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Imagem capturado pelo Google. |
Ernande
Valentin do Prado
Um
pai de família com a pressão arterial descontrolada, que já fez uso de cinco
diferentes tipos de hipertensivos, precisa de outra receita, quando volta ao
serviço de saúde?
Uma
criança desnutrida precisa principalmente de receita de sulfato ferroso e
medicações para abrir o apetite?
Crianças
que passam o dia brincando em rua sem saneamento, enquanto as mães trabalham,
precisam principalmente de exames de fezes e de sangue?
Fazer
o enfrentamento das raízes desses problemas não deveria ser estranho ao
profissional do Sistema Único de Saúde (SUS). Sabe por quê?
Porque
a constituição federal de 1988 definiu que “saúde é um direito de todos e dever
do estado”. E a Lei 8080/90, a Lei orgânica da saúde, definiu o que é “essa
saúde” que todos temos direito.
E
ao fazer isso fugiu dos paradigmas anteriores que definiam saúde a partir da
presença de doenças. Para o SUS, saúde não é um estado de total equilíbrio
físico e mental, como definia antes a OMS. Saúde é o resultado direto das condições
de vida e para isso são necessárias algumas garantias, tais como: Alimentação
em quantidade e qualidade, Moradia digna, saneamento básico, emprego e renda
compatível com o bem-estar, acesso a serviços de educação, cultura, saúde e
lazer.
Praticar
saúde, ao menos no SUS, é entender e intervir nos determinantes do processo
saúde/doença e não simplesmente distribuir pedidos de exames e prescrições de
medicamentos.
Em
alguns serviços a prática de parte dos profissionais de saúde restringem-se a
abordagem biológica. Isso porque, entre outros motivos, acostumaram-se a pensar
saúde como se ela fosse o contrário de doença. E o que ainda é pior, só
reconhecem como doenças aqueles problemas com sinais e sintomas que podem ser
vistos e testados. Desconsideram que as doenças e o adoecer são decorrências de
como as pessoas vivem, como falamos antes.
Esse
comportamento acaba acostumando as pessoas a esperar apenas que lhe peçam
exames e lhe deem receitas.
Quando
um profissional diferenciado procura praticar realmente saúde, levando em conta
o conceito de saúde e o princípio da integralidade, em um primeiro momento
causa estranheza e até certa rejeição. Isso porque o atendimento pode ser mais
demorado, sem pedidos de exames, sem receitas e sem encaminhar para
especialistas.
E
nem todos entendem que o problema, no caso da criança com anemia, pode não ser
só falta de alimentos e sim negligência de cuidados, entre outras causas
possíveis e que deveriam ser investigadas. Essa negligência, quase nunca é só
dos pais, é também dos profissionais de saúde, da Educação, do Serviço Social,
dos Conselhos Tutelares, da imprensa, enfim, do estado e da sociedade que fazem
de tudo para ignorar as condições em que sobrevivem a infância.
Para
intervir nos determinantes, no caso do pai de família desempregado, não basta
medicalizar, precisa compreender o peso do desemprego na vida do trabalhador.
No
caso das mães que não têm creche, não basta distribuir vermífugos e culpar a
mãe, pode ser necessário contribuir com a organização e fortalecimento da
comunidade, assim podem, por si mesmas, buscar seus direitos por saneamento
básico e creche.
Enfim,
é importante que os Profissionais de Saúde tenham consciência de que o código
genético não é o maior determinante de saúde, e sim o Código de Endereçamento
Postal.
Conhecer
e compreender o conceito ampliado de saúde do SUS é fundamental para que o
profissional encontre formas resolutivas de intervir no cotidiano do fazer em
saúde junto às famílias, enquanto isso, continua valendo os versos de Raul Seixas,
na música Ouro de tolo:
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social
REFERENCIAS:
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
Acessado em: 23 fev. 2019.
BRASIL. Lei Orgânica da Saúde. Disponível em:
Acessado em: 20 out. 2017.
CDSS - COMISSÃO PARA OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE. Redução das desigualdades no período de uma
geração: igualdade
na saúde através da ação sobre os seus determinantes sociais: relatório final.
Genebra: OMS, 2010. Disponível em:
.
Acesso em: 20 out. 2017.
Prado, Ernande Valentin;
FALLEIRO, Letícia Moraes; MANO, Maria Amélia. Cuidado, promoção de saúde e
educação popular - porque um não pode viver sem os outros. Rev APS. 2011
out/dez; 14(4): 464-471.
SEIXAS, Raul. Ouro de
tolo. (música). Disponível em: < https://www.letras.mus.br/raul-seixas/48326/>
Acessado em: 23 fev. 2019.
ROEDER, A. Zip code better
predictor of health than genetic code. Disponível em:
Acessado em: 20 out. 2017.
Scliar, M. (2005). Do
mágico ao social: trajetória da saúde pública. 2 ed. São Paulo: SENAC São
Paulo.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
Esse texto foi adaptado do Roteiro do Vídeo: O que significa Saúde,
publicado em: < https://www.youtube.com/watch?v=q5DXMr5v48k>. Contribuíram
com o texto: Islani Alencar, Mayara Floss e Seiko Nomiyama.