Mostrando postagens com marcador Bahia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bahia. Mostrar todas as postagens

14 fevereiro 2014

O GOOGLE, A EDUCAÇÃO E O APOCALIPSE ZUMBI

Ernande Valentin do Prado
O ofício do professor. Ernande (2012)

Quando digito Turim no Google, imediatamente ele dá como primeira opção uma empresa de ônibus que faz a ligação entre Dias D’Ávila e Salvador, na Bahia.
Mas porque isso é digno de ser mencionado?
Veja só, Turim é um destino turístico europeu bem conhecido. À simples menção de Turim qualquer pessoa vai associar a Itália e não a uma empresa de ônibus velhos (padrão transporte coletivo brasileiro). Porém o google aprendeu que quando “eu” digito Turim estou interessado no horário de ônibus e não na cidade de Turim.
Minha linda esposa, Larissa, disse que isso acontece porque o sistema memoriza minhas buscas anteriores, mas concluo que é porque o sistema aprendeu (maquina aprendendo é coisa fascinante - não sei se pelo meu gosto por ficção cientifica ou porque dá esperança de que seres humanos ainda possam aprender a ser melhores ou se pelas duas coisas).
Estamos diante de um admirável mundo novo em que as máquinas estão aprendendo para melhor nos servir (embora o mundo velho ainda persista inegavelmente). Talvez seja injusto dizer que a máquina aprende, mas apenas que memoriza, não estou certo? Mas memória não é exatamente o que se cobra das crianças nas escolas e dizem que isso é ensinar/aprender? O que se cobra nos concursos públicos é mais do que memória?
Minha filha de 12 anos fez uma prova de história em um colégio particular (sistema positivo de ensino). Tive paciência de ler uma questão de múltipla escolha que era mais ou menos assim:
Qual o rio mais importante da África?
(   ) São Francisco
(   ) Sena
(   ) Nilo
(   ) Amazonas
Nem é necessário ter uma memória tão boa quanto a do google para saber essa resposta, concordam? Mas o que me intriga é não entender qual o significado para a vida de minha filha (e para a humanidade) se por acaso ela errar a resposta. Nem sei exatamente qual a utilidade dela acertar.
Acertar que o Rio Nilo é (quem sabe) o mais importante da África contribui de alguma forma para os estudantes compreender o significado da água, para agricultura, para religião, a higiene, a alimentação, a vida do povo africano e consequentemente do planeta terra? Tenho sérias dúvidas.
Será que se trocasse a professora (ou o sistema de ensino) pelo Google não seriam mais interessante e eficiente as aulas?
Se uma criança mais ou menos letrada digitar Rio Nilo no google, vai deparar-se com as seguintes opção (citando apenas três páginas das centenas que apareceram): história, geografia, biologia, opções turísticas, artísticas, curiosidades, fotos, vídeos, entre outras coisas.
Talvez o google não aprenda realmente, mas tem infinitamente mais informações do que eu, do que os professores (ao menos os da minha filha) e, parece que sabe um pouco mais do que as provas do Sistema Positivo de ensino.
Mas como pode o google saber mais do que os pensadores da positivo (entre outras escola comerciais e públicas)? Ou será que estes sabem, mas não se importam em ensinar? Será mais lucrativo ou mais fácil (o que deve dar no mesmo)  insistir que aprender é memorizar?
Quem sabe o segredo não é o que se sabe ou deixa de saber, mas o saber que se está disposto a compartilhar, por à serviço da comunidade. Ou talvez isso tenha a ver com a segmentação capitalista: produtos diferentes com preços diferentes para públicos diferentes.

Quem pode pagar mais recebe mais ou recebe diferente (o que neste caso dá no mesmo).

[Ernande Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

07 outubro 2013

Do criar e destruir (ou: de como o que termina renasce)


Acompanho uma jornada de três dias de pesquisas e reflexões sobre Saúde Bucal Coletiva. Campo que pouco conheço, mas sempre intui interessante e difícil. Difícil pelo desafio de distanciar os dentistas das suas tecnologias perforantes e obturativas. Ou de mexer com as formas e lugares de dentes e maxilares. Enfim. Desafio. Mas me surpreendo gratamente a cada conversa.

Na hora do café - intervalo que sempre traz o melhor que qualquer evento - me aborda um dos professores. Vindo de Curitiba. Uma pessoa singular e interessante. Depois de conversas preliminares logo me pergunta: o que vai ser da Educação Popular? Com sua crise e seu final de lista e tal....

Vou logo me defendendo: olha, digo; acho que está perguntando à pessoa errada. Eu tenho opiniões que são conflitantes à corrente principal. E, pior, eu terminei com a lista, coisa que deixou muitos zangados; e que, indiretamente, tem me levado a uma certa exclusão de processos mais recentes, como cursos e etc. Exclusão  que, sinceramente, me deixa feliz.

Ele sorriu e disse: eu via a decadência desses diálogos e da Educação Popular faz tempo e ficava pensando: quando alguém irá por ordem nisso? Alguém que tivesse relação com a tradição e com a origem dessa lista. Dai você veio e mandou aquela mensagem que eu gostei muito e acabou com a lista.

Eu pensei. Como não soube disso? Quantos aprovaram? Como e por que aprovaram? Cabeça cheia de perguntas e dúvidas. E, ainda: quais foram as conseqüências? Acertei?

Comento rapidamente a ele: fiz isso depois de uma apendicectomia. Na convalescência, depois de uma crise simbólica que a Janaina - amiga e médica transpessoal - me disse que era própria das grandes viradas da juventude, das mudanças intensas. E acho que ela, como sempre, acertou.

Enfim. Eu faz tempo nem lia essa lista da edpopsaude, de tão mesmice e tão chatice que ela se tornou. Quando um dispositivo (palavra dos colegas pós pós pós) gera sofrimento e permite que o pior das pessoas se manifeste, estamos na frente de um certo fascismo à flor da pele. E o pior tipo de fascismo é aquele que não tem rosto, não tem vilão, não tem ninguém para ser "amoroso contra".

Mas a doença nos faz repensar, revisar, revisitar, reinventar. Doença - quando vai embora vagarosa - nos faz ser ousados e saudosos ao mesmo tempo. E li.

Coincidência, fadada ou não, estava tendo uma série de pugilismos de baixo calão - golpe baixo, ao dizer do boxe, esporte meio fora de moda e pouco massacrante se compararmos com os novos que são as fontes atuais de lucro das corporações.

Lembrei da memória. Das risadas. Da idéia espiritual de espaço de diálogo virtual como casa e como lar. Foram 13 anos os 4 últimos muito chatos. Terminei com a lista.

Volta e meia esse fato vem à tona. Alguém me diz: você é o Júlio da Educação Popular né? E a lista? Ou: você é amigo do Zé Ivo? E a lista?

A lista foi-se embora. Renasceu na forma de uma pequena lista que não sei quem criou nem sei quem participa (isso porque por erro de principiante isso foi ocultado na página do grupo no yahoo). Sei que tem umas 40 pessoas. Uma mensagem por semana no máximo.

Ao que isso irá levar? Só deus sabe. E se o leitor não acredita em Deus: só a patafísica sabe (aquela física dos acasos e das coincidências inexplicáveis). Mas o certo é que, como no final do filme de Alan Parker, The Wall, depois da queda do muro, as pessoas começam a sair dos abrigos antiaéreos e a se reconhecer.

Confio no poder dos jovens - seja qual for a idade desses jovens, de 10 a 90 anos. Confio na esperança das misturas não domesticadas. Não essas misturas medíocres ao serviço da imagem e da propaganda de formas autoritárias de gerir o mundo da saúde. Mas de formas inesperadas, vindas dos ventos, dos rios grandes ou pequenos, da pessoazinha mais inesperada, a que era a caladinha na festa, a que parecia que não mas que sim.

A perspicácia de jovens e crianças é insuperável. Alice, a pequena filha do Ernande e da Larissa, que fez 6 anos quando visitamos eles no meio da Bahia, nunca tinha escutado sotaque tão estranho quanto o meu. Ficou intrigada, é claro. Era algo que ela não podia controlar nem explicar. Depois de muitas tentativas e perguntas, algumas sedutoras, algumas francamente zangadas, ela concluiu com sabedoria: você fala português mas finge que está falando espanhol, para nos enganar.

E ficou tranquila. Ela não acreditava que eu falava espanhol, porque as Chiquititas cantavam diferente. E ela não acreditava que eu falava português, porque nunca tinha escutado tamanha distorção de acento e sotaque.

A conclusão dela foi genial. A usarei muitas vezes para que as pessoas me desculpem ou riam comigo. Rir de mim mesmo, sem ser solene, sem pensar em estúpidas superioridades, me faz bem.

Escrevo isto desde a cidade que mais amo, que me faz mais feliz pelas paissagens, lugares e encontros. Pela magia das suas pessoas tão diversas de mim - brancas, loiras - mas tão mais acostumadas com os fingidores de espanhol.

Aqui, no meu micro mundo, renovo a minha esperança nos renascimentos e transmigrações. Quero depois ser caramujo. Ou beijo. 


















01 outubro 2013

Oração da folha sagrada (de Ossaim e da flor)



Para o amigo Ernande e sua família 
em agradecimento e com esperança 



É difícil
Claro que sei 
Acender fé no cinza da névoa

Caminhos se fazem no deslizar-se
Em brevidade de encontros
Diga-se de passagem
Ou de umbral despido de distância 

Destinos ocos inexistem
O caminho se faz fazendo - esse do Machado de Castilla

Eu, ao dizer Ossaim ou pássaro com alma de estrela e seiva,
Canto outro canto que não o da dúvida

Já me refaço
Destinado a outro Ser que 
Sendo
Me faço moradia e ninho

Sou nada e ainda
Sou gaiola e fresta de fuga e encontro

Também, é certo,
O presente sem futuro não é desprezado
É milagre é prece é benção 
De toque e longura 
De estrada até corpos inteiros por fim

Em dizer a faísca da folha sagrada
Nem sei o que traz no seu mistério
Mas pronunciar como prece a faz iluminar

Mistério
Sacralidade
Espaço revelado a cada instante
Algo
Que
Não se perde nem nunca nem antes

O canto dele que é ela, dela que é ele, 
A/O que carrega simples a arma dos raios de verdor e luz
Ossaim, erva que solta as ervas, segredo que fundamenta o segredo,
Espera e esperança que se renova ao tocar-se, rir-se, andar-se

Nossas histórias são caminhadas, fugas, retornos, ciclos e espirais 

Destinos fixos inexistem. Vazios ventos nos modelam como massinhas de criança
E neles eu me nino e te nino, estrela estrada flor bicho que amo

E é por isso mesmo
Por isso exato
Que seguro mão, corpo, cabelo, alma e mundo
Na teimosia daquele que vai sendo, que vai
E que volta Outro, o mesmo transfigurado, o invento
De si mesmo
A descoberta da palavra calada que os bobos chamamos
Somente
Beijo




(Escrito no Mercado Municipal de Belo Horizonte) (recordando a longa brevidade de Dias D'Ávila)




Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog