Ernande Valentin do Prado
Ontem à noite Alice
estava tossindo muito.
Por isso encostei
a orelha em suas costas.
Tinha esperanças
de auscultar ruídos, sibilos: sinais de secreção. (ou não)
E neste gesto banal
de pai
(sem deixar de
ser enfermeiro)
deu uma baita saudade
de ser Enfermeiro.
Alice é muito ativa,
tem muito dificuldade em
ir para cama.
(e dormir)
Eu sou muito ativo,
tenho dificuldade em
parar, deixar para depois
(meus afazeres tão
importantes).
Mas, faz uns dias,
pactuei comigo mesmo
que às 21 horas e 30 minutos,
paro o que estiver
fazendo para por Alice na cama.
Não é fácil
(tenho certeza)
para nenhum dos dois.
Antes de deitar:
escovar os dentes e
lavar os pés, que estão sempre sujos.
(Crianças (ou Alice)
odora andar descalço).
Depois: escolher um
livro, ontem foi O porquinho,
de uma coleção de
livros com orelhas.
(uma fofurinha)
Alice tinha muita
dificuldade para ler,
(achei até que era
dislexia – os sintomas conferiam).
Mas de uma hora para
outra começou a ler.
A leitura veio,
ao mesmo tempo em que
passei a lhe dar um pouco mais de meu tempo
(sempre tão curto).
Ontem tossia demais
E ao encostar a orelha
nas costas dela
Lembrei que faz tempo
que não sou enfermeiro.
Eu não nasci
enfermeiro, nem sai da faculdade enfermeiro.
Os acadêmicos que me
perdoem,
mas ler um monte de
livro e receber um diploma não faz um enfermeiro.
Aprendi a ser
enfermeiro aos poucos.
Antes resisti.
Depois de um tempo me
encontrei.
No começo dizia:
Sou profissional de
saúde. Depois: sou profissional de saúde coletiva.
Depois: sou enfermeiro
de Estratégia Saúde da Família.
Depois de muito tempo,
depois de muita negar,
depois de correr em
outra direção.
Descobri que o que sou
mesmo
é enfermeiro.
E gosto de ser
enfermeiro.
Não sou como a maioria
dos enfermeiros:
nem das enfermeiras,
(eu acho).
Não gosto de ver
sangue, não gosto de doença
(não sei sintomas e nem
fazer diagnóstico),
Não gosto de hospital.
Não uso jaleco branco,
não tenho
esfigmomanometro,
não penduro
estetoscópio no pescoço.
Não gosto de medicações,
Não sei (e nem quero
aprender) a prescrever,
nunca abri um Brunner e
Suddarth.
Os outros que me
perdoem,
mas tratar de doenças (apenas
pensando na cura)
pode não ser cuidar.
Cuidado mesmo pressupõe
(que palavra linda)
promoção de saúde.
O enfermeiro cuida
(ou deveria).
E isso não é fácil de explicar,
mas não é difícil sentir.
Não estou enfermeiro
(mas não deixei de ser)
Volto quando puder.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 todas às 6tas]
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