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20 maio 2015

Cambia todo cambia

 Eu decidi parar e estudar as raízes da medicina e saúde ocidental a inspirado (mas não limitado) pelo livro “The Sociology of Health: Principles, Professions and Issues” do autor Frederic D. Wolinskt (livro de 1980 que parece que foi escrito ontem). Senti-me escutando a música da Mercedes Sosa “Cambia todo cambia” (muda tudo muda). Talvez entre mais uma mudança da visão médica. Segure-se nessa balsa, que vamos navegar por esses mares de tempo e mudanças. 

Mar de mudanças. Fonte: http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=710220&tm=8&layout=121&visual=49


 Mais ou menos em XV a. C. começaram a surgir a filosofia de Hygeia na Grécia antiga. A Deusa Hygeia é considerada a primeira filosofia relacionada a saúde. Uma grande raiz da filosofia grega que dizia que a função fundamental da medicina era descobrir e depois ensinar (quem sabe dividir) os conhecimentos sobre o funcionamento do corpo humano que garantiriam uma mente e corpo saudáveis. A popularidade de Hygeia decaiu por volta de XII a. C. com o surgimento do culto de Asclépio (que a maioria conhece a história ou pelo menos símbolo de Asclépio – ou Esculápio - a cobra enrolada num bastão). Ele acreditava que a função fundamental da medicina (e do médico) era tratar a doença para restaurar a saúde, conhecido por usar facas e ervas. A visão mais voltada para cura-doença começou aí, e essa cura era feita através das correções das imperfeições do corpo humano.

Talvez mais famoso que Asclépio foi Hipócrates que a história que conhecemos é muito incerta baseada em uma série de livros que tem o seu nome (e que não foi escrita por ele). Mais famoso pelo seu juramento que fala de ajudar os doentes, não prejudicar e manter sagrada a relação médico paciente. Hipócrates foi o primeiro a deixar para trás os “fenômenos sobrenaturais” trabalhando de forma científica e sistemática. Também manteve a ideia de mente e corpo em harmonia e ele reafirmou a ideia de cuidar da pessoa como um todo e, embora pouco falado, Hipócrates dizia que o ambiente tem uma influência direta no entendimento das doenças.

 A pouco falada deusa Hygeia.
Bem depois de Hipócrates o império romano veio e se foi e a Igreja chegou com a idade das trevas colocando os conhecimentos da medicina em tumulto com o conhecimento religoso. Aliás o que sobreviveu do conhecimento médico também foi salvo pela igreja, e o que sobreviveu foi a medicina que apenas cuidava dos problemas físicos do corpo – saúde mental e problemas socioeconômicos eram problemas de Deus e da igreja. O ser humano como um todo da visão grega acabou repentinamente. 

Pulando para o século XVII chegamos a Descartes e o Racionalismo que focou ainda mais na divisão do corpo e da mente e que disse que a medicina deveria focar unicamente no corpo. Descartes inclusive referiu que a mente deveria ficar a cargo de Deus e os seus agentes. Ironicamente, talvez, a grande mudança da medicina da filosofia cartesiana para uma visão mais humana veio com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, isso veio acompanhado da ideia do indivíduo isolado para a medicina no contexto da sociedade. Os utopistas começaram a trazer o senso de humanização para a saúde. A Revolução Industrial deixou as cosias óbvias, relacionadas a comida, poluição e condições sanitárias. Se a motivação destes utopistas foi aumentar a produtividade dos trabalhadores ou realmente ajudar isso não é a parte central dessa discussão, mas sim o fato que a Hygeia voltou um pouco diferente para discussão originado a palavra “higiene”. Inclusive começou a se dizer que as técnicas mais efetivas para evitar as doenças vieram das ações corretas e medidas sociais da industrialização. 

Depois, ciclicamente, diga-se de passagem, veio a era dos germes com os trabalhos de Pasteur e Koch e as pesquisas com bactérias. Eles postularam que “toda a doença tem uma causa patológica” (e também reforçou o nosso raciocínio clínico e uma das formas de “onipotentes” da medicina, da investigação de tentar descobrir – e da frustração de não ter explicações quando não é possível, e só dessas frustrações que às vezes sai um “é a medicina não resolve tudo” e a sensação de falha). Também é neste ponto da história que começamos a discutir mais fortemente sobre a fragmentação, é aqui que se refere à doença e não mais ao paciente -“nos temos uma cirrose no leito 211” ou “HIV positivo com complicações no isolamento” (entre outros vários exemplos). Por aqui que os médicos se tornaram mais mecânicos e mercadores. 

Uma apendicite no 403” ou “Uma ‘bruxaria’ (doenças inexplicáveis ou de difícil diagnóstico que ainda não foram elucidadas) no 315”. Imagem ilustração de Salvador Dalí para a obra a Divina Comédia.
Por volta da metade do século XX voltamos a falar da pessoa como um todo. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 disse que as dimensões da saúde devem ser trabalhadas em relação as dimensões físicas, psicológicas e sociais – o “famoso” bem estar biopsicossocial. É aqui que se começa a discussão de que a saúde é um processo adaptativo e não estático (que sempre pode ser comprado ou alcançado). E em 1985 o conceito da saúde da OMS também muda: “a saúde é uma fonte de todos os dias, não o objetivo da vida; é um conceito positivo que enfatiza as fontes sociais e pessoais e também as capacidade físicas”. Volta-se a discussão e orientação para que os profissionais de saúde compreendam que as definições restritas das doenças são puramente um fenômeno fisiológico. Inclusive, neste contexto adoro a frase de Melody Goodman professora de saúde pública da Universidade de Washington “Your zip code is a better predictor of your health than your genetic code” (o seu Código de Endereço Postal – vulgo CEP - é um previsor melhor da sua saúde que o seu código genético). Inúmeras vezes vejo essa frase do William Osler no final das palestras de vários médicos “O bom médico trata a doença, mas o grande médico trata a pessoa com a doença.” Eu gostaria de fazer um corte nesta frase, quem sabe emendando ela com uma visão mais global da saúde que o “o bom profissional da saúde cuida da pessoa” (sem a doença). 

Brazilian States by Municipal Longevity index.svg

“O seu Código de Endereço Postal – vulgo CEP - é um previsor melhor da sua saúde que o seu código genético” – Pensando em Brasil é “fácil” ver isso analisando o IDH relacionado a saúde você morar no Nordeste determina se você irá viver mais ou menos (longevidade). "Brazilian States by Municipal Longevity index" por User:Juniorpetjua - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e0/Brazilian_States_by_Longevity_index.svg. Licenciado sob CC BY-SA 3.0 via Wikimedia Commons.

 Assim como tudo muda, a saúde muda também e a nossa forma de navegar, acredito nesta mudança e nos desafios diários de trabalhar com diferentes visões e tempos da medicina e saúde. Assim como eu já passei por várias mudanças dentro da medicina (e fora dela), posso mudar novamente. Sim, já coloquei todas as minhas apostas na clínica médica (que é muito importante), mas me vi frustrada com o paciente voltando com os mesmo problemas, a mesma desidratação, a mesma fome da barriga e de viver, e vejo essa medicina pontual mudando para uma visão global onde o endereço do paciente, e as condições socioeconômicas definem mais sua saúde e o trabalho dos profissionais da saúde. Voltando a Mercedes Sosa "Cambia el modo de pensar/ Cambia todo en este mundo (...) Y así como todo cambia/ Que yo cambie no es extraño" (Muda a forma de pensar/ Muda todo este mundo (...) E assim como tudo muda/ que eu mude não é estranho).

"Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo (...)"


Voam abraços,
Mayara Floss

[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 quase todas as 4as-feiras]

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