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02 junho 2013

Das vozes daqueles que procuram




There's a feeling I get 
when I look to the west
And my spirit is crying for leaving
In my thoughts I have seen 
rings of smoke through the trees
And the voices of those who stand looking
[Stairway to Heaven - Led Zeppelin]

Júlio Alberto Wong-Un
para Ernande Valentim do Prado
para Arnildo
para Luan
para Mayara
e, óbvio,
para Amélia - que se faz constelação e flor na Barra.


Um poema, é preciso esperá-lo com paciência e silenciosamente
como um gato" - Mário Quintana



o céu e sua moradia
dentro de nós
no fim das peregrinações
e das migrações

a escada não existe. por isso
bebemos norteña sem re-cordaris
para começar seus degraus

no meio da laguna
tremer é forma de epifania
avançar
é uma volta
gélido é forma de abraço

o céu
espaço desconhecido
a palavra
destino aberto
o trote em slow-motion
a luz em fim de meridiano

aqueles que continuamos
procurando sem dizer mais nada
navegando na balsa
temos tudo a dizer
nada a descartar
tanto a esconder no canto mais valioso do peito

como o beijo de uma mulher
pequenina que cabe sempre na palma do universo
e se faz espera absurda na risada que ecoa pelo Sul inteiro
e quando
anoitece suave e gelado
ela te impede de virar
esse picolé cético, ideológico, erudito
e se faz
ursa menor, cruzeiro do sul, argos, ou a imagem da baleia celeste
que guia os velhos navios de descobertas

nada de blocos de gelo nem picolés:
ao contrário, viramos
anéis de fogo, dança de luzes no céu polar,
fumaça perfumada através das  árvores
e sem sequer tocar o chão
criamos raízes
que aninham em almas férteis

a dama que procura a escada ao céu não é guia
nem estrela. isso
sabemos
não existe

mas ela deixa a suavidade do perfume que somente certas mulheres
conseguem deixar no empedrado de Rio Grande
e a sombra dela fica na luz dos faróis
there's a feeling I get e o espírito chega a bom porto
e a palavras
todas elas
cada uma das palavras que nos procuram
para ser ditas
se fazem desnecessárias
quando
no meio do frio, mergulhamos no ônibus a Pelotas,
e reconhecemos que isso, simples contagem de horas e conversas flutuantes
mudou a vida de vários
como estrela de escadas
semeadas ao longo da milky way






01 junho 2013

Viagem às terras geladas (de corações quentes)

Ernande Valentin do Prado

Tudo começou há bastante tempo. Foi bem planejado. Intenção: conhecer o trabalho da Liga de Educação em Saúde da FURGS. Amélia garantiu que faziam um trabalho excepcional, diferenciado, fazendo Educação Popular do modo como acreditávamos.
Uma viagem de sete dias, para um terra gelada (Rio Grande, no extremo sul do Brasil) e mais Pelotas. Em principio não me agradava muito, apesar das referências. Mas lá fui por confiança em Amélia e Julio, outro conspirador (do bem). Horas de viagem entre Paripiranga e Aracaju, outras horas até Porto Alegre, pensando na blusa que esqueci em casa. E mais tempo no ônibus entre Porto Alegre e Rio Grande. Mas cheguei.
 Na rodoviária um dos “meninos” me esperava (Arnildo), e tudo começou a mudar.

NO LAR DOS IDOSOS
Da rodoviária, Arnildo levou-me para o lar dos idosos, que eles chamam de Asilo lá no sul. Um grupo de estudantes já esperava. Encontramo-nos no portaria, onde estavam sentados com as pessoas, conversando sem compromisso. Isso já me impressionou muito.
“Como assim, estudantes de saúde conversando sem compromisso, sem ensinar nada, sem dizer como o outro deve viver sua dor ou sua saúde?” Isso já não é normal.
Fiquei na espreita, esperando as mesmas coisas de sempre, as mesmas conversas, a mesma destilação de teorias, de citações de Paulo Freire. Pensei. “Daqui a pouco começa”.
Aí, entramos. Fomos para uma sala de reunião (se bem que essa não é a palavra certa). Os “meninos” e as “meninas”, uns oito ou dez (não contei) saíram pelo prédio, enorme, convidando as pessoas para conversar. Não abrigaram ninguém a ir, não impuseram com sua autoridade de estudantes de saúde que têm coisas novas para ensinar. Foi quem quis ir. Reuniram-se umas dez pessoas. Entre eles apenas uma mulher. Entre os estudantes apenas dois homens.
Pensei: “é agora que vão começar a dar ordens, ensinar as regras e a importância de respeitá-las para o bem viver”. Mas começou a demorar. Os estudantes foram se apresentando na ordem em que estavam e sentavam entre os moradores do lar. Os morados também falavam, contavam como eram, de onde vieram, seus gostos. Percebia-se que não era a primeira vez que faziam isso, que contavam suas vidas.
Os meninos e meninas, jovens entre o primeiro e o quarto ano do curso de Medicina, ainda tiveram a intenção de organizar uma ordem, um sequência lógica de falas, mas em instantes perceberam que não era isso que as pessoas precisavam ou queriam.
Entendi que desejavam mostrar um trabalho organizado para o visitante da Bahia, mas não se incomodaram quando os idosos quebraram com a ordem, a sequência e as suas intenções.  Alguns entravam e saiam para fumar (e ninguém falava nada). Ficamos por ali ouvindo as histórias de anos de vida vivida, sem ninguém julgar se foram bem ou mal vividas, conversando, permitindo-se ser tocado por aquelas vidas, sem condenar, sem impor. Era um sonho. Estudantes de saúde não se impondo, não prescrevendo.
Já estava maravilhado, mas mesmo assim pensei:”alguém vai falar do cigarro daquela senhora”. Mas fomos embora para próxima atividade sem ninguém falar nada.

A LIGA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Saímos do lar dos idosos e fomos para o prédio da Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURGS). Nele, fui informado, aconteceria a reunião da Liga de Educação em Saúde. Umas 15 pessoas reunidas e desculparam-se por ter ido pouca gente, pois estão em período de provas. Alguns já de férias, e viajaram para casa.
Como assim, disse eu espantado, tem mais gente do que isso?
Tem, disseram, hoje só veio metade.
Cada um se apresentou, contou sua história, como foi parar nesta Liga, como a Liga foi pensada e posta em prática. Não vou aqui discorrer sobre isso, pois não tenho competência para lembrar de tudo. Este é um texto sobre meu espanto e apenas isto. Essa história, da Liga, cabe à outra e outros contar. Mas uma coisa devo dizer, ninguém, como no lar dos idosos, obedeceu regras ou ordens de falas estruturadas e certinhas, como num “teatro” de Educação Popular em Saúde.
Primeiro espanto – a Liga nasceu da iniciativa dos próprios estudantes. Não foi da cabeça de um professor esquisito (no bom sentido). Estudantes inconformados como o modo de vivenciar a saúde no curso de Medicina tomaram a iniciativa de reunir outras pessoas para pensar saídas e soluções. Poderiam ter saído do curso, mas acreditaram que existe algo mais do que o modo hegemônico de fazer. Apostaram e outros foram se juntando. Bonito demais um depoimento, que não tenho certeza de quem e nem se foi exatamente assim, mas é a ideia: “eu vi na fala deles uma chance de entender o tipo de médica que eu queria ser.”
Muito bonito e essa fala não veio de um formando, mas de uma primeiranista ao ouvir a fala de um secundanista.
Depoimentos como esse foram se somando e fui entendendo mais e mais e mais. Inclusive o professor, que os acompanha uma vez a cada 15 dias, deu seu depoimento, riquíssimo, contando sua trajetória também inusitada até chegar à Liga.
Segundo espanto – só tinha estudante de Medicina na sala. Quando acontece uma reunião de pessoas para falar de Educação em Saúde é normal ser uma iniciativa multidisciplinar. Mas esta não era. E não era por um motivo muito simples: não conseguiram ainda construir essa possibilidade, não por desejo de estarem sós, mas por dificuldades em dialogar, em ser aceito pelos outros cursos. Entendo perfeitamente isso. A gente (que não é médico ou médica) fica sempre com os dois pés atrás com médico ou estudantes de medicina. É como se tivessem o tempo todo que provar que estão bem intencionados.
Eu mesmo devo confessar que se soubesse que iria para um encontro apenas com estudantes de medicina pensaria mais de uma vez antes de aceitar. Mas que bom que fui engando, pois assim pude desfazer (e desfazer é mais difícil que fazer e muitas vezes mais importante) uma série de conceitos que fui desenvolvendo em minha vida sobre o ser médico e médica. Há vida na medicina. Sempre soube disso, mas não conseguia encontra nada além de exceções. Para mim a regra era sempre aquele profissional especialista em doenças que não via as pessoas.
Na verdade, isso é cada vez mais verdade para todos os profissionais de saúde e não exatamente para médicos. Mas algo esta mudando e esse grupo é um exemplo do que vem por aí.

O FIM
Foi uma visita de descobertas. Descobri paisagens lindas, frio que não é exatamente insuportável, afetos gratuitos que vivem por anos submersos até que emergem.
Conheci gente vivenciando a Educação Popular em Saúde e a construção cotidiana do SUS sem precisar de palco ou estreias monumentais em teatros municipais regrados a dinheiro sem dono.
Ainda existe vida, mesmo que por baixo de camadas cada vez maiores de cinzas.

Obrigado.

24 maio 2013

No fio

Sabe, existem algumas pessoas que você tem certeza que são amigos de infância, mas na verdade vocês se conheceram a poucos minutos e de repente parecem que se conhecem desde a tenra existência. Pessoas especiais que basta um olhar para você ficar convencido e algumas palavras para você começar a buscar memórias, porque não seria possível imaginar que você e essa pessoa não se conheciam antes. Laços de amizade profundos criados em poucos instantes.

Isso acontece poucas vezes. Certo dia fui visitar a Comunidade da Barra, ir conhecer lá, uma vila que dizem ter uns três mil habitantes, a economia gira basicamente em torno da pesca. Além do Porto que parece colocar suas garras, digo guindastes, quase que por cima da comunidade para impor a sua expansão. São pessoas que não podem construir casas porque a todo momento há a desconfiança de que alguém irá tirar deles aquele canto onde trabalham e vivem.

O caminho da Barra é todo cheio de contrastes, pegando o caminho que sai do Hospital Universitário do Rio Grande até a Barra . Você sai do centro da cidade de Rio Grande, andando por trechos de calçamento e asfalto hora acompanhado pela Lagoa dos Patos, pelo Porto, pelos casebres perto do Porto, pelas fábricas, pela fumaça, pelo trânsito, pela natureza... E a Barra fica assim em uma linha divisória entre o Porto do Rio Grande e a Praia do Cassino.
 
Ida para a Barra

Essa é a visão de fora da Barra. Mas de dentro é muito mais bonita e eu quis conhecer o grupo de Artesãs da Barra do qual eu já tinha comprado um chaveiro em formato de tartaruga. Quando fui conhece-las elas estavam no final de uma reunião e fiquei muito encantada com o grupo, com a força que emanava daquelas mulheres. Logo comecei a falar de um projeto que eu participava chamado “Liga de Educação em Saúde”, começamos a conversar sobre saúde logo que elas descobriram que eu era aluna do curso de medicina.

Pensei que talvez se elas quisessem poderíamos tentar visitá-las com mais frequência, tentar nos conhecer melhor e que elas conhecessem o projeto. Elas disseram que tudo bem até, após uma longa conversa, mas que elas tinha uma grande encomenda de artesanato e que iriam demorar para poder nos receber. Foram várias encomendas, mas sempre íamos lá para conhecer melhor o grupo, passagens rápidas nos intervalos de algumas atividades delas no final de semana. Sempre fomos bem recepcionados, logo sabíamos o nome da maioria das mulheres e elas sabiam o nosso nome, tinham nos apelidado e faziam brincadeiras com nós.

Nem bem percebíamos e depois de cruzar vários finais de semana a estrada da Barra já fazíamos parte de certa maneira daquele grupo de mulheres. Então um dia elas disseram que poderíamos fazer uma reunião que elas chamariam outras mulheres e nesse dia pensamos na nossa grande responsabilidade para conhecermos, é como se passasse uma energia estranha um misto entre animação e responsabilidade. Organizamos uma Kombi via universidade, foi difícil conseguir a viatura, mas insistimos – como sempre.
Dentro do centro comunitário da Barra com os artesanatos e ouvindo e aprendendo com a artesã Susana. Foto: Ernande
 Em um determinado instante nos transformamos em protagonistas juntos com as Mulheres e artesãs da Barra. Logo que conhecia líder do grupo a Susana, no primeiro dia que fui lá, percebi a força que emanava do trabalho delas. Precisou um olhar, poucas palavras e um abraço para sabermos que poderíamos confiar uma na outra. E assim tem sido, com os colegas da Liga, com os amigos de infância de pouco tempo que tenho feito ao longo desses quatro anos de medicina.
 
As reuniões tem acontecido em meio a relatos, a vivências e a intensidade que é viver. Nem sempre pude participar das reuniões, nem sempre a grade curricular e generosa com os acadêmicos. Mas nas reuniões teóricas ouvíamos o tocante viver dos relatos nas palavras dos nossos colegas. A Barra tem um quê de especial, uma teia envolvente, logo que você chega naquelas ruas de casas coloridas. E assim vamos vivendo nesse tênue fio da vida, das artesãs, da linha dos pescadores, da medicina e de nós.
Visão da casa de uma artesã, uma teia, um fio que nos envolve. Foto: Ernande

Rio Grande de noite e as várias realidades….



Realidades são contidas, uma dentro, uma ao lado, uma por cima, uma oferecida, outra
escolhida e ainda recebendo a luz dos faróis que se perdem, e se encontram
com o nosso Olhar de dois.

21 abril 2013

São José do Norte

A balsa das 10


Morar do meio da laguna


Ernande e a Norteña - cerveja do Uruguai


Arnildo e Luan


Da origem deste desejo....



Rua Balsa das 10 é um desejo. Ele nasce depois de perplexidades, desencantos, dores, etc. Mas principalmente nasce depois de gravidez amorosa de meses, de conversar, de intuir, de dizer: é possível outro caminho que não seja esse do poder e das grandiosidades vaidosas e destruidoras!

O nome, corriqueiro e misterioso, é homenagem ao querido Luan, menino de Santos, sensível e curioso, que corre contra o vento, na vagarosidade das certezas que virão - a da próxima balsa. Nele, nesse nome névoa, vento sul, agradecemos a sorte de termo-nos juntado, como uma balsa que encosta em outra, nesses dias de grandeza do ínfimo, em Rio Grande e Pelotas.

A ideia de fazermos empreendimentos outros, com pouco dinheiro, sem a prepotência de quem fala pelos outros, na discrição de escutas e olhares atentos e amorosos, no "viver real das pessoas", na "amorosidade contra o que?", nas incertezas gostosas que a surpresa do dia depara - e prepara, distraída.... essa ideia nos ronda, nos urge, nos diz: quebra logo essa lógica do óbvio, essa burrice da mesmice, esse assassinato lento das ideias e dos termos e conceitos tão cuidadosamente gestados e lançados ao mundo décadas atrás.

A questão será ser claros sem ser claros. Não doutrinar. Rir dos totens e das unanimidades. Fazer gozação daquele que sente-se superior, dos que por baixo dos panos cozinham um paraíso deles.

Sentir o vento sul da Balsa das 10 atravesando a laguna dos Patos.

Aonde irá nos levar? o que iremos deixar? que alegrias trará? que tempo de viver terá? quais filhos irão mesmo crescer? sei lá.

Como mergulhados no mundo da saúde que somos - todos, administradores, mentores, autores, produtores, sonhadores... nossas metáforas e chavões irão nos invadir em sonhos e em vigílias. Iremos sim, no romper das cascas, azeitar as ferrugens, mexer com mindinho o timão da balsa, deixar estas postagens destinadas.

Por trás das casas da Barra, onde o gelo espiona as ondas, e o lixo mistura com flores do Sul... lá se caça a imagem, o som da palavra e da cantoria (milongas), a batida cardíaca dos poemas metafísicos e solitários.

A Rua da Balsa das 10 está atravesando.

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