Mostrando postagens com marcador Histórias de motoristas de uber. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Histórias de motoristas de uber. Mostrar todas as postagens

14 setembro 2018

EU ASSUMI O FILHO DELE


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


Josemir é corretor de imóveis, mas como as coisas estão difíceis e não dá para ficar reclamando, há cinco meses começou a dirigir Uber. Dirige ele e dirige o filho, rapaz de 25 anos, pai de um menino de 8 meses que não assumiu.
 Não dá para criticar demais, nem passar a mão na cabeça, mas criei filho pra ser homem.
Disse Josemir, sem desviar a olhar do trânsito, já virando a direção para direita, numa curva aberta, presta a entrar na avenida Epitácio Pessoa.
 ...ele não assumiu o filho, mas eu assumi. O menino nasceu dia 27 de dezembro, foi um presente de natal. Quando chego na casa dele, vem correndo me abraçar, já me reconhece. Agora ele fica perguntando: “Será que o menino é meu?” Se é seu ou não filho dela, agora não importa, agora é meu neto.
Afirma o homem com convicção, dizendo que a mãe da criança se ofereceu para fazer o DNA, mas que ele não tem dúvida de que a criança é seu neto e que o filho, mais cedo ou mais tarde, ainda irá reconhecer.
Uma filha de Josemir casou-se e está vivendo na Austrália. O filho mais velho está em Nova Jersey.
 A mãe chora todo dia...
Diz ele, acelerando para não atrapalhar o trânsito, mas sem parar de falar.
 ...era muito apegada, mas cada um tem seu caminho.
Continua a falar o home de fala fácil, contente em contar de sua família.
 Por mim estariam todos comigo, mas fazer o quê?
Há um ano ele teve um problema cardíaco, fez três pontes safena e duas mamárias. Oito horas de cirurgia, mas agora está bem, já pode dirigir seu carro, contar suas histórias, visitar o neto que ainda mora perto.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

05 setembro 2018

Conversa de Uber III

Ilustração Anna Kövecses
A mulher dirigindo me diz: 
- Fui fazer o Enem pra estimular minha filha e ela não passou, eu consegui Prouni para psicologia. Depois eu vou tentar a residência, se não der vou fazer concurso para o interior.


Abraços que pousam,
Mayara Floss

31 agosto 2018

GERENTE DE PADARIA


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


— Vou para o condomínio Bosque das Orquídeas...
Eu disse, após falar “bom dia”, sentar e colocar, quase automaticamente, o cinto de segurança.
Leonardo perguntou:
— Sabe ir até lá?
— Sei que vira aí, onde estão virando aqueles carros...
Melhor ligar o GPS, concluiu.
Leonardo, ao se aproximar, acendeu as duas setas ao mesmo tempo, sinal característico dos motoristas de Uber. Eu acenei. Estava no ponto de ônibus na Avenida Epitácio Pessoa, quase frente a CGU. Quase 40 minutos esperando um ônibus que parece que nem passa por ali, de tão demorado.
— Você não é daqui?
— Não. Tem só uma semana que estou em João Pessoa.
Disse o simpático motorista, sem desviar o olhar da pista.
— ...vim do Rio.
Quinze anos no Rio, morava na Rocinha e era gerente de Padaria, mas cansou de ver a esposa preocupada cada vez que ele saia para trabalhar, cada vez que ouvia um tiroteio, cada vez que sabia de um assalto. Resolveu ouvir a esposa e vieram para João Pessoa em busca de uma vida mais tranquila. Espalhou currículos pela cidade e está esperando, enquanto isso dirigi Uber. Já tem uma semana...
— Ao menos não tenho que por a mão no bolso...
...para o futuro espera conseguir um trabalho com carteira assinada. Também tem planos de converter o carro para gás, assim poderá ganhar mais, porque a gasolina está muito cara.
— ...semana passada consegui pagar todas as despesas e ainda comprar algumas besteiras que faltavam em casa.



[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

17 agosto 2018

MINHA VIDA ACABOU

Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


             —  Eu amo minha mulher...
Disse Luisvaldo, meio que olhando para atrás.
  ...não tenho vergonha de dizer.
Faz quatro meses que a mulher de Luisvaldo foi embora. Logo depois que ele perdeu o emprego. Trabalho por 28 anos para um empresário do ramo dos cosméticos, que faliu sua franquia, fechou as lojas, sumiu sem pagar ninguém. A causa está na mão de advogados, mas não sabe nem se vai receber. Só de fundo de garanti são 28 mil reais, ao todo são 78 mil reais em direitos perdidos.
 Minha vida acabou...
Disse Luisvaldo, enquanto dirigia pelo trânsito pesado da sete da manhã, rumo ao supermercado. Perdeu o emprego, a mulher e ainda briga na justiça sem saber se terá ou não direito a guarda compartilhada do filho.
 ...o meu ano não está sendo fácil, mas entreguei tudo na não de Deus, seja o que Deus quiser.

Depois de dois meses, após a mulher ir embora, começou a dirigir o Uber, agora pensa que as coisas vão começar a melhorar.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

20 julho 2018

VENDEU A PRAÇA


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


             — ...se eu chegasse em casa com um brinquedinho, minha mãe já perguntava: “onde foi que arrumou, foi Cleber quem deu?”
Disse o homem, enquanto cruzava a Avenida Senador Ruy Carneiro, sem olhar para traz.
 ...pegava o telefone e perguntava: “Dalva, Cleber deu um brinquedo para Claudio?”.
Conclui Claudio, saudosista de outros tempos, quando as crianças respeitavam os pais.
 Hoje? Hoje não tem mais respeito...
Claudio veio me buscar em casa para levar até o supermercado. Encostou seu Toyota Etios embaixo da sombra de uma árvore.
 Seu Ernande?
Ele dirige Uber há mais de um ano. Começou em dezembro de 2016. Era motorista de taxi, mas, segundo ele, quando viu o Uber chegar em Recife, vendeu sua praça, ainda por um preço bom em João Pessoa e passou a dirigir Uber.
 É uma corrida atrás da outra, não para. Se não fosse melhor que taxi eu votaria para praça.
Claudio disse que nunca, em toda sua vida de taxista, mudou um caminho para ganhar um centavo a mais, como muitos fazem. Disse que foi educado pelos pais...
 Pela mãe...
Pensou melhor, já quase chegando na Avenida Epitácio.

 ...quem educa os filhos mesmo é a mãe...

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

08 junho 2018

LOS HERMANOS


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


Manoel dirige um FIAT pálio branco. O que chamou atenção em Manoel, logo ao entrar no carro, é sua enorme barba. Seria ele fã do Los Hermanos?
A voz de Manoel estava muito rouca, quase não saia, percebi logo ao perguntar quanto tempo dirigia Uber.
 Três meses...
Disse ele.
 ...antes dirigia taxi.
Cansou de fazer três corridas por dia. Além do preço menor, Manoel acha que o Uber substituiu o taxi tão fácil pela qualidade do serviço.
 O taxista é muito boçal. Boçal e corrupto.
Agora trabalha sem parar, ganha um pouco menos, o desgaste do carro é maior, mas dá para ir tocando a vida.
 A gente vê de tudo, neste trabalho...
Manoel diz que toma muito cuidado quando tem criança no carro.
 Sou pai... sei como se sente um pai quando o filho se machuca.

Dias desses, disse o homem, ia batendo em um carro que furou o sinal vermelho, mas eu tomo cuidado por mim e pelo outro. Principalmente de madruga, aqui na orla, tomo muito cuidado. Tem muito doido dirigindo.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

25 maio 2018

EURO


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


Anderson buscou-nos em casa em seu FIAT Línea, domingo à noite. Encostou em frente ao portão ao mesmo tempo em que saíamos. Disse boa noite, perguntou se queria uma balinha de café. O cheio era de carro novo. Os bancos de couro, o luxo do caro chamava atenção. Seria Anderson um motorista por esporte?
 Vamos pela Ruy Carneiro.
Disse eu, indicando o caminho. Ele foi. Continuei uma conversa que havia começado antes de sair de casa, sobre as dificuldades dos estudantes em compreender como se faz um projeto, um trabalho acadêmico. O motorista se interessou pela conversa. Olhou pelo retrovisor e perguntou: é professor?
Respondi e emendei, para não deixar a tenção dele dispersar:
 Gosta de dirigir Uber?
 Gosto...
Disse simplesmente.
 Por que?
Foi o que imediatamente questionei.
Anderson disse que gostava de dirigir porque conhecia muita gente interessante. E continuou falando, o que me levou a duvidar da validade da primeira resposta, como sendo o primeiro motivo dele.

Anderson trabalha como professor de Educação Física em uma escola do estado e como personal trainer. Dirige Uber nos intervalos entre um trabalho e outro. Com o que ganha como motorista se mantém, com o que recebe da escola e como personal está comprando Euros para se manter na Europa, onde pretender ir em seis meses para fazer doutorado.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tasfeiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

18 maio 2018

PARA SAIR DE CASA


Histórias de motoristas de uber
Imagem capturada no Google, 2018.
Ernande Valentin do Prado
 Para sair de casa...
Foi o que respondeu Francisco, motorista do Citroen C3, que nos pegou na orla de João Pessoa no Domingo à noite, depois de sair do quiosque do forró.
O homem, vermelho, com uma bela cabeça sem cabelos, nasceu em Anápolis, no estado de Goiás. Morou a maior parte de sua vida em Manaus, onde deixou três filhos e enterrou os pais. Era comerciante, do ramo de panificação, fechou o negócio porque dava muito trabalho, precisava viver a vida. Veio para Paraíba entrando pelo interior, passou por Patos, Areia e agora dirige Uber pelas ruas de João Pessoa.
 Ainda tenho meus imóveis comerciais em Manaus...
Disse Francisco:
 ...lá é mais valorizado do que aqui. Mas em João Pessoa a gente tem mais qualidade de vida, aqui parece uma cidade do interior, com a qualidade de uma capital.
Dirige só a noite, foi um desafio que se impôs: dirigir a noite e usar smartphone. Antes não conseguia fazer nem uma coisa nem outra. Diz que todo ano se impões um desafio. Ano passado comprava e vendia carro, agora dirige Uber, que é muito bom porque não tem que dar satisfação para ninguém, trabalha a hora que quer, no dia que quer.

Chegando em casa esperou entrarmos, fechar o portão e só então saiu.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tasfeiras]



OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

11 maio 2018

PRECISO FALAR COM OUTRAS PESSOAS


Histórias de motoristas de uber

Imagem capturada no google, 2018.
Ernande Valentin do Prado


 Precisa sair, falar com outras pessoas.
Foi como se justificou, Mario, por ter aceitado aquela corrida, num domingo à noite, perto das vinte horas.
Ele acabou de se mudar para João Pessoa.
 A casa ainda está uma bagunça...
Disse, entrando à esquerda, rua a Avenida Senado Ruy Carneiro.
 Essa é minha primeira corrida hoje, em João Pessoa.
Ele e a esposa acabaram de se mudar para cidade. Ela é professora universitária, assumiu uma vaga na Universidade Federal da Paraíba. Antes estava morando em Aracaju.
 E de onde são, de lá ou daqui?
 Eu sou de Recife, mas minha esposa é daqui.
Disse Mario, contente em iniciar uma nova vida, agora mais perto de casa, “que Recife é aqui do lado”.

 ... passei três dias arrumando mudança, desarrumando, não aguentava mais, aí disse pra minha esposa: “vou dirigir um pouco...”

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tasfeiras]


OUTROS TEXTOS DA MESMA SÉRIE

         Recomeça a vida
         Para sair de casa
         Euro
         Los Hermanos
         Vendeu a praça
         Gerente de padaria
         Eu assumi o filho dele

         Minha vida acabou

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog