Bloc de Educação Popular em Saúde com foco em crônicas, contos e poesias. Reflete o dia a dia de trabalhadores do Sistema Único de Saúde e Saúde Pública e Coletiva.
(cotidiano, saúdes, vidas, poéticas, sensibilidades, ternuras, raivas, gritos)
Dos trabalhos em equipe e das alegrias de escrever e ser chamada para escrever. Seis meses de produção, estudo e aprendizado. Grata pela equipe e pelos afetos que construiram o "Francesa Alta".
A família era grande e pobre, nós eramos em dez criança, meus pais adotaram dois que os pais tinham se matado.
Com 12 anos, não tinha carinho do pai e mãe
Não podia,
Quando tinha 18 anos apanhava ainda
Ela surrava bastante até com vara de espinho
Surrou tanto minha irmã que ela se mijou tudo
Se fazia uma coisinha errada
Tinha que fazer todo o serviço de novo
Eu não tenho amor pela minha mãe, ela tinha ódio.
Quando vinha visita eles sentavam na mesa primeiro,
e nós sentava depois para comer, se sobrava
Hoje nenhum dos irmãos quer ir numa festa
Porque de solteiro nós não podia sair
Ela chamava nós uma vez, se chamava na segunda já era para apanhar
Eu quero dar pros meus filhos o que eu não tive da minha mãe
Um dia eu tinha que cuidar dos pias,
Pias aprontam, são safados, você sabe
Um dia meu irmão fugiu com eles para roubar melão
Bati no meu irmão com pedaço de pau
Ele ficou com os hematomas e ganhou febre
(suspiro)
Nunca vou esquecer
Até hoje me arrependo
Nunca mais bati em nada nem ninguém.
- E a sua família como é?
Ah a gente se ama muito, amo muito meus filhos
Não posso me queixar.
O conflito familiar na casa de interior era sério. Ex-esposa, plantação de milho, vacas para tirar leite. Mas, depois do AVC do companheiro ele não queria mais sair de casa. Já há mais de um ano de companheira para cuidadora oficial, ela já dizia repetidamente: “Não aguento mais”.
Entre conversas descubro um grande motivo de chateação, ela ia perder o casamento da sobrinha. Pergunto porque não ir, ele muito teimoso diz:
- Não, é muito long -.
Ela já com o vestido pronto, com a carona arrumada, tudo organizado, balança a cabeça. No final, decido prescrever na receita: “Ir no casamento da sobrinha”.
Ela pendurou feliz na porta da geladeira, destemida.
Hoje eles vieram até a unidade e perguntei:
-Foram ao casamento?
Ele responde feliz:
- Fomos!
Sigo:
- E como estava? -.
- Muito bom, nunca mais um casamento como aquele. - Ela sorri e diz: - Nunca mais.
Ela emenda:
- A gente não se sentiu pequeno, se sentiu gente, foi muito bom. .
A criança estava olhando fixamente para a janela, no alto dos seus dois anos, impressionada apontava para o vidro com o dedo.
Seu pai disse:
- Pode olhar bem mesmo, porque você nunca viu chuva não.
Ele para pensativo:
- Acho que nem nuvem ultimamente a gente está tendo.
Causo engraçado de estar à caminho do meu estágio na zona rural e o motorista da van me desafiar a escrever um poema por dia, já que - após encontrar um livro de poesias na van comecei a lê-lo - gostava tanto de poesia. Então começou um desafio instigante de após cada dia de trabalho escrever um poema e recitá-lo no caminho de volta para casa. Pensei nas "Quintanares" do Mario Quintana, porque a Unidade Básica de Saúde é localizada na "Quintinha", então ao longo dos próximos dias irei postar as "quintinhas". Seguem alguns aqui!