Ernande
Valentin do Prado
2014 – junho
João Pessoa – PB. Linha 5605 – Mangabeira - Shopping.
Por volta das 18 horas voltava para casa. No trajeto dois
meninos entraram pela porta dos fundos. Eu estava sentado próximo (sempre fico
na parte traseira do ônibus, pois em João Pessoa os ônibus só abrem uma porta
para gente descer). Do meu lado tinha uma mocinha com cara de criança, uns 13
anos talvez, apesar de já ser maior de idade. Muita branca. Sardas no rosto.
Os meninos sentaram ao lado da mocinha e estavam
agitados, falando sem parar, contando por onde haviam passado (A linha 5605 é
muito longa).
- A mãe de vocês não se importa de vocês andarem a cidade
toda não, perguntou a mocinha?
- Nada, ela nem liga, disse um deles.
O outro se apressou em dizer que sua mãe não sabia, como
que a defendendo de ser julgada relapsa. O outro garoto percebeu e também disse
que sua mãe também não sabia.
- E vocês não vão para escola, não?
- A gente estuda pela manhã.
- Depois saem andando por aí?
- É.
- Vocês não são muito novos para andar sozinho de ônibus?
- Nada, eu já tenho 12 anos.
- Eu tenho 16, disso o outro com cara de zombeteiro.
- Mentiroso, disse a menina.
- Tenho dez e meio, já vou fazer onze.
- E de onde vocês estão vindo?
- A gente foi no centro de Zoonoses.
- Aquele ali perto do supermercado, disse a moça?
- É.
- A gente quer um cavalo...
- E lá tem cavalo?
- Tem. Eles prendem os cavalos soltos e doam para quem
quiser.
- É, mas eles não quiseram dar um cavalo pra gente. O
homem disse que tem que ser “de maior”.
- E para que vocês querem um cavalo?
Os meninos fizeram cara de: “que tonta”.
- Não sabe para que serve um cavalo?
E antes da moça responder o outro menino responde:
- A gente junta papelão, ferro velho, garrafas de plástico
para vender.
- Com um cavalo a gente pode ir mais longe, juntar mais
coisas.
- Uma vez a gente quase comprou um cavalo, mas o João queria
R$ 300,00 reais e a gente só tinha R$ 220,00.
- E vocês já têm a carroça?
- Já. Só falta o cavalo. Você bem que podia comprar um
cavalo pra gente. Disse fazendo cara de pidão o menino mais velho (12 anos).
- Eu! Não tenho dinheiro. Estou indo para meu primeiro
dia de emprego hoje. Se tivesse dinheiro comprava um cavalo para mim e não
andava mais de ônibus.
A moça, pelo crachá que usava no pescoço estava indo para
uma empresa de telemarketing que ficava próxima ao ponto final do ônibus.
- Não precisa de dinheiro. Você vai a zoonoses e pega o
cavalo e dá para gente.
- Vocês não acham melhor estudar, mudou de assunto à
menina.
- A gente estuda de manhã. Só trabalho de tarde.
- Eu estudo naquela escola ali da entrada.
- Aquela grande?
- É...
- O nosso ponto... desce, desce...
Os meninos desceram correndo e o papo acabou. Da calçada
acenaram para a menina e gritaram tchau.
Ela olhou para mim e exclamou:
- Coitadas dessas crianças.
Eu fiquei mudo, sem saber o que dizer. Seguimos nossa
viagem, eu para casa ela para seu primeiro dia de trabalho. No ponto final
descemos. Dobrei a esquina, ela seguiu em frente.
[Ernande
Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]