Pessoas especiais que basta um olhar para você ficar convencido e algumas palavras para você começar a buscar memórias, porque não seria possível imaginar que você e essa pessoa não se conheciam antes. Laços de amizade profundos criados em poucos instantes.

Isso acontece poucas vezes. Certo dia fui visitar a Comunidade da Barra, ir conhecer lá, uma vila que dizem ter uns três mil habitantes, a economia gira basicamente em torno da pesca. Além do Porto que parece colocar suas garras, digo guindastes, quase que por cima da comunidade para impor a sua expansão. São pessoas que não podem construir casas porque a todo momento há a desconfiança de que alguém irá tirar deles aquele canto onde trabalham e vivem.

O caminho da Barra é todo cheio de contrastes, pegando o caminho que sai do Hospital Universitário do Rio Grande até a Barra . Você sai do centro da cidade de Rio Grande, andando por trechos de calçamento e asfalto hora acompanhado pela Lagoa dos Patos, pelo Porto, pelos casebres perto do Porto, pelas fábricas, pela fumaça, pelo trânsito, pela natureza... E a Barra fica assim em uma linha divisória entre o Porto do Rio Grande e a Praia do Cassino.
 
Ida para a Barra

Essa é a visão de fora da Barra. Mas de dentro é muito mais bonita e eu quis conhecer o grupo de Artesãs da Barra do qual eu já tinha comprado um chaveiro em formato de tartaruga. Quando fui conhece-las elas estavam no final de uma reunião e fiquei muito encantada com o grupo, com a força que emanava daquelas mulheres. Logo comecei a falar de um projeto que eu participava chamado “Liga de Educação em Saúde”, começamos a conversar sobre saúde logo que elas descobriram que eu era aluna do curso de medicina.

Pensei que talvez se elas quisessem poderíamos tentar visitá-las com mais frequência, tentar nos conhecer melhor e que elas conhecessem o projeto. Elas disseram que tudo bem até, após uma longa conversa, mas que elas tinha uma grande encomenda de artesanato e que iriam demorar para poder nos receber. Foram várias encomendas, mas sempre íamos lá para conhecer melhor o grupo, passagens rápidas nos intervalos de algumas atividades delas no final de semana. Sempre fomos bem recepcionados, logo sabíamos o nome da maioria das mulheres e elas sabiam o nosso nome, tinham nos apelidado e faziam brincadeiras com nós.

Nem bem percebíamos e depois de cruzar vários finais de semana a estrada da Barra já fazíamos parte de certa maneira daquele grupo de mulheres. Então um dia elas disseram que poderíamos fazer uma reunião que elas chamariam outras mulheres e nesse dia pensamos na nossa grande responsabilidade para conhecermos, é como se passasse uma energia estranha um misto entre animação e responsabilidade. Organizamos uma Kombi via universidade, foi difícil conseguir a viatura, mas insistimos – como sempre.
Dentro do centro comunitário da Barra com os artesanatos e ouvindo e aprendendo com a artesã Susana. Foto: Ernande
 Em um determinado instante nos transformamos em protagonistas juntos com as Mulheres e artesãs da Barra. Logo que conhecia líder do grupo a Susana, no primeiro dia que fui lá, percebi a força que emanava do trabalho delas. Precisou um olhar, poucas palavras e um abraço para sabermos que poderíamos confiar uma na outra. E assim tem sido, com os colegas da Liga, com os amigos de infância de pouco tempo que tenho feito ao longo desses quatro anos de medicina.
 
As reuniões tem acontecido em meio a relatos, a vivências e a intensidade que é viver. Nem sempre pude participar das reuniões, nem sempre a grade curricular e generosa com os acadêmicos. Mas nas reuniões teóricas ouvíamos o tocante viver dos relatos nas palavras dos nossos colegas. A Barra tem um quê de especial, uma teia envolvente, logo que você chega naquelas ruas de casas coloridas. E assim vamos vivendo nesse tênue fio da vida, das artesãs, da linha dos pescadores, da medicina e de nós.
Visão da casa de uma artesã, uma teia, um fio que nos envolve. Foto: Ernande

21 abril 2013

Da origem deste desejo....



Rua Balsa das 10 é um desejo. Ele nasce depois de perplexidades, desencantos, dores, etc. Mas principalmente nasce depois de gravidez amorosa de meses, de conversar, de intuir, de dizer: é possível outro caminho que não seja esse do poder e das grandiosidades vaidosas e destruidoras!

O nome, corriqueiro e misterioso, é homenagem ao querido Luan, menino de Santos, sensível e curioso, que corre contra o vento, na vagarosidade das certezas que virão - a da próxima balsa. Nele, nesse nome névoa, vento sul, agradecemos a sorte de termo-nos juntado, como uma balsa que encosta em outra, nesses dias de grandeza do ínfimo, em Rio Grande e Pelotas.

A ideia de fazermos empreendimentos outros, com pouco dinheiro, sem a prepotência de quem fala pelos outros, na discrição de escutas e olhares atentos e amorosos, no "viver real das pessoas", na "amorosidade contra o que?", nas incertezas gostosas que a surpresa do dia depara - e prepara, distraída.... essa ideia nos ronda, nos urge, nos diz: quebra logo essa lógica do óbvio, essa burrice da mesmice, esse assassinato lento das ideias e dos termos e conceitos tão cuidadosamente gestados e lançados ao mundo décadas atrás.

A questão será ser claros sem ser claros. Não doutrinar. Rir dos totens e das unanimidades. Fazer gozação daquele que sente-se superior, dos que por baixo dos panos cozinham um paraíso deles.

Sentir o vento sul da Balsa das 10 atravesando a laguna dos Patos.

Aonde irá nos levar? o que iremos deixar? que alegrias trará? que tempo de viver terá? quais filhos irão mesmo crescer? sei lá.

Como mergulhados no mundo da saúde que somos - todos, administradores, mentores, autores, produtores, sonhadores... nossas metáforas e chavões irão nos invadir em sonhos e em vigílias. Iremos sim, no romper das cascas, azeitar as ferrugens, mexer com mindinho o timão da balsa, deixar estas postagens destinadas.

Por trás das casas da Barra, onde o gelo espiona as ondas, e o lixo mistura com flores do Sul... lá se caça a imagem, o som da palavra e da cantoria (milongas), a batida cardíaca dos poemas metafísicos e solitários.

A Rua da Balsa das 10 está atravesando.

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