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26 abril 2018

Francesa Alta


Dos trabalhos em equipe e das alegrias de escrever e ser chamada para escrever. Seis meses de produção, estudo e aprendizado. Grata pela equipe e pelos afetos que construiram o "Francesa Alta". 

Abraços que pousam,
Mayara Floss

24 maio 2017

Tanger

Foto: Karen Raquel


 Aprender a cuidar é como tocar violão. Como pode-se aprender saúde sem vivenciar? É como assistir vídeo aulas no YouTube de violão e achar que após um curso completo de ritmos brasileiros você vai saber tocar um samba sem nunca ter encostado em um violão. 


Não se aprende a dedilhar as cordas, afinar o tom sem um violão. Não existe curso de humanidades sem sentir o cheiro da madeira a melodia da música tocada nos consultórios, nas casas, nas comunidades.

Ler a partitura é apenas uma parte dos sinais vitais musicais, tocar a alma ultrapassa as notas pretas do papel. Traduzir a teoria para a música, eis que reside o mistério. A teoria protocolar de remediar, curar e salvar é tinta e papel. Cuidar  é conhecer a música no escuro, por dentro, saber o local dos trastes, o espaço das cordas, o caminho da melodia, o espaço e o timbre do som. As vezes será preciso improvisar, respirar fundo, seguir tocando.

Experimentar diferentes violões, diferentes ritmos, encontrar aquele que cabe na sua mão, que o braço é do tamanho certo, que reverbera na frequência certa para o profissional de saúde. Alguns vão sentir-se confortáveis com todos, vão tocar  de tudo, são ecléticos. Quase não há música que não reconheçam, pelo menos um pequeno trecho. Se não souberem adaptam-se rapidamente a nova a afinação, escutam com curiosidade.

Aprender saúde deve ser de repertório vasto, ritmos diferentes, cenários diferentes. Tocar apenas no  hospital é como aprender um só estilo musical. O ritmo do beep beep dos aparelhos pode transformar-se em uma melodia, tocada  com emoção e profundamente mas os outros sons, ritmos e melodias talvez fiquem intocados. Não ressoem.

Sair da partitura, da paredes do hospital e das clínicas e colocar os pés no chão da seca, na viagem longínqua pelos interiores, é vivenciar diferentes palcos, ouvir diferentes músicas , conhecer outras melodias carregadas de histórias, timbres, pausas, emoções e silêncios. É aprender música sentindo o vibrar da madeira, o vibrar da seca, é fazer chover em melodia. 

Viver é tanger as cordas do cuidado - sentidos e sentimentos na ponta dos dedos.



Abraços que pousam,
Mayara Floss

20 maio 2015

Cambia todo cambia

 Eu decidi parar e estudar as raízes da medicina e saúde ocidental a inspirado (mas não limitado) pelo livro “The Sociology of Health: Principles, Professions and Issues” do autor Frederic D. Wolinskt (livro de 1980 que parece que foi escrito ontem). Senti-me escutando a música da Mercedes Sosa “Cambia todo cambia” (muda tudo muda). Talvez entre mais uma mudança da visão médica. Segure-se nessa balsa, que vamos navegar por esses mares de tempo e mudanças. 

Mar de mudanças. Fonte: http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=710220&tm=8&layout=121&visual=49


 Mais ou menos em XV a. C. começaram a surgir a filosofia de Hygeia na Grécia antiga. A Deusa Hygeia é considerada a primeira filosofia relacionada a saúde. Uma grande raiz da filosofia grega que dizia que a função fundamental da medicina era descobrir e depois ensinar (quem sabe dividir) os conhecimentos sobre o funcionamento do corpo humano que garantiriam uma mente e corpo saudáveis. A popularidade de Hygeia decaiu por volta de XII a. C. com o surgimento do culto de Asclépio (que a maioria conhece a história ou pelo menos símbolo de Asclépio – ou Esculápio - a cobra enrolada num bastão). Ele acreditava que a função fundamental da medicina (e do médico) era tratar a doença para restaurar a saúde, conhecido por usar facas e ervas. A visão mais voltada para cura-doença começou aí, e essa cura era feita através das correções das imperfeições do corpo humano.

Talvez mais famoso que Asclépio foi Hipócrates que a história que conhecemos é muito incerta baseada em uma série de livros que tem o seu nome (e que não foi escrita por ele). Mais famoso pelo seu juramento que fala de ajudar os doentes, não prejudicar e manter sagrada a relação médico paciente. Hipócrates foi o primeiro a deixar para trás os “fenômenos sobrenaturais” trabalhando de forma científica e sistemática. Também manteve a ideia de mente e corpo em harmonia e ele reafirmou a ideia de cuidar da pessoa como um todo e, embora pouco falado, Hipócrates dizia que o ambiente tem uma influência direta no entendimento das doenças.

 A pouco falada deusa Hygeia.
Bem depois de Hipócrates o império romano veio e se foi e a Igreja chegou com a idade das trevas colocando os conhecimentos da medicina em tumulto com o conhecimento religoso. Aliás o que sobreviveu do conhecimento médico também foi salvo pela igreja, e o que sobreviveu foi a medicina que apenas cuidava dos problemas físicos do corpo – saúde mental e problemas socioeconômicos eram problemas de Deus e da igreja. O ser humano como um todo da visão grega acabou repentinamente. 

Pulando para o século XVII chegamos a Descartes e o Racionalismo que focou ainda mais na divisão do corpo e da mente e que disse que a medicina deveria focar unicamente no corpo. Descartes inclusive referiu que a mente deveria ficar a cargo de Deus e os seus agentes. Ironicamente, talvez, a grande mudança da medicina da filosofia cartesiana para uma visão mais humana veio com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX, isso veio acompanhado da ideia do indivíduo isolado para a medicina no contexto da sociedade. Os utopistas começaram a trazer o senso de humanização para a saúde. A Revolução Industrial deixou as cosias óbvias, relacionadas a comida, poluição e condições sanitárias. Se a motivação destes utopistas foi aumentar a produtividade dos trabalhadores ou realmente ajudar isso não é a parte central dessa discussão, mas sim o fato que a Hygeia voltou um pouco diferente para discussão originado a palavra “higiene”. Inclusive começou a se dizer que as técnicas mais efetivas para evitar as doenças vieram das ações corretas e medidas sociais da industrialização. 

Depois, ciclicamente, diga-se de passagem, veio a era dos germes com os trabalhos de Pasteur e Koch e as pesquisas com bactérias. Eles postularam que “toda a doença tem uma causa patológica” (e também reforçou o nosso raciocínio clínico e uma das formas de “onipotentes” da medicina, da investigação de tentar descobrir – e da frustração de não ter explicações quando não é possível, e só dessas frustrações que às vezes sai um “é a medicina não resolve tudo” e a sensação de falha). Também é neste ponto da história que começamos a discutir mais fortemente sobre a fragmentação, é aqui que se refere à doença e não mais ao paciente -“nos temos uma cirrose no leito 211” ou “HIV positivo com complicações no isolamento” (entre outros vários exemplos). Por aqui que os médicos se tornaram mais mecânicos e mercadores. 

Uma apendicite no 403” ou “Uma ‘bruxaria’ (doenças inexplicáveis ou de difícil diagnóstico que ainda não foram elucidadas) no 315”. Imagem ilustração de Salvador Dalí para a obra a Divina Comédia.
Por volta da metade do século XX voltamos a falar da pessoa como um todo. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 disse que as dimensões da saúde devem ser trabalhadas em relação as dimensões físicas, psicológicas e sociais – o “famoso” bem estar biopsicossocial. É aqui que se começa a discussão de que a saúde é um processo adaptativo e não estático (que sempre pode ser comprado ou alcançado). E em 1985 o conceito da saúde da OMS também muda: “a saúde é uma fonte de todos os dias, não o objetivo da vida; é um conceito positivo que enfatiza as fontes sociais e pessoais e também as capacidade físicas”. Volta-se a discussão e orientação para que os profissionais de saúde compreendam que as definições restritas das doenças são puramente um fenômeno fisiológico. Inclusive, neste contexto adoro a frase de Melody Goodman professora de saúde pública da Universidade de Washington “Your zip code is a better predictor of your health than your genetic code” (o seu Código de Endereço Postal – vulgo CEP - é um previsor melhor da sua saúde que o seu código genético). Inúmeras vezes vejo essa frase do William Osler no final das palestras de vários médicos “O bom médico trata a doença, mas o grande médico trata a pessoa com a doença.” Eu gostaria de fazer um corte nesta frase, quem sabe emendando ela com uma visão mais global da saúde que o “o bom profissional da saúde cuida da pessoa” (sem a doença). 

Brazilian States by Municipal Longevity index.svg

“O seu Código de Endereço Postal – vulgo CEP - é um previsor melhor da sua saúde que o seu código genético” – Pensando em Brasil é “fácil” ver isso analisando o IDH relacionado a saúde você morar no Nordeste determina se você irá viver mais ou menos (longevidade). "Brazilian States by Municipal Longevity index" por User:Juniorpetjua - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e0/Brazilian_States_by_Longevity_index.svg. Licenciado sob CC BY-SA 3.0 via Wikimedia Commons.

 Assim como tudo muda, a saúde muda também e a nossa forma de navegar, acredito nesta mudança e nos desafios diários de trabalhar com diferentes visões e tempos da medicina e saúde. Assim como eu já passei por várias mudanças dentro da medicina (e fora dela), posso mudar novamente. Sim, já coloquei todas as minhas apostas na clínica médica (que é muito importante), mas me vi frustrada com o paciente voltando com os mesmo problemas, a mesma desidratação, a mesma fome da barriga e de viver, e vejo essa medicina pontual mudando para uma visão global onde o endereço do paciente, e as condições socioeconômicas definem mais sua saúde e o trabalho dos profissionais da saúde. Voltando a Mercedes Sosa "Cambia el modo de pensar/ Cambia todo en este mundo (...) Y así como todo cambia/ Que yo cambie no es extraño" (Muda a forma de pensar/ Muda todo este mundo (...) E assim como tudo muda/ que eu mude não é estranho).

"Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo (...)"


Voam abraços,
Mayara Floss

[Mayara Floss publica na Rua Balsa das 10 quase todas as 4as-feiras]

06 dezembro 2013

Sobre palcos e joelhos – a medicina fora dos corredores do hospital [Mayara Floss]





Este texto eu escrevi em 2011 para participar do concurso literário do 11º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. Um verdadeiro divisor de  águas da minha formação. Sempre gosto de reler ele e lembrar do que vim construindo ao longo do tempo e também, de não perder minha essência. O texto foi escolhido para ser publicado no Cardápio Literário do 11° CBMFC organizado pela SBMFC naquela época, motivo de muita alegria para uma acadêmica do segundo ano de medicina.

Sobre palcos e joelhos – a medicina fora dos corredores do hospital

Recém-chegada na universidade, abrem-se as cortinas de novidades, jalecos, fisiologia, histologia, anatomia. Tudo tão maravilhoso, cheio de conceitos, experiências, pessoas novas, professores - porém bem distante do paciente. Aprendemos sobre o corpo, o funcionamento, as partes... Começamos a nos aproximar dos pacientes, apenas, na cadeira de “Relação médica”, toda sexta-feira pela manhã acompanhando as atividades das Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF). Como objetivo da matéria deveríamos (um grupo de quatro alunos), visitar várias famílias ao longo das aulas e acompanhar uma família específica da periferia para tentar entender alguns hábitos e formar um laço com a finalidade de tentar modificar algumas rotinas e hábitos considerados não saudáveis. O que é geralmente para a maioria, fazer caridade e escrever o relatório no final do semestre.

No cenário da cidade de Rio Grande, saindo do seu tão bem quisto centro com esgoto, água encanada e asfalto, e entrando em comunidades fora do centro, encontrarás a estrada de areia, casebres construídos com “lata-velha” de navios, valetas para correr o esgoto e a água da chuva, falta de coleta de lixo (o qual se amontoa na frente das casas por dias), casas de “chão batido”, às vezes com ou sem água encanada e com ou sem energia elétrica – porém, geralmente cheias de “luz”. Quase sempre éramos bem recebidos e inclusive esperados, por várias famílias que íamos passando, algumas pediam para voltarmos outros dia pois não podiam nos receber, para poderem organizar a casa para os “doutorezinhos”. Mal chegávamos éramos recebidos pelos cachorros, alguns mais calmos outros mais ariscos, mas em geral fazendo festa. A família sorria, abria a porta da casa e deixava nos entrarmos, mesmo que por falta de espaço alguns de nós ficavam do lado de fora, ouvindo a conversa.

A “nossa família” um pouco mais estruturada do que as da redondeza, possuía um pequeno “bolicho” conhecido assim no Rio Grande do Sul, um lugarzinho com uma mesa de sinuca, bebidas alcoólicas, algumas cadeiras, caixas de cerveja viradas para sentar, uma pequena bancada, refrigerantes, chão daqueles de cerâmica antigo e, claro, um pôster de uma mulher segurando uma cerveja qualquer. A entrada era uma pequena porta com algumas cadeiras na frente e bancos de “caixa de cerveja” numa pequena varanda improvisada.

A casa em si ficava atrás do bar, sendo que a parede fazia divisória com o “bolicho”, para o padrão era uma casa grande, meia de material-madeira, chão igual ao do bolicho, uma cozinha/sala um corredorzinho, quarto e banheiro. Simples. Tinha ainda um quintal nos fundos de “terra batida”, cachorros, galinhas, pássaros (engaiolados) e gatos. O quintal fazia caminho para uma outra casa que foi construída depois, esta tinha um quarto, cozinha/sala e um banheiro. Ainda no meio do quintal uma obra se encaminhava que seria a cozinha do bolicho, para fazer batatas-fritas, polentas e petiscos para os frequentadores.

Logo que chegávamos éramos recebidos por uma senhora baixinha, gordinha e sorridente, abrindo as portas do seu lar para nós, apenas alunos do primeiro ano. Antes de chegarmos lá, já tínhamos visto a “pasta da família” para sabermos quais as doenças acometidas na casa. Também sempre chegando um pouco mais tarde aparecia o esposo, depois de fazer as compras para o bolicho, viviam na casa atrás do bolicho apenas os dois. Na casa dos fundos vivia a filha, a neta, o neto e o genro. Quando chegávamos, a reunião era geral sentávamos em volta da mesa da família no meio da sala/cozinha (sempre arrumava-se cadeira para todos) e a Dona da casa nos oferecia um chimarrão. Chegávamos perto do almoço, pois antes poderíamos atrapalhar os hábitos matutinos da família.

Descendente de italianos, na cozinha sempre tinha um bom salame por perto, queijo, muita gordura e poucas frutas e verduras, como relataram para nós jantavam uma comida “forte” com ovos fritos, carne e arroz è noite, quando podiam assavam uma cabeça de porco com bastante batata e gordura. Como “boa aluna”, sentei e comecei a conversar sobre as mazelas da família, hipertensão, diabetes, má alimentação (até a neta de dez anos estava com problemas devido a má alimentação). No primeiro encontro, sentei conversar com o seu João (nome fictício), o pai da família, o centro onde as decisões giravam, claro que com o aval da Dona da casa, sua esposa.

Começamos logo falando da hipertensão e diabetes (doenças que não eram tratadas na casa) com seu João e ele logo respondeu: “mas tu sabe, que eu tenho um problema no joelho e fui para o hospital me consultar, e o médico pediu um raio-X da coluna! Nem fui fazer, a minha dor é no joelho!”, conversamos um pouco sobre o joelho e voltei a falar da hipertensão e diabetes... Logo ele começou “então eu tenho essa dor no joelho que me incomoda muito...” e começou a falar novamente do joelho.

No segundo encontro, estávamos conversando sobre os problemas crônico degenerativos e então... “Mas tu sabe, que eu tenho um problema no joelho e fui para o hospital me consultar, e o médico pediu um raio-X da coluna! Nem fui fazer, a minha dor é no joelho!”. A conversa toda parou no joelho novamente. E nosso blá-blá-blá sobre alimentação e tratamento parou na articulação.

Depois da dupla e inválida insistência, decidimos “mudar a estratégia”, compramos um atlas do corpo humano infantil, com desenhos simples do esqueleto, sistema cardiovascular, nervoso, digestivo. Dessa vez, começamos pelo joelho! Com o sistema esquelético em mãos mostramos que o ser humano tinha ossos durinhos, que sustentavam o corpo e que o joelho (pasmem!) estava interligado com os ossos da perna, bacia e coluna! E falamos mais, que eles nem estava tão distantes assim, os movimentos do joelho eram sustentados inclusive pela coluna! Seu João arregalou o olho e falou “Ah, então eu deveria ter feito o raio-X da coluna?” - quase em uníssono respondemos que sim e ele retrucou “ O que eu faço agora?”, orientamos ele a procurar o médico da UBSF e pedir para repetir o raio-X. E aproveitar para fazer um exame geral, afinal seu João só ia quando as coisas “apertavam” direto para o hospital.

Aproveitando o atlas, apresentamos o sistema cardiovascular e explicamos que o homem é cheio de “canudinhos” que levam sangue para o corpo para dar energia, e distribuir o oxigênio que respiramos. Explicamos que as comidas gordurosas “entupiam os canudinhos” e podiam levar a sérios problemas, porque o corpo ficava sem energia e aí poderia levar até ao infarto. Falamos também que era silencioso e só se notava verdadeiramente muitas vezes quando era tarde demais. Explicamos que a “pressão alta” sobrecarregava o coração que tinha sempre que trabalhar muito para sustentar o corpo, falamos sobre o “inchaço” (aproveitando que o seu João sempre tinha bastante edema nas pernas), falamos também aproveitando o “gancho” sobre o peso que, também, estava sobrecarregando o joelho e o coração.

Seguimos falando do pâncreas, da diabetes, a qual tivemos a seguinte reposta “ah, mas eu tenho diabetes, mas ela tá boa ainda, porque quando eu me corto cicatriza bem!”, conversamos então, sobre o “caminhão do organismo” (a insulina) que “carrega” o açúcar para dentro das células para produzir energia e sobre o pâncreas que cansava de “manter a sua frota” de insulina, e então começava a faltar “energia” para as células. Seguimos a manhã assim, depois da barreira do joelho, conseguimos conversar sobre as doenças da família. Falamos da importância da alimentação e no final presenteamos a família com o atlas, principalmente a neta que adorou as figuras coloridas e estava estudando o corpo humano no colégio. Ficou este nosso pequeno legado e os eternos olhos daquela família, maravilhados com o corpo deles.

Na visita seguinte, foi impossível esconder o sorriso quando adentrei a cozinha/sala e vi sobre a pia um pé de alface gigantesco. A Dona da casa havia emagrecido e estava na frente do fogão. Já de caso pensado, passei algumas semanas organizando um “Livro de receitas saudáveis” com a ajuda de uma tia que trabalha com a alimentação de pessoas no interior, procurando minimizar custos e maximizar qualidade dos alimentos. Ainda, digitei as receitas no computador e coloquei a letra maiúscula, legível e bem grande, para evitar dificuldades da pouca alfabetização e visão.

Logo que sentamos começaram as novidades, a adesão ao tratamento, a mudança na dieta e os quilos perdidos – falaram também que a vida estava melhor, se sentiam mais “leves”. Relataram, ainda, que não estavam mais jantando “forte” e haviam substituído a comida gordurosa por um café com pão. Seu João, não estava em casa, mas nos contaram que havia diminuído o inchaço nas pernas e explicamos que se ele continuasse perdendo peso ficaria mais fácil de os joelhos “trabalharem”, acredito que a mensagem foi repassada. A dona da casa ficou lisonjeada com o livro de receitas para ajudar ela a fazer o almoço em casa. Aproveitamos que estavam apenas as mulheres da casa e falamos sobre a importância do “preventivo”, a dificuldade do câncer de cólon de útero – inclusive, a Dona da casa não fazia o exame há anos. Assim, marcamos um horário com a agente de saúde e ficou combinado que iria começar o tratamento.

Sem saber, acabou esta sendo a minha última visita à família. Ainda quero voltar lá e conversar sobre como “andam as coisas”. Devo comentar que com o tempo, quando eles sabiam que iríamos visitar a casa deles, alguns vizinhos apareciam na casa querendo conhecer e aprender mais sobre o que ocorre no corpo, tirar dúvidas e conversar informalmente com os “doutorezinhos”.

Talvez muitos falarão que foi apenas uma família, algumas pessoas e que no contexto geral isso não faz diferença. Porém, acredito que o rufar das asas de uma borboleta, pode provocar um furacão, que as pequenas mudanças são o primeiro passo para uma grande mudança. Geralmente, os pacientes sabem lhe dizer todos os riscos, todas as formas de tratamento, e sintomas de várias doenças - embora não entendam o real funcionamento daquilo. Frequentemente, quando acompanhamos consultas, ao invés do médico explicar que aquele senhor tem uma cirrose em decorrência da bebida (explicando o que aconteceu com o corpo do paciente, o que o fígado faz, o que ele deixou de fazer e porque é importante tentar parar com o vício), escolhem o caminho mais “fácil”, apenas avisam que tem um “problema no fígado” e o que é pior, muitas vezes condenam os hábitos do paciente, mesmo de forma inconsciente. Mantendo exatamente aquela relação distante, em que o paciente é literalmente “passivo”, ignorando a cultura, as vivências, e os pensamentos daquela pessoa.

Vejo, infelizmente, muito “salto alto” na medicina, inúmeras vezes, centra-se mais a atenção no médico do que na pessoa que está sendo assistida. Importam-se mais com a rapidez do diagnóstico, com o quão bons são na hora de fazer uma cirurgia e o quanto são respeitados pela comunidade médica. Talvez, nesse contexto, seja importante tirar a “armadura” do jaleco branco e saber que os pacientes, não são simplesmente quadros que vamos colocando nossas impressões, fazendo nossos diagnósticos e impondo “nossos” tratamentos. E sim, o ator principal deste grande palco é o paciente e nós, estudantes ou médicos, somos apenas os coadjuvantes daqueles que possuem vida, pensamentos, cultura, tabus, crenças, verdades e joelhos... Apenas, coadjuvantes.
Voam abraços,
Mayara Floss

28 novembro 2013

Entre pinguins e a Educação Popular

    A educação popular tem essa habilidade de fazer encontrarmos algumas coisas que estavam esquecidas. Comecei a frequentar a comunidade e ver os artesanatos de biscuits das artesãs da Barra. E eu comecei a lembrar de quando aprendi a fazer algumas florezinhas de biscuit com a minha tia para decorar as casquinhas de páscoa que eram vendidas depois para ajudar a APAE a juntar fundos.
    Certo dia tomei coragem e pedi um pouco daquela massinha para tentar fazer um artesanato com as artesãs. E vim escondida em casa tentar fazer modelar algumas coisas e surgiram pinguins! Pinguins de capuz e tomando chimarrão. 

Meus pinguins
     O mais legal disso foi sermos convidados para o aniversário da Suzana, a líder do grupo das artesãs da Barra, e compramos uma cuia de presente para ela e eu coloquei meu pinguim dentro da cuia como um presente também. Quando ela abriu e viu a cuia achou legal, mas quando encontrou o pinguim deu grito de alegria: “Ah! Olha que lindo o pinguim da Mayara” e veio me dar um abraço.

Festa de aniversário da Suzana. Foto: Arnildo Dutra de Miranda Jr
    Nesse dia tinha levado minha mãe para conhecer as artesãs. E aí descobri da onde surgiram os pinguins com risos da minha mãe, da Suzana e dos meus colegas da Liga de Educação em Saúde, ela lembrou que eu havia quando pequena modelado 150 Pokémons (aqueles do desenho animado).  E que eu adorava fazer isso quando criança.

Eu e os 150 Pokémons
    É fantástico como a EP nos permite essa redescoberta. Ou os novos aprendizados como a Jéssica uma extensionista que começou a frequentar o grupo de artesanato da Barra e ensinou durante o trajeto do centro até a Barra como fazer um leão-marinho de biscuit. Claro que os nossos leões-marinhos pareciam qualquer coisa, menos um leão-marinho. E foi muito interessante percebermos como não conseguimos fazer um leão-marinho como o da Suzi, e podermos aprender, assim como elas na última reunião puderam aprender sobre tireoide.
    E assim seguimos, entre pinguins, biscuit, e educação popular. Porque são nos detalhes que se faz a ensinagem.

Voam abraços,
Mayara Floss



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