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23 janeiro 2015

HISTÓRIAS OUVIDAS (ACONTECIDAS) NOS ÔNIBUS

PARTE IV: DESTERRO
Ernande Valentin do Prado



2013 – novembro.
Linha Dias D’Ávila - Salvador.

Não lembro porque havia ido à Salvador. Na volta entrou uma mulher e o filho adolescente. A mãe sentou-se ao lado de uma conhecida, no banco à minha frente. O menino no banco ao meu lado.
- Nossa, quanto tempo não te vejo, disse a amiga.
- Eu me mudei para minha casa minha vida.
- E tá gostando de lá?
- Eu não tô gostando não. A casa é melhor, tem mais espaço. Tenho banheiro dentro de casa, mas gostava mais daqui.
A mulher fazia referencia ao lugar onde ela entrou no ônibus. Um “bairro” irregular com casas precárias em um encosta.
- Achei que lá fosse bom. O Gustavo tá gostando? Disse a mulher olhando para o menino.
- Tá nada, ele pede para voltar todo dia.
- Eu não tenho mais amigos. Na escola não conheço ninguém, disse o menino.
- A gente não tem um conhecido, não tem um vizinho lá. É um monte de gente que a gente não conhece. Uns escutam som alto e se a gente vai falar, já viu né.
- Aqui eu já tinha meus amigos, já conhecia os professores. Lá não tô gostando. Acrescentou o filho.
- Mas tem pouco tempo que estão lá, logo vão se acostumar.
- Acho que não vou não. Já tem seis meses que a gente se mudou. Dá vontade vender a casa e voltar prá cá.
- Mas não pode vender né?
- Dizem que toma a cada da gente....
As duas mulheres continuara a conversar. Chegou minha vez de descer e não pude continuar ouvindo a conversa. Na semana seguinte fui convidado para uma reunião na Prefeitura para debater a situação das famílias do “Minha casa minha vida”. A pessoa responsável pela ambientação das famílias expos tudo que foi feito, o que ainda seria feito e qual o orçamento. Em resumo, ela tentou convencer os presentes que as famílias do “minha casa, minha vida” estavam muito satisfeitas com suas novas casas, seu novo bairro. Contei à conversa que ouvi no ônibus e aproveitei para falar da minha experiência com os “Condomínios”, mas ante de concluir a fala, fui convidado a me retirar, pois estava atrapalhando o propósito da reunião.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

19 dezembro 2014

HISTÓRIAS OUVIDAS (ACONTECIDAS) NOS ONIBUS





PARTE III: COMPRA UM CAVALO PARA GENTE

Ernande Valentin do Prado


2014 – junho
João Pessoa – PB. Linha 5605 – Mangabeira - Shopping.

Por volta das 18 horas voltava para casa. No trajeto dois meninos entraram pela porta dos fundos. Eu estava sentado próximo (sempre fico na parte traseira do ônibus, pois em João Pessoa os ônibus só abrem uma porta para gente descer). Do meu lado tinha uma mocinha com cara de criança, uns 13 anos talvez, apesar de já ser maior de idade. Muita branca. Sardas no rosto.
Os meninos sentaram ao lado da mocinha e estavam agitados, falando sem parar, contando por onde haviam passado (A linha 5605 é muito longa).
- A mãe de vocês não se importa de vocês andarem a cidade toda não, perguntou a mocinha?
- Nada, ela nem liga, disse um deles.
O outro se apressou em dizer que sua mãe não sabia, como que a defendendo de ser julgada relapsa. O outro garoto percebeu e também disse que sua mãe também não sabia.
- E vocês não vão para escola, não?
- A gente estuda pela manhã.
- Depois saem andando por aí?
- É.
- Vocês não são muito novos para andar sozinho de ônibus?
- Nada, eu já tenho 12 anos.
- Eu tenho 16, disso o outro com cara de zombeteiro.
- Mentiroso, disse a menina.
- Tenho dez e meio, já vou fazer onze.
- E de onde vocês estão vindo?
- A gente foi no centro de Zoonoses.
- Aquele ali perto do supermercado, disse a moça?
- É.
- A gente quer um cavalo...
- E lá tem cavalo?
- Tem. Eles prendem os cavalos soltos e doam para quem quiser.
- É, mas eles não quiseram dar um cavalo pra gente. O homem disse que tem que ser “de maior”.
- E para que vocês querem um cavalo?
Os meninos fizeram cara de: “que tonta”.
- Não sabe para que serve um cavalo?
E antes da moça responder o outro menino responde:
- A gente junta papelão, ferro velho, garrafas de plástico para vender.
- Com um cavalo a gente pode ir mais longe, juntar mais coisas.
- Uma vez a gente quase comprou um cavalo, mas o João queria R$ 300,00 reais e a gente só tinha R$ 220,00.
- E vocês já têm a carroça?
- Já. Só falta o cavalo. Você bem que podia comprar um cavalo pra gente. Disse fazendo cara de pidão o menino mais velho (12 anos).
- Eu! Não tenho dinheiro. Estou indo para meu primeiro dia de emprego hoje. Se tivesse dinheiro comprava um cavalo para mim e não andava mais de ônibus.
A moça, pelo crachá que usava no pescoço estava indo para uma empresa de telemarketing que ficava próxima ao ponto final do ônibus.
- Não precisa de dinheiro. Você vai a zoonoses e pega o cavalo e dá para gente.
- Vocês não acham melhor estudar, mudou de assunto à menina.
- A gente estuda de manhã. Só trabalho de tarde.
- Eu estudo naquela escola ali da entrada.
- Aquela grande?
- É...
- O nosso ponto... desce, desce...
Os meninos desceram correndo e o papo acabou. Da calçada acenaram para a menina e gritaram tchau.
Ela olhou para mim e exclamou:
- Coitadas dessas crianças.
Eu fiquei mudo, sem saber o que dizer. Seguimos nossa viagem, eu para casa ela para seu primeiro dia de trabalho. No ponto final descemos. Dobrei a esquina, ela seguiu em frente.


[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

26 setembro 2014

HISTÓRIAS OUVIDAS (ACONTECIDAS) NOS ONIBUS

Ernande Valentin do Prado
Foto: Heloísa Bernini do Prado. Texto e edição: Ernande Valentin do Prado

Brasília. Linha W3 – Planalto

Pela manhã, indo para mais um compromisso plenamente adiável, o ônibus para em frente ao Shopping Pátio Brasil. Estou encostado na janela com uma bolsa mais pesada do que gostaria. Entra bem rápido pela porta de trás uma moça bem jovem. Ela fica em pé uns dois passos de onde estou. Parece morar na rua e não estar muito “normal”. Nos pés apenas o chão. Cabelo curto, mas amarrado tipo rabo de cavalo no alto da cabeça. Quando o ônibus arranca, ela grita:
- Motorista, pare na casa do Ceará, vou ver se eles  fazem uma chapinha de graça no meu cabelo.
Os passageiros apressam-se em avisar que aquele ônibus não passa na casa do Ceará. Ela diz:
- Então deixa eu descer.
O motorista abre a porta e ela sai. (os passageiros parecem ficar aliviados, mas não entendo exatamente porque, embora desconfie).

Enquanto o ônibus se afasta vejo-a andado entre as pessoas na calçada, como se aquele encontro nunca tivesse acontecido. Penso, arrepiado, com lágrimas nos olhos (sem entender exatamente a razão, o motivo a circunstancia): quando parece que já se perdeu tudo, ainda sobram os sonhos.

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